quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Uma sarjeta para Daniel Oliveira

Daniel Oliveira, no seu blog e provavelmente em mais uns quantos palcos, constrói uma narrativa sobre Álvaro Cunhal e o PCP das mais sobranceiras e preconceituosas que ultimamente tive oportunidade de ler. É, no entanto, verdade que habitualmente não dedico horas a buscar leituras de tão rasteiro nível e muito menos horas dedico a lê-las.

Daniel Oliveira escreve o seu preconceito, não esconde o seu ódio, e ao mesmo tempo, usa o texto para atacar especialmente o PCP de hoje, não deixando de ofender Álvaro Cunhal apesar de mais disfarçadamente. Daniel Oliveira não escreve este texto para os arruaceiros, para os fascistas e pró-fascistas, nem mesmo para os reaccionários por embrutecimento. Daniel Oliveira escreve este texto para a intelectualidade urbana, para os que respeitam a grandeza de Cunhal, apesar de terem sobre a personagem e o seu partido as mais variadas dúvidas, resultantes, em grande parte, por desconhecimento ou por permeabilidade à cultura dominante da comunicação social que tanto acarinha Daniel Oliveira.

Na verdade, partindo da realização do Congresso comemorativo do Centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, DO avança para a ofensiva dirigindo a sua crítica para a ausência de pensamento no interior do Partido Comunista Português. Segundo DO, o PCP estaria exaurido de pensadores, sem capacidade de criação de novas teses que desenvolvam criativamente o marxismo-leninismo. Não só DO demonstra um extraordinário domínio da vida interna do PCP, dos seus quadros e discussões, como manifesta uma quase chocante sobranceria. DO considera portanto que as fileiras do PCP não têm hoje pensadores, não têm quadros capazes de interpretar o mundo, de sobre ele agir revolucionariamente. Com isso, aproveita para consolidar a ideia de que a criatividade intelectual é dom próprio de uma camada social, por oposição à natureza colectiva da criatividade, independentemente das classes sociais que componham o colectivo. Álvaro Cunhal foi uma expressão de um colectivo, de um colectivo que enriqueceu e no qual se enriqueceu.

Além disso, DO demonstra um enviesamento ideológico, talvez por ter lido mal quem gaba no texto, sobre a hegemonia. Mas mais grave, sobre o marxismo de que se cobre para ter alguma, ainda que fingida, autoridade. A hegemonia ideológica, que DO afirma não existir porque o PCP não consegue construir, é resultado das relações sociais existentes e só a transformação das relações sociais pode gerar a alteração na hegemonia ideológica e cultural. O inverso é igualmente verdade, o que faz com que o processo seja, o que estou certo é incompreensível para o tão aclamado pensador, integralmente dialéctico. Mas certo é que, por mais pensadores de craveira, por mais ideólogos de topo que um partido comunista tenha nas suas fileiras, a hegemonia ideológica só é passível de materialização no decurso da alteração das relações de produção. Não sei se Gramsci compreendeu isso, mas DO não compreendeu com certeza. ~

DO desenvolve o seu miserável texto com o fito no apoucamento da personagem, assim apoucando o colectivo que a celebra, mas fá-lo com manifesta falta de conhecimento e até de coerência. É preciso ser um grande mestre para ser incoerente no universo de um só texto, mas DO consegue-o. Sobre a falta de conhecimento, importa relembrar que Álvaro Cunhal não desrespeitou as regras partidárias no combate político que se travou no seguimento de 1992. No entanto, recordo bem muitos dos que mais tarde viriam a marchar com DO, a flagrantemente desrepeitar regras fundamentais do centralismo democrático.

Mas veja-se bem a incoerência do autor, quando ridiculariza o facto de haver no PCP quem escreva que o percurso (bem como as publicações) de Carlos Brito é manifestação de oportunismo, afirmando que tal consideração é subjectiva. O mesmo autor que adiante no texto diz que Álvaro Cunhal não era humilde e que aliás, criava à sua volta um mistério como forma de se afirmar e não de combater o culto da personalidade. De considerações subjectivas, poderíamos estar conversados, não fosse DO fingir conhecer mais Álvaro Cunhal que conhecem os comunistas Carlos Brito.

Esta tentativa de embrutecimento da imagem do militante comunista, de equiparação entre "operariado" e "iletrado" ou "inculto", esta campanha de associação da imagem de um colectivo inteiro a um grupo de trogloditas, corresponde a uma mais vasta ofensiva política e ideológica que não só não é nova como era já a mais ordinária das armas nos tempos daqueles que hoje DO releva como grandes pensadores do marxismo, e contra muitos deles. Estou certo de que, vivera DO nos tempos de Lenine e estaria do lado daqueles que no partido bolchevique mais não viam que um grupo de embrutecidos operários ou dirigentes funcionalizados e manipulados.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Um orçamento, um assalto.


