quarta-feira, 6 de maio de 2009

Necessidades reais e necessidades induzidas

A direita no poder, quer pela máscara de Partido Socialista ou Partido Social-Democrata, com ou sem a ajuda do CDS, tem tido uma impressionante capacidade de efectuar assinaláveis campanhas de diversão política e social. Estou certo de que essa capacidade não lhes atribui mérito exclusivo, que isto é coisa dos seus congéneres um pouco por todo o mundo. O capital, o sistema capitalista não vive de olhos fechados, bem pelo contrário, e está permanentemente atento às necessidades de se adaptar às condições em que se impõe e se sustenta.

A degradação da qualidade de vida das populações e a desenfreada exploração do trabalho conduzem a situações de permanente crise social, que só uma vez por outr se traduzem em crises económicas como a que agora atravessamos. No entanto produzem um descontentamento constante entre os trabalhadores, que urge mascarar ou iludir. Parece-me, no seguimento de algumas reflexões que tenho feito, que o sistema (PS/PSD o corporizam) português está a ficar cada vez mais hábil na manipulação das consciências, com a ajuda sempre pronta e disponível dos restantes partidos da burguesia, donde obviamente não se excluem BE e CDS.

Ora, perante uma situação de deterioração das condições de vida tão flagrante como a que vivemos, em que as lutas de protesto e de ruptura crescem diariamente na intensidade com que expressam a força popular, numa situação de instabilidade tal que os trabalhadores portugueses são confrontados com a possibilidade de a qualquer momento perderem os seus postos de trabalho, como já se passa com cerca de 500.000 portugueses, o acessório tende a substituir o essencial no mundo da política. As necessidades reais do país dão lugar às necessidades induzidas.

Há inúmeros exemplos disso e nem sequer usarei agora as necessidades induzidas de comentar à exaustão agressões inexistentes para desviar as atenções do essencial: a maior manifestação de trabalhadores no 1º de Maio dos últimos anos, muito embora vontade não me falte de aqui acusar os verdadeiros sabujos que se apressaram a agigantar tão tristes acontecimentos para silenciar a verdadeira dimensão da luta dos trabalhadores portugueses. O bom senso, porém, de que não sou particular portador, conduz-me a uma questão bem mais importante e bem mais ilustrativa:

i. O sistema capitalista, na detecção que faz diariamente dos seus próprios problemas, assume como prioridade constante a sua capacidade de regeneração e de equilíbrio. A balança treme muitas vezes, mas o sistema bem montado com a ajuda preciosa dos governos de todo o mundo lá vai aguentando o desequilíbrio.

ii. As necessidades reais da população são essencialmente materiais, pois relacionam-se directamente com a retribuição do trabalho e a distribuição da riqueza. São essas necessidades que moldam as necessidades imateriais, sendo que é óbvia a relação entre disponibilidade financeira e acesso ao lazer, à cultura, à arte, ao tempo livre, e a tantos outros elementos imateriais do bem-estar.

iii. As necessidades reais do país estão, portanto, encaixadas na esfera política, principalmente económica, que determina o modelo de produção e distribuição da produção e da riqueza. A política de concentração da riqueza e de extorsão e exploração do trabalho conduz inexoravelmente ao empobrecimento dos trabalhadores. E essa política determina em grande parte a dinamização do aparelho produtivo nacional (agrícola, industrial, imaterial) e do consumo interno ou ausência dela. As necessidades obectivas, reais, do país prendem-se pois, essencialmente com o cariz político e o rumo que tem orientado os sucessivos governos na sua senda de desmantelamento do Estado e de submissão aos grandes interesses económicos.

iv. As necessidades reais do país são aquelas cuja resolução reside então na melhoria das condições de vida dos portugueses, no aumento dos salários e das pensões e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais contidos na Constituição da República Portuguesa. As necessidades reais dos jovens são a habitação, a educação, o emprego com direitos, os salários, as bolsas de estudo, a mobilidade, o direito ao desporto e à cultura.

