sábado, 9 de maio de 2009

uma breve resposta (que mais haveria)

Caro amigo,

(que te li aqui)


Sê, pois, bem-vindo à Bela-Vista.

Sabes que a ira poética é compreensível em momentos destes, mas não sejas moralista que não é disso que precisamos para ultrapassar este problema. Acima de tudo, não é de moralismo que aquelas gentes da Bela-Vista precisam para ultrapassar o problema. (e ele há moralismos para todos os gostos, da esquerda ou da direita)


Acima de tudo, não nos dês as boas-vindas a um bairro que não é teu. Não penses que por conheceres este ou aquele(a) que ali já morou que te tornas diferente dos que comem pipocas ou vestem o seu fatinho-saia. Não te tornas diferente só porque ouviste falar da Bela-Vista no discurso directo. Não vejo diferença entre a tua camisa e calça clara e o fato-saia de quem acerta ou não nas palavras.

E aliás também te confesso, que isso pouco me importa porque há quem na Bela-Vista também vista fato e gravata porque o que nos distingue não é que o nos veste, mas sim onde vamos buscar o dinheiro para o pagar.


Digo-te que da minha janela vejo todo o bairro amarelo, passo diariamente por ele para chegar a minha casa. Mesmo assim não conheço a Bela-Vista. Tenho muitos amigos que moram lá e mesmo assim não conheço a Bela-Vista.

Sou sincero: fui duas vezes ao Bairro Azul e ainda hoje não me recompus da visão e da experiência.

Portanto, não estou certamente em condições de prestar sermões, nem de ridicularizar aqueles que nunca viram nada além das pipocas. Não estarei em condições de dar boas-vindas de ninguém à Bela-Vista.


Sei que os que lá moram no-las dão diariamente sempre que lá vamos, sempre que por lá passamos. Sei que toda a gente é bem-vinda à Bela Vista. Infelizmente, há quem se esteja a parasitar do justo sentimento de revolta daquela gente, daqueles jovens, para atirar uns petardos à polícia, grafitar pelo caminho um "a'zinhos de anarquia" e cavalgar a onda anti-policial para a qual o próprio Governo tem contribuído com a orientação sitiante que tem dado às forças policiais neste caso.


Acabo de passar pela barricada policial montada na Bela-Vista. Não nos deixam passar. Nem a nós, nem a ninguém. Os engravatados e as meninas da TV andam por lá à espera que haja mais qualquer coisa que justifique uma notícia de última hora, fazendo uns empolgantes directos do local que afinal.... pasme-se... está calmo.

Que não nos restem dúvidas que existem comportamentos criminosos por parte de alguns, quer ali morem ou não, e que isso redunda no mau nome de um bairro, aliás, de uma cidade que é feita de gente trabalhadora abandonada há muito pelo Poder.

Se não queres entender isso, então sabes ainda menos da Bela-Vista do que eu. Portanto, também te agradeço que não me abras as portas da minha própria cidade, nem me estendas o poético tapete dessa revolta distante.


É que ali na Bela-Vista moram as gentes do trabalho, mas também as do desemprego. Ali na Bela-Vista faz falta a polícia como faz em qualquer outro sítio. Mas faz falta uma polícia que emane do Bairro e das pessoas, que ajude e contribua para um dia-a-dia mais saudável, que ajude diariamente o bairro e que crie pontes de confiança com os homens, mulheres e jovens, com os ciganos, timorenses e africanos que ali vivem.

A estratégia de espetar "polícias de guerra", de ostentar metrelhadoras e caçadeiras, shotguns e coletes à prova de bala é exactamente o oposto do que é preciso para criar segurança às populações da Bela-Vista.


Mas o que não podemos mesmo ignorar é que não são os polícias, com ou sem metralha, que vão resolver o problema da Bela-Vista. Porque o problema dessa cidade não é de segurança ou falta dela, não é de vigilância securitária ou falta dela.

É um problema social de profundas raizes. É um problema que resulta do acumulado processo de empobrecimento e "ghettização" das camadas empobrecidas, do desemprego e do desprezo dado às vidas de quem ali vive.


Sei que, certamente, tudo isto saberás tão bem quanto eu. Sei que também sabes (embora não te conheça) que a Presidente da Câmara de Setúbal também sabe tudo isto.


Sei que, certamente, saberás tão bem quanto eu que não é o povo da Bela-Vista que apedreja a polícia ou dispara petardos. Também sei, ou julgo saber, que saberás que esse não é o caminho para a ruptura necessária com a política que tem conduzido a Bela-Vista para o interior dos Bairros Amarelo e Azul, donde dificilmente sairá num futuro breve.


Cumprimentos

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