A economia é o substrato do desenvolvimento social, cultural e político. Só o desenvolvimento económico pode constituir a base para a concretização das conquistas de Abril. A proposta de Orçamento do Estado para 2014, apresentada pelo Governo PSD/CDS, é, além de um descarado e flagrante assalto aos trabalhadores, reformados, e pensionistas, um passo mais na reconstituição de privilégios para grandes grupos económicos e monopólios e no enfraquecimento da já débil democracia portuguesa.

Um orçamento de classe.

A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2014 é uma síntese do programa de retrocesso social que o grande capital e o seu governo pretendem aplicar em Portugal a pretexto da crise, do défice e da dívida. Traduz uma opção política de classe que afronta agressivamente os direitos sociais, culturais e económicos do povo e dos trabalhadores, corroendo igualmente a própria natureza do regime democrático. A execução do pacto de agressão assinado pela troika doméstica (PS, PSD e CDS) e pela estrangeira (FMI, BCE, UE) resulta numa profunda desfiguração do Estado resultante de Abril, num desvio organizado e protagonizado pelos próprios órgãos de soberania que reafecta a despesa pública, diminuindo a que é dirigida para assegurar direitos e protecção social e aumentando a que é dirigida para pagar os juros das dívidas contraídas junto da banca e para os encargos com as chamadas “parcerias público-privadas” (PPP), abdicando de receita através de benefícios fiscais a coberto das políticas de direita nos últimos trinta e oito anos.

É aliás por essa natureza de classe que podemos começar por caracterizar o Orçamento do Estado para 2014: ao mesmo tempo que subtrai 4 mil milhões de euros à economia através de medidas de austeridade, a despesa com juros da dívida cresce 135 milhões e ascende já a 7 239 milhões de euros e a despesa com encargos resultantes das PPP sobe 776 milhões de euros, chegando aos 1 645 milhões de euros. Isso significa que o Governo PSD/CDS renegoceia os direitos, a vida dos portugueses, o texto fundador da República, ao invés de os salvaguardar renegociando os termos, juros, prazos e montantes da dívida.

São 2 211 milhões de euros em cortes salariais e nas pensões da Administração Pública, 300 milhões de corte directo no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, num total de 784 milhões subtraídos ao Ministério da Saúde, são 425 milhões de euros retirados ao Orçamento do Ensino Básico e Secundário e mais de 10 milhões ao orçamento da Cultura. Ilustrativos do pendor de classe do orçamento são também os objectivos de reduzir em 13,5 milhões de euros a despesa com abono de família, em 6,7 milhões de euros os apoios a idosos e em 10 milhões as despesas com o rendimento social de inserção. Ao mesmo tempo, o Governo assegura através deste Orçamento a crescente garantia de emissão de dívida por parte da banca, disponibilizando 24 670 milhões de euros para essas garantias (mais 550 milhões de euros que em 2013), sendo que neste momento o stock da dívida garantida pelo Estado à banca é já de 14 475 milhões de euros.

O pior Orçamento do Estado na história da democracia exige, do total do esforço imposto aos portugueses, uma participação da banca e das grandes empresas do sector energético que não chega a 4%, através da cobrança prevista de taxas adicionais. Enquanto aos trabalhadores será esbulhada uma significativa parte dos seus rendimentos, ao grande capital financeiros e aos monopólio serão exigidas participações insignificantes, ou mesmo inexistentes, na medida em que a banca obtém, por via deste orçamento, mais negócio e mais lucros e que os grandes grupos da energia tudo farão para repercutir no utilizador final o custo das taxas adicionais.

Este é um orçamento de agravamento do roubo, de assalto à democracia e de sequestro de direitos fundamentais.

Um orçamento de mentiras.

O contexto macroeconómico que previsto no Orçamento do Estado é fantasioso e os seus objectivos são anúncios de propaganda.

O Governo pretende alimentar a ilusão de que este Orçamento representa um esforço final, de que estamos perante um momento de inversão da tendência e fantasia sobre o crescimento económico, baseado em indicadores frágeis e instáveis, ou mesmo na manipulação e na mentira. O mesmo Governo que, desde a assinatura do pacto de agressão, é responsável por cortes de mais de 20 mil milhões de euros no financiamento do Estado e das suas funções sociais, anuncia agora que prevê o aumento da procura interna (0,1%) e o crescimento do PIB (0,8%) no mesmo momento em que intensifica a ofensiva anti-democrática, os roubos sobre os salários e pensões, o ataque à Escola Pública de Abril, ao Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais e ao valor do trabalho, também no sector privado, principalmente por via do alastramento do desemprego e dos cortes nos subsídios. A continuada e brutal carga fiscal em impostos indirectos a juntar à persistente desvalorização do trabalho não podem fazer crer, como pretende o Governo, que o investimento aumente e a economia cresça.

