A economia é o substrato do desenvolvimento social, cultural
e político. Só o desenvolvimento económico pode constituir a base para a
concretização das conquistas de Abril. A proposta de Orçamento do Estado para
2014, apresentada pelo Governo PSD/CDS, é, além de um descarado e flagrante
assalto aos trabalhadores, reformados, e pensionistas, um passo mais na
reconstituição de privilégios para grandes grupos económicos e monopólios e no
enfraquecimento da já débil democracia portuguesa.
Um orçamento de classe.
A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2014 é uma
síntese do programa de retrocesso social que o grande capital e o seu governo
pretendem aplicar em Portugal a pretexto da crise, do défice e da dívida.
Traduz uma opção política de classe que afronta agressivamente os direitos
sociais, culturais e económicos do povo e dos trabalhadores, corroendo
igualmente a própria natureza do regime democrático. A execução do pacto de
agressão assinado pela troika
doméstica (PS, PSD e CDS) e pela estrangeira (FMI, BCE, UE) resulta numa
profunda desfiguração do Estado resultante de Abril, num desvio organizado e
protagonizado pelos próprios órgãos de soberania que reafecta a despesa
pública, diminuindo a que é dirigida para assegurar direitos e protecção social
e aumentando a que é dirigida para pagar os juros das dívidas contraídas junto
da banca e para os encargos com as chamadas “parcerias público-privadas” (PPP),
abdicando de receita através de benefícios fiscais a coberto das políticas de
direita nos últimos trinta e oito anos.
É aliás por essa natureza de classe que podemos começar por
caracterizar o Orçamento do Estado para 2014: ao mesmo tempo que subtrai 4 mil
milhões de euros à economia através de medidas de austeridade, a despesa com
juros da dívida cresce 135 milhões e ascende já a 7 239 milhões de euros e a
despesa com encargos resultantes das PPP sobe 776 milhões de euros, chegando
aos 1 645 milhões de euros. Isso significa que o Governo PSD/CDS renegoceia os
direitos, a vida dos portugueses, o texto fundador da República, ao invés de os
salvaguardar renegociando os termos, juros, prazos e montantes da dívida.
São 2 211 milhões de euros em cortes salariais e nas pensões
da Administração Pública, 300 milhões de corte directo no funcionamento do
Serviço Nacional de Saúde, num total de 784 milhões subtraídos ao Ministério da
Saúde, são 425 milhões de euros retirados ao Orçamento do Ensino Básico e
Secundário e mais de 10 milhões ao orçamento da Cultura. Ilustrativos do pendor
de classe do orçamento são também os objectivos de reduzir em 13,5 milhões de
euros a despesa com abono de família, em 6,7 milhões de euros os apoios a
idosos e em 10 milhões as despesas com o rendimento social de inserção. Ao
mesmo tempo, o Governo assegura através deste Orçamento a crescente garantia de
emissão de dívida por parte da banca, disponibilizando 24 670 milhões de euros
para essas garantias (mais 550 milhões de euros que em 2013), sendo que neste
momento o stock da dívida garantida
pelo Estado à banca é já de 14 475 milhões de euros.
O pior Orçamento do Estado
na história da democracia exige, do total do esforço imposto aos
portugueses, uma participação da banca e das grandes empresas do sector
energético que não chega a 4%, através da cobrança prevista de taxas
adicionais. Enquanto aos trabalhadores será esbulhada uma significativa parte
dos seus rendimentos, ao grande capital financeiros e aos monopólio serão
exigidas participações insignificantes, ou mesmo inexistentes, na medida em que
a banca obtém, por via deste orçamento, mais negócio e mais lucros e que os
grandes grupos da energia tudo farão para repercutir no utilizador final o
custo das taxas adicionais.
Este é um orçamento de agravamento do roubo, de assalto à
democracia e de sequestro de direitos fundamentais.
Um orçamento de
mentiras.
O contexto macroeconómico que previsto no Orçamento do
Estado é fantasioso e os seus objectivos são anúncios de propaganda.
O Governo pretende alimentar a ilusão de que este Orçamento
representa um esforço final, de que estamos perante um momento de inversão da
tendência e fantasia sobre o crescimento económico, baseado em indicadores
frágeis e instáveis, ou mesmo na manipulação e na mentira. O mesmo Governo que,
desde a assinatura do pacto de agressão, é responsável por cortes de mais de 20
mil milhões de euros no financiamento do Estado e das suas funções sociais,
anuncia agora que prevê o aumento da procura interna (0,1%) e o crescimento do
PIB (0,8%) no mesmo momento em que intensifica a ofensiva anti-democrática, os
roubos sobre os salários e pensões, o ataque à Escola Pública de Abril, ao
Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais e ao valor do trabalho, também
no sector privado, principalmente por via do alastramento do desemprego e dos
cortes nos subsídios. A continuada e brutal carga fiscal em impostos indirectos
a juntar à persistente desvalorização do trabalho não podem fazer crer, como
pretende o Governo, que o investimento aumente e a economia cresça.
