sábado, 30 de janeiro de 2010

mero registo

O céu porta nuvens esplêndidas algo pesadas, sob o azul límpido que já lhe conhecemos nestas manhãs de inverno. Da cadeira da esplanada onde me sento, observo bocage de um ângulo baixo contra o cú, pronunciando o recorte da escultura alta. À minha esquerda, a Igreja de S. Sebastião, das mais antigas da zona velha da cidade, interpõe-se-me no caminho para o rio e projecta a sombra poderosa na esplanada onde me sento.

É sábado.

Podia estar um dia de silêncio daqueles em que se ouvem até as asas dos pombos bater quando voam em rodopio circular sobre a praça redonda. Mas não. Não decidiram os peruanos, ou semelhantes homens trajados de índio com fatos de carnaval que mesmo no centro da praça, aos pés da estátua, lançam no ar uns curiosos sons de flauta rouca em ritmos e melodias tão tradicionalmente indígenas como eu próprio ou como os membros dos beatles que as escreveram.

É sábado.

Podia estar descansado. Mas não. Estou sentado numa esplanada em plena baixa de setúbal a fazer as contas do Orçamento do Estado de 2010, enquanto uns homens vestidos de índios norte-americanos se identificam como peruanos e tocam beatles com "panpipes".

A realidade ultrapassa sempre a ficção.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

a responsabilidade

Já repararam que, na linguagem corrente nas bocas dos governantes e nas penas dos fazedores de opinião, "ser responsável" começa a ser sinónimo de "ser de direita"?

Por esta altura, de discussão do Orçamento do Estado para o ano de 2010, essa forma de caracterizar as posições tem vindo muito ao de cima.

Ou seja, ser responsável passa a ser:

defender os lucros das corporações,
o aumento da electricidade,
o desemprego,
o fim dos serviços públicos,
o aumento de impostos para quem trabalha,
as benesses para os grandes grupos económicos,
a impunidade de quem não respeita os trabalhadores,
a isenção de taxação das mais-valias bolsistas,
promover a especulação financeira e imobiliária,
a exclusão social,
a privatização do ensino,
a privatização da água,
das estradas,
dos hospitais,
dos aeroportos,
das zonas portuárias,
punir os pensionistas e idosos,
os reformados,
os pescadores,
os operários,
as mulheres,
os jovens,
os filhos das classes trabalhadoras,
o pequeno e médio agricultor ou empresário.

enquanto irresponsável é quem defende precisamento o oposto. Se não fosse tão sério, seria ridículo o raciocínio. E no entanto, contém verdades. Esses senhores, lacaios do capital são na verdade responsáveis, responsáveis por:

o empobrecimento dos portugueses,
a degradação da condição dos jovens, mulheres e trabalhadores em geral,
a solidão e miséria dos reformados e idosos,
a destruição do aparelho produtivo,
a pobreza,
o atraso,
a guerra pelo mundo fora
e tudo o mais que nos prende ao retrocesso civilizacional a que assistimos, enquanto lutamos.

E é bom que não esqueçamos os "responsáveis".