sexta-feira, 8 de maio de 2009

Gratuitidade vs Acção Social Escolar

O PCP propôs a isenção de propinas para evitar o abandono escolar no Ensino Superior. Essa isenção é, segundo essa proposta do PCP, atribuída a quem esteja em situação de desemprego ou quem tenha os pais no desemprego se ainda deles depender. Também se consagra a possibilidade de que quem ganha menos mensalmente que o valor mínimo das propinas (1,3 salários mínimos nacionais) possa requerer a isenção do pagamento das propinas.

Não escrevo este "post" apenas para anunciar a medida proposta pelo PCP e rejeitada pelo PS. Embora isso bem mereça divulgação, particularmente depois de alguns canais de tv e rádio terem atribuído ao BE a paternidade de tal proposta, quando esse agrupamento político mais não fez senão copiar à cara podre a proposta dos comunistas.

Escrevo para aprofundar um pouco a discussão sobre propinas e Ensino Superior Público.

A Constituição da República Portuguesa estabelece claramente a gratuitidade progressiva de todos os graus de Ensino. Ao contrário do que o sabujo Vital Moreira tem vindo a espalhar por aí, o objectivo desse comando não é o de assegurar um sistema de acção social que permita a gratuitidade para os miseráveis. É aliás, por isso mesmo, que a Constituição da República estabelece a gratuitidade e não apenas um sistema de acção social escolar.

Na verdade, uma ponderação serena e séria, mesmo que desligado de emoções e romantismos, nos leva com relativa facilidade a deduzir que a única forma de assegurar a mínima igualdade no acesso e frequência ao Ensino Superior Público é a sua total gratuitidade. Dirão: "mas então vamos todos pagar o ensino superior dos meninos ricos?"

É a pergunta comum dos arruaceiros anti-estudantis e anti-democratas. Há várias abordagens para a resposta a essa pergunta e todas elas apontam no mesmo caminho:

a) se alguém entende que só os filhos dos ricos, só os meninos ricos, estudam no ensino superior, é caso para perguntar porque é que isso sucede. isso significa que são necessárias medidas urgentes para por fim a essa triagem social e não para a agravar.

b) se alguém acha que não devemos suportar os custos do ensino superior porque lá não tem os filhos, é caso para lhe responder que não terá então direito a usufruir dos efeitos do desenvolvimento económico e tecnológico nacional que a formação de quadros superiores traz ao país e que não terá direito a usufruir dos benefícios de protecção social criados também pelos descontos desses quadros superiores, também eles supostamente superiores aos descontos de muitos dos menos qualificados.

c) se alguém pensa que o facto de os ricos pagarem propinas os iliba de contribuirem nos impostos, então por que motivo não notámos nenhum decréscimo nos impostos desde a cobrança de propinas? basta verificar que desde então o que sucedeu não foi nem a diminuição das contribuições fiscais, nem a afectação dessas contribuições a outros serviços públicos que não o Ensino. Na verdade, os impostos permanecem no mesmo patamar ou superior, e os serviços públicos no geral sofrem degradação da qualidade, são privatizados ou encerram. Isso significa que a opção política tem sido a de limitar de tal forma o investimento público e a despesa, a bem do tal défice, que estamos rapidamente a caminhar para um Estado desfigurado ou inexistente. O Estado é cada vez mais apenas um mediador de negócios.

Então e a Acção Social Escolar não é o mecanismo de garantia da gratuitidade como diz Vital Moreira e tantos outros?

Encaminharmos a nossa análise por esta viela estreita de pensamento é fazer tábua rasa da própria Constituição da República Portuguesa e dos princípios basilares de justiça social que ela contém. Na verdade, quando a CRP obriga o Estado a assegurar a gratuitidade e simultaneamente um mecanismo de acção social, é exactamente porque uma coisa não é a mesma que a outra. A gratuitidade implica que a justiça social seja feita através de um sistema fiscal que é diferenciado em função dos rendimentos exactamente para que todos os serviços públicos possam estar igualmente ao serviço de todos. A gratuitidade implica portanto que cada um paga pelo Ensino Superior o que pode, fazendo esse pagamento através dos impostos.

No entanto, a existência de um Sistema de Acção Social Escolar não se relaciona com a gratuitidade por isso mesmo. Porque a gratuitidade é um comando democrático independente da condição social do estudante e da sua família. A acção social escolar é um elemento de homogeneização da condição de estudo e de frequência do ensino, assegurando que todos dispõem, dentro do possível, de condições semelhantes para progredirem em estudos iguais. Ou seja, a acção social é um mecanismo de equilíbrio para que os estudantes das camadas mais desfavorecidas tenham exactamente as mesmas possibilidades de sucesso escolar que os estudantes das camadas mais ricas da população. Ou pelo menos, para que essas condições se aproximem. É justo que os estudantes mais empobrecidos tenham de trabalhar, buscar sobrevivência, mendigar livros, procurar apoio de colegas e comida nos bancos alimentares, enquanto os outros dispõem de tudo, explicações, alojamento próprio, transporte próprio, etc.? Será que é assim que se promove a qualidade da formação superior e que se combate a desigualdade e galopante assimetria entre as classes?

Ao contrário do que dizem os guardiões da política neo-liberal, o Partido Socialista, o PSD e seus acólitos, a gratuitidade do Ensino Superior Público não é uma esmola que se dá aos miseráveis, é um direito de todos.

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