Da mesma forma, não podemos aceitar que sejam reduzidos o
défice e a dívida pela via dos sucessivos e crescentes cortes, pela sucessiva
desvalorização do trabalho, pelo empobrecimento de quem trabalha e de quem
trabalhou e pela destruição das funções sociais do Estado. Os números mostram,
todavia, que nem o défice nem a dívida estão sob controlo e que tanto um quanto
outro ficarão certamente acima das previsões do Governo. Os objectivos
anunciados de contenção do défice e da dívida são afinal de contas apenas o
pretexto para a gigantesca ofensiva contra as conquistas da Revolução e contra
o conteúdo da Constituição da República Portuguesa. Além disso, é justo afirmar
que, qualquer diminuição do défice, eventual diminuição da dívida em
percentagem do PIB ou mesmo um qualquer crescimento económico que se possa
verificar no futuro terão sido conseguidos à custa da supressão de direitos, de
degradação das condições de vida dos trabalhadores e das populações, de
destruição e privatização de serviços. Esse é o caminho que leva ao afundamento
nacional e que, mesmo perante ténues variações positivas dos indicadores
económicos, não coloca o país numa rota de crescimento e de recuperação da
soberania, antes o torna mais pobre, mais dependente e menos democrático.
Um plano estruturado
de redistribuição de rendimentos a favor do Grande Capital
Em 1973, o último ano da ditadura fascista em Portugal,
49,2% do rendimento nacional era distribuído sob a forma de remuneração de
trabalho. Em 1974, essa componente assume 54,6% do total do rendimento e em
1975 atinge o valor de 64,7%. Em 1976 o valor da parcela de remunerações do
trabalho começa a decrescer sensivelmente e a política de direita,
protagonizada por PS, PSD e CDS, ao longo das últimas décadas veio recolocar a
distribuição de rendimentos ao nível daquela que Portugal conhecia nos tempos
da ditadura dos monopólios. Em 2012, apenas 48% do rendimento nacional foi
distribuído sob a forma de salários e contribuições para a segurança social.
Essa trajectória é programática e conta com o contributo determinante dos partidos
que aplicam servilmente a receita da União Europeia e do Grande Capital
nacional e transnacional – PS, PSD e CDS.
O Orçamento do Estado para 2014, depois de o de 2013 ter
introduzido um aumento de 30% nos impostos sobre o trabalho, prevê um aumento da
receita fiscal resultante de impostos directos sobre o trabalho (IRS) de 3,5%.
Isto resulta num evidente agravamento das assimetrias, com o Estado a assumir
responsabilidades directas: do total da receita fiscal obtida por impostos
directos, 75% é conseguido por via de impostos sobre o trabalho e apenas 25%
são obtidos por impostos sobre o capital. No entanto, os trabalhadores detém
apenas 48% da riqueza nacional e o Capital apropria-se de uma cada vez maior
fatia da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, o Governo, aposta na reconstituição
de privilégios e de consolidação de novos e velhos monopólios, quer através das
PPP, quer das privatizações, quer da liquidação da pequena e média actividade
empresarial.
Recusar o pagamento da dívida ilegítima.
Ao longo dos anos, particularmente desde a entrada na CEE e a
na União, Portugal recebeu fundos para reduzir o contributo industrial e
agrícola para a riqueza nacional. Ou seja, Portugal recebeu dinheiro e
orientações políticas para se endividar. Tais orientações foram seguidas pelos
partidos do arco da mentira e da bancarrota e submeteram o país à dependência
económica, financeira e política que hoje assume a forma do controlo político
por via do pacto de agressão.
Na chamada dívida existirão as parcelas correspondentes aos
desmandos e aventuras dos banqueiros, aos seus crimes, as parcelas
correspondentes ao desmantelamento da indústria, da agricultura, das pescas, da
produção nacional – para as que há muito o PCP alerta – as parcelas de
autêntico e permanente perdão fiscal aos grandes grupos económicos. Só
eliminando as componentes política e socialmente ilegítimas da dívida, que
podem representar uma importante parte do total assumido pelo