v. Como forma de induzir necessidades, o capitalismo criou o consumismo supérfluo e é perito nas criações do género. As necessidades induzidas, porém, não param de ser inventadas. Ora é o PS, ora PSD, constantemente, com a ajuda da comunicação social, trazem de forma planificada para a atenção pública as mais estapafúrdias das ilusões. ---- Ele vai de introduzir quotas para mulheres na política, de limitar mandatos, de acusar os partidos de tudo e mais alguma coisa assim metendo todos no mesmo saco, de apelar a alterações ao regime democrático e representativo. Nesta última me centrarei.

v. a) ora perante tal descrédito e desconfiança perante o sistema político, importa cada vez com mais intensidade iludir as verdadeiras causas desse comportamento popular. Acima de tudo importa assegurar a imutabilidade da natureza exploradora do sistema capitalista que domina o país e determina o seu rumo, de forma super-estrutural. Assim, perante a possibilidade de descontentamento político, o capital apressa-se e antecipa-se apontando a necessidade de revisão do modelo de representatividade parlamentar do país. Assim se ilude uma necessidade concreta.

v. b) ao invés de permitir que a população se aperceba que a questão central está na política levada a cabo pelos diferentes partidos e seus eleitos, ilude o país com a ideia abstracta de remodelação do modelo parlamentar para um que assente em eleições por círculos uninominais, prometendo uma maior aproximação entre os eleitos e os eleitores. Ora é caso para perguntar, o que impede os 230 deputados eleitos actualmente de se ligarem aos eleitores. Na verdade, todas as semanas, se vêem os deputados do PCP e do PEV nos mais variados locais em contacto com as populações e com os trabalhadores, mas são só 13. Onde estão os 121 do PS e os 70 e tal do PSD? Que os impede de irem ao contacto com as populações já que estão tão empenhados nisso?

v. c) Assim, se criou uma necessidade induzida. Por todo o lado se comenta que o que está mal é a forma de eleger os deputados e que é preciso alterar a forma de eleição. Por todo o lado se questiona a própria forma da Assembleia da República (e eu faço-o ainda mais numa perspectiva diferente - como bem se pode ler nos posts sobre parlamentarismo neste blog) sem que nunca se permita que se questione a sua composição. Esta necessidade de alteração do regime democrático é uma necessidade induzida - a hegemonia cultural e a comunicação social dominante assim vão disseminando pela voz dos funcionários do regime e oradores da opinião-feita.

v. d) Perante a necessidade real e objectiva de alterar a composição da Assembleia, condicionando o poder e alterando o rumo político do país, induz-se para diversão colectiva de que é preciso é mudar a forma como se elegem os deputados, mesmo que para lá vão exactamente os mesmo fazer precisamente os mesmos. Como já dizia o outro: "é preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma".

3 comentários:

Helena Neves disse...

como sempre: brilhante análise.
E o capital tem apurado as diversas formas de criar falsas necessidades. Veja-se o fenómeno da proliferaçao de telemóveis, inclusive nas maos de quem nao tem dinheiro para comer. Facilmente manipulaveis, as pessoas, embora só parcialmente culpadas, por elegerem governos que servem o capital.
Um beijo

o castendo disse...

“Se vogliamo che tutto rimanga com’è, bisogna che tutto cambi”,
como diria o outro no original

http://ocastendo.blogs.sapo.pt/487608.html

filipe disse...

No caso concreto, não será propriamente para que tudo fique na mesma mas sim que fique muito pior, com a mais completa perversão de uma das mais elementares regras do voto democrático, a da proporcionalidade entre o n° de votos e o n° correspondente de eleitos.
E, como noutros países onde já aplicaram a marosca, eles têm-na já engatilhada e só não a consumaram já para preservarem os seus dois amiguinhos - CDS e BE.
Abraço.