Da mesma forma, não podemos aceitar que sejam reduzidos o défice e a dívida pela via dos sucessivos e crescentes cortes, pela sucessiva desvalorização do trabalho, pelo empobrecimento de quem trabalha e de quem trabalhou e pela destruição das funções sociais do Estado. Os números mostram, todavia, que nem o défice nem a dívida estão sob controlo e que tanto um quanto outro ficarão certamente acima das previsões do Governo. Os objectivos anunciados de contenção do défice e da dívida são afinal de contas apenas o pretexto para a gigantesca ofensiva contra as conquistas da Revolução e contra o conteúdo da Constituição da República Portuguesa. Além disso, é justo afirmar que, qualquer diminuição do défice, eventual diminuição da dívida em percentagem do PIB ou mesmo um qualquer crescimento económico que se possa verificar no futuro terão sido conseguidos à custa da supressão de direitos, de degradação das condições de vida dos trabalhadores e das populações, de destruição e privatização de serviços. Esse é o caminho que leva ao afundamento nacional e que, mesmo perante ténues variações positivas dos indicadores económicos, não coloca o país numa rota de crescimento e de recuperação da soberania, antes o torna mais pobre, mais dependente e menos democrático.

Um plano estruturado de redistribuição de rendimentos a favor do Grande Capital

Em 1973, o último ano da ditadura fascista em Portugal, 49,2% do rendimento nacional era distribuído sob a forma de remuneração de trabalho. Em 1974, essa componente assume 54,6% do total do rendimento e em 1975 atinge o valor de 64,7%. Em 1976 o valor da parcela de remunerações do trabalho começa a decrescer sensivelmente e a política de direita, protagonizada por PS, PSD e CDS, ao longo das últimas décadas veio recolocar a distribuição de rendimentos ao nível daquela que Portugal conhecia nos tempos da ditadura dos monopólios. Em 2012, apenas 48% do rendimento nacional foi distribuído sob a forma de salários e contribuições para a segurança social. Essa trajectória é programática e conta com o contributo determinante dos partidos que aplicam servilmente a receita da União Europeia e do Grande Capital nacional e transnacional – PS, PSD e CDS.

O Orçamento do Estado para 2014, depois de o de 2013 ter introduzido um aumento de 30% nos impostos sobre o trabalho, prevê um aumento da receita fiscal resultante de impostos directos sobre o trabalho (IRS) de 3,5%. Isto resulta num evidente agravamento das assimetrias, com o Estado a assumir responsabilidades directas: do total da receita fiscal obtida por impostos directos, 75% é conseguido por via de impostos sobre o trabalho e apenas 25% são obtidos por impostos sobre o capital. No entanto, os trabalhadores detém apenas 48% da riqueza nacional e o Capital apropria-se de uma cada vez maior fatia da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, o Governo, aposta na reconstituição de privilégios e de consolidação de novos e velhos monopólios, quer através das PPP, quer das privatizações, quer da liquidação da pequena e média actividade empresarial.

Recusar o pagamento da dívida ilegítima.

Ao longo dos anos, particularmente desde a entrada na CEE e a na União, Portugal recebeu fundos para reduzir o contributo industrial e agrícola para a riqueza nacional. Ou seja, Portugal recebeu dinheiro e orientações políticas para se endividar. Tais orientações foram seguidas pelos partidos do arco da mentira e da bancarrota e submeteram o país à dependência económica, financeira e política que hoje assume a forma do controlo político por via do pacto de agressão.

Na chamada dívida existirão as parcelas correspondentes aos desmandos e aventuras dos banqueiros, aos seus crimes, as parcelas correspondentes ao desmantelamento da indústria, da agricultura, das pescas, da produção nacional – para as que há muito o PCP alerta – as parcelas de autêntico e permanente perdão fiscal aos grandes grupos económicos. Só eliminando as componentes política e socialmente ilegítimas da dívida, que podem representar uma importante parte do total assumido pelo Governo e pela troika, só renegociando os termos, os prazos, montantes e juros, da dívida poderá o país assegurar um rumo de crescimento que assegure a própria sustentabilidade da dívida, mas acima de tudo, o respeito pelos direitos de Abril. PS, PSD e CDS subordinam o país ao objectivo sagrado de “regressar aos mercados”, quando na verdade devemos preparar o país para depender cada vez menos desses “mercados” que é como quem diz, depender menos do grande capital, da agiotagem e do controlo político externo.

Só com os valores de Abril, Portugal terá futuro.

