sexta-feira, 19 de julho de 2013

Setúbalivre!

Ao contrário do que posso dizer de Lisboa, como escrevi aqui, Setúbal não é uma cidade de que tenha aprendido a gostar. É antes a cidade de que faço parte e de que gosto desde que existo. Não me liguei a Setúbal, nasci setubalense e sê-lo-ei sem fim, enquanto viva, mesmo que a vida, um dia, me não permita aí viver.

Vivo em Setúbal desde que nasci. Foi em Setúbal que me juntei à Juventude Comunista Portuguesa e devo isso, em boa parte, aos governantes que em 1993/94 destruíam o futuro dos jovens tanto em Setúbal como em Portugal. Foi principalmente o sentimento de revolta perante a injustiça que me fez iniciar a participação política. Mas se isso se deve, em boa parte, ao governo de Cavaco Silva, não é muito menor o contributo que o Partido Socialista entregou para forjar mais este comunista. Lembro bem o sentimento que a juventude setubalense nutria pelo poder de Mata-Cáceres e pelo mandato do PS na autarquia ao longo de 16 longos anos.

A forma tentacular como o PS se apoderou do aparelho social e autárquico, a neutralização da cultura popular e da programação cultural livre e independente, o compadrio, o clientelismo no emprego público, a construção a eito e a delapidação da paisagem urbana e envolvente como instrumentos de financiamento, a vassalagem à cimenteira e aos governos centrais, o desprezo pelas preocupações dos trabalhadores, dos jovens eram apenas algumas das características que marcavam a forma de estar do PS no Concelho de Setúbal. Lembro-me bem da impressão com que fiquei quando participei numa sessão da Assembleia Municipal com outros jovens amigos e quando colocámos a questão da inexistência de política de juventude na cidade, nomeadamente de espaços para as actividades juvenis e associativas. A resposta porca de Mata-Cáceres resume o estilo em poucas palavras e depois de fingir esquecer-se da pergunta e relembrado pelo grupo de jovens, atira: "os jovens querem é copos no fundo da avenida".

Era isto.

Era uma cidade paralisada, prostrada ante os senhores da construção civil e seus experimentalismos, um poder de costas voltadas para os bairros, mas com as garras enfiadas em quase todo o movimento associativo, não para o dinamizar, mas para assegurar a continuidade do marasmo. Um poder de costas voltadas para a maior freguesia da Cidade, São Sebastião. Um poder que ignorava as necessidades das populações, destruía as zonas verdes, impermeabilizava solos, realizava obra pública sem utilidade e inadequada; um poder promíscuo, onde os dirigentes e administradores das grandes empresas que laboram na região tinham assento garantido. Esse polvo, essa sombra, envolveu Setúbal por anos demais. E cobriu 16 anos de história da nossa cidade de vergonha e de passado. E também de infindáveis dívidas, ao Estado e a fornecedores.

Lembro-me de Setúbal ter os mercados todos ao abandono. Lembro-me da Avenida Luísa Todi não ter nada além de palmeiras. Lembro-me não haver casa da cultura, nem café-concerto, nem quartel do onze. Lembro-me de não haver agenda cultural. Lembro-me de uma feira de Santiago quase medieval. Lembro-me de jardins abandonados e mal-cuidados. De uma política desportiva inexistente, que confundia desporto com entretenimento e espectáculo. De um trânsito desordenado e da privatização da água dos setubalenses. Lembro-me da incineradora dedicada com que o PS quis instalar e da co-incineradora que forçou até conseguir impor contra a vontade dos setubalenses e azeitonenses. Lembro um Rossio sem festas do queijo, sem feira de artesanato e velharias. Lembro-me de um parque do Bonfim obscuro onde ninguém queria entrar. Lembro-me de uma Cidade que se lamentava do que era, atada a um processo de desindustrialização dramático, sem orientação, sem planeamento, sem estratégia. Lembro-me de uma Câmara Municipal que estava contra o movimento juvenil, que distribuía como bem lhe convinha o financiamento e o apoio ao movimento associativo popular, em função dos gostos, amigos e jeitos. Lembro-me de uma Câmara Municipal que perseguia trabalhadores pelos compromissos políticos que não lhe fossem convenientes, e os colocava na gaveta da frustração.

E pergunto-me hoje como pode alguém em Setúbal ter a desfaçatez de se apresentar pelo Partido Socialista baseando a sua campanha eleitoral num ataque ao trabalho da gestão da Coligação Democrática Unitária, desde 2001. Pergunto-me e só a total ausência de rectidão, a sabujice, a desmedida fúria anti-comunista me respondem a essa questão.

Só quem não respeita o esforço que milhares e milhares de setubalenses e azeitonenses fizeram nos últimos anos para libertar a Cidade da imagem negra que o PS lhe colara pode atacar estes últimos doze anos de gestão autárquica mais próxima, mais amiga, mais democrática, transparente.

Só quem não conhece a história da nossa cidade pode vir agora dizer que quer "afirmar Setúbal", pois Setúbal hoje afirma-se incontornavelmente no panorama nacional apesar de ter sido quase apagada do mapa do desenvolvimento nos 16 anos de câmara PS.

Só quem não tem qualquer espécie de escrúpulo, pode dizer que quer "Setúbal para todos" quando ao longo de toda a história da sua intervenção criou uma cidade, e mesmo um país, mais desigual, mais injusto, mais pobre, mais elitista. Como pode um candidato do PS dizer que quer "Setúbal para todos" quando todos sabem quanta Cidade nos tiraram para enriquecer os seus amigos? Como podem os responsáveis pela desindustrialização da Cidade vir agora sugerir a industrialização? Como podem os responsáveis pelo desinvestimento na região, na península e na cidade, vir agora dizer que querem criar emprego na várzea? Várzea que só existe ainda porque em boa hora o povo de Setúbal confiou os destinos da Cidade à CDU, pois todos nos lembramos como galopava a construção e a negociata em torno dos terrenos da várzea.

Temos um rio, ali mesmo à nossa mão. Já não é um rio distante.
Temos uma das mais bonitas e organizadas frentes ribeirinhas do país. Temos os jogos do Sado, e desporto para todos, temos festivais de música e canto. Um festival do teatro com apoio municipal. Um ordenamento territorial e de equipamentos que melhora a cada ano que passa. Temos mercados novos e dignos. Arruamentos e ordenamento de trânsito cada vez melhores. Ruas mais bonitas e jardins arrumados e cuidados. Uma cidade limpa, depois de ter sido a mais suja do país. Temos uma dinâmica juvenil e cultural assinalável - apesar de serem necessárias décadas para formar públicos e artistas. Temos serviços autárquicos disponíveis e um conjunto de eleitos, quer nas Câmara, quer na Assembleia e nas Freguesias, que dedica uma parte substantiva do seu mandato a contactar e debater com as populações, com o movimento associativo, com o tecido empresarial. Temos um executivo autárquico que vai à luta, que não capitula perante os interesses privados ou as ordens do Governo, que é a voz de Setúbal junto dos ministros e não a voz dos ministros junto de Setúbal.

Este não é um texto de propaganda, embora reconheça que pode parecer ser. É um texto que me vi obrigado a escrever por revolta, porque não quero - jamais - tornar a ver a sombra e o obscurantismo, as mafias, os interesses, tomarem conta da minha cidade. Porque há coisas que não podemos esquecer. E a minha cidade de hoje merece que não esqueça o que foi ontem.

Apoio a CDU por convicção, porque testemunho o seu bom trabalho. Mas com igual empenho combaterei os que da minha Cidade querem fazer substrato para a sua carreira ou riqueza pessoais.


terça-feira, 16 de julho de 2013

criminoso só se não for poderoso?

O que há de bom na onda inebriada de reacção alérgica ao pensamento, traduzida nas várias fitas trazidas a público por um conjunto de pequeninos filhos da extrema-direita e da direita reaccionária, é a verdade. É que, na fúria disparatada e desorientada com que se manifestaram esses aspirantes a aristocratas dos tempos modernos, acabaram por deixar a verdade ficar nua aos olhos de todos.

Ante a frase que em Abril escrevi no meu facebook, as garras dos meninos - embora com atraso de 3 meses - saltaram cá para fora. 

Escusar-me-ei a justificar a frase, porque me parece evidente o que digo: os direitos são todos resultado de uma convenção - se essa convenção é traída, os direitos claudicam. 

Aproveito apenas para dizer que a frase é um desafio de lógica: "Como esperar de quem não vê respeitados os seus direitos que respeite os dos que o não respeitam ?" Tão somente isso.

Todavia, não posso deixar de dizer que é assim que gosto da direita - sem máscaras e sem falinhas mansas. Vejam como nenhum, mas mesmo nenhum, dos meninos e meninas ultrajados com a "ameaça", dedicou uma só linha a dizer que a "ameaça" era injustificada porque não querem destruir os nossos direitos à saúde, à educação, às reformas, ao trabalho, à habitação. Ou seja, concentram a sua defesa num ataque rasteirinho sem um único argumento que não seja o de se vitimizarem perante o bárbaro deputado comunista ou remetendo ameaças, injúrias e ofensas verbais, sem tentarem sequer dizer, uma vez que seja, que não estão contra esses direitos. Que não os querem destruir.

Atentemos, a uma simples analogia:
"se me deres um estalo, dou-te outro.", nessa oração há uma suposição e uma consequência. Se fosse dito apenas "dou-te um estalo" seria uma manifestação gratuita de violência, sem justificação. No entanto, o "estalo" está condicionado pela existência de um motivo, no caso "primeiro estalo". Ora, quem não quer levar o "estalo" tem apenas que demonstrar que não quer dar o primeiro, ao invés de contestar a legitimidade do segundo.

Ao vociferarem desorientados única e exclusivamente sobre a segunda parte da frase, dão como adquirida e verdadeira a primeira. Na prática, o que estão a dizer: "é verdade que vos queremos tirar todos os direitos, à saúde, à educação, à reforma, à habitação, ao trabalho (e certamente muitos mais) mas jamais aceitaremos que isso justifique qualquer espécie de retaliação." É como um advogado pedir a abolvição de um criminoso, não pela negação dos factos, mas pela indignação perante a sanção.

"O meu cliente roubou, matou, mas não pode ir preso porque é rico."

Mau advogado seria. 

Embora já nada me admire.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

"mais pobre, mais dependente, menos democrático"

O estado a que o país está a chegar é revelador das reais intenções da grande burguesia nacional e internacional. Para os que ainda se deixaram enganar com as declarações de intenções em torno do "memorando de entendimento", para os que acreditaram num "resgate" e num "empréstimo" para salvar o país, a situação actual de quase extinção da democracia e de redução do Estado a instrumento repressor ao serviço do Capital, acompanhada naturalmente pela desagregação das instituições, é ilustração incontornável das mentiras de PS, PSD e CDS.

O descrédito dos partidos, a novela entre PS, PSD, CDS, Cavaco, é um dos resultados da política de saque e de destruição do país enquanto estado soberano. A destruição do aparelho produtivo ao longo dos anos, tal como Álvaro Cunhal referia, conduziria inexoravelmente à degradação do regime democrático e à supressão de direitos sociais e políticos - o momento actual, resultado do pacto de agressão e sua aplicação, é a demonstração clara da tese de Álvaro Cunhal.

Hoje, como em Março de 2011, o país não superará as dificuldades enquanto se mantiver sob o controlo estrangeiro e sob a garra de uma Europa alemã e do FMI. A opção de Cavaco é clara: mudar o que for preciso no governo sem eleições para garantir que o rumo se mantém inalterado.

Dois anos volvidos sobre a ocupação financeira e a captura da democracia, a fantasia e paranóia comunista ganha o respaldo concreto da realidade: o país está mais pobre, mais dependente, menos democrático.

É que a questão fundamental permanece um enigma para muitos. Mas é nosso dever dissipar as dúvida - o "interesse nacional" é uma ilusão na boca dos partidos burgueses. Aqui há dois interesses em claro confronto: o dos trabalhadores e o dos banqueiros e parasitas que vivem à custa do trabalho dos primeiros. Qual desses é o "interesse nacional"?

quinta-feira, 4 de julho de 2013

da dissimulação

Paulo Portas afirmou algo como "bla bla bla irrevogável" e "bla bla bla continuar no Governo seria um acto de dissimulação".

Sobre o "irrevogável", nada a dizer. Sabemos bem o que vale a palavra de um homem como Paulo Portas, não por suspeição, mas por mera observação do seu comportamento ao longo do tempo. A sua palavra vale absolutamente nada e, por isso mesmo, a irrevogabilidade do que afirma hoje com veemência é tão densa quanto éter.

Mas com o "continuar no Governo seria um acto de dissimulação" já confesso ter sido surpreendido. É que não é habitual ouvir Paulo Portas falar verdade. E sabemos agora que Paulo Portas, se ficar no Governo, estará em permanente exercício de dissimulação e engano, mas que só estava disponível para fazer esse exercício com mais responsabilidades no Governo de traição nacional.

Ou seja, como Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não estava disponível para passar pelo calvário da dissimulação em que é já mestre. Mas como vice-primeiro-ministro e com a pasta da economia, garantindo a sua ascensão rumo ao posto de chanceler que o seduz desde tenra idade, já tem recompensa que chegue e que justifique a trituração dos tais evocados princípios.

A birra do menino ou a ascensão da extrema-direita parlamentar?