Que não restem dúvidas sobre a urgência de derrotar este governo e a sua política. Essa luta tem neste momento um elemento central: a luta pela rejeição dos efeitos e consequências do pacto de agressão e, nomeadamente, contra o Orçamento do Estado para 2014.

Travar essa luta representa mais um passo no caminho para a ruptura com a política de direita, não para uma alteração de protagonistas, mas para a construção de uma real alternativa política, patriótica e de esquerda, capaz de resgatar a soberania nacional, reconstruir as conquistas de Abril e aprofundar a democracia. A ampliação da frente social de luta, a participação popular e dos trabalhadores na definição dos objectivos políticos e na batalha para os alcançar, a consciencialização das massas e a intensificação da luta, a par do reforço do PCP são além de necessários, determinantes para inverter o rumo de destruição nacional e afirmar os valores de Abril no futuro de Portugal.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A luta faz a ponte, Todos a Alcântara!

Sendo o Sol o jornal que é e estando ao serviço de quem está, pouco posso acrescentar ao que a Lúcia Gomes disse aqui, mas clarifico, não o Jornal mas os que possam ter acreditado no que ali se escreve:

1. A marcha da CGTP, por força da imposição ilegítima e anti-democrática do Governo PSD/CDS, vai  mesmo atravessar a ponte, sem ceder no trajecto ou nos objectivos políticos traçados. Será uma grandiosa jornada de luta a que se junta a travessia da ponte do infante, no porto. Contra a exploração e o empobrecimento, por uma política de esquerda e soberana, a política que se exige contra a ocupação estrangeira e a capitulação dos partidos da troika nacional (PS, PSD e CDS).

2. A frustração que posso ter é com o resultado das imposições do Governo, ao não permitir a travessia da ponte 25 de Abril a pé. Se alguém indicou o meu nome, e estou convencido que o da Lúcia Gomes, como frustrados com a posição - ajustada à conjuntura, diga-se - da CGTP tê-lo-á feito com objectivos que certamente confluem com os do jornal que o divulga. O incómodo será do jornal e das fontes infectadas que usa sem confirmar ao verificar que eu, "desalinhado", propus alinhar todos quantos queiram participar nesta marcha de moto, com a marcha motard integrando a manifestação da CGTP.

3. Reafirmo: compreendendo a desilusão, as dúvidas e as incertezas de alguns, dúvidas a que ninguém deve ser alheio porque são mais saudáveis que certezas absolutas, o mais importante neste momento não é a cristalização em função da forma, mas a preservaçao e valorização a todo o custo do conteúdo político e dos objectivos da luta contra a política de destruição e afundamento nacional que PS, PSD e CDS impõem ao país. Por isso, atravessemos as pontes!

A luta faz a ponte, Todos a Alcântara!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

a lei? quero lá saber.

Com que cobertura legal pode um ministro ou um governo basear as decisões sobre uma manifestação em pareceres? Ora, a lei em vigor apenas preconiza a limitação do direito de manifestação, por motivos de segurança, nos 100m em redor de um órgão de soberania, de acampamento ou instalações militares, de um estabelecimento prisional, das representações diplomáticas, de um edifício consular ou das sedes de partidos.

Independentemente do que possa cada um entender sobre a marcha nas pontes, nomeadamente sobre a ponte 25 de Abril, o certo é que o governo não tem um único argumento legal para proceder a uma espécie de proibição.

Ou seja, o que está em causa não é se gostamos ou não da CGTP, se achamos que é sensato ou não, atravessar a pé uma ponte que parece só ser estável se for atravessada a correr; não está em causa a opinião de cada um sobre a justeza da manifestação. Está em causa a liberdade.

O Decreto-Lei nº 406/74 não prevê, em nenhum artigo, a possibilidade de negar o direito de manifestação, por motivos de segurança, mediante parecer das forças de segurança ou dos concessionários do espaço público. Como tal, o veto em causa, político certamente, é completamente ilegal - mas igualmente seria ilegal se fosse verdadeiramente técnico.

Que quer o Governo? Pedir pareceres às forças de segurança para todas as manifestações e depois usá-los para as impedir?

Ou começar a condicionar o trajecto das manifestações?

Pretenderá o Governo começar a dizer que trajecto percorrem as manifestações?

Porventura até fixar que palavras de ordem se usam nas manifestações? 

Com tudo isto, o Governo orquestra uma verdadeira campanha de desmobilização, recorrendo ao terrorismo, à chantagem, ao alarmismo. Mesmo que os tribunais decidam pela ilegalidade da decisão do Governo, o medo impõe-lhes que façam tudo para desmobilizar aqueles que querem participar.

O Governo teme cair.

Nós não temeremos os setenta metros de altura da ponte. Nem temos medo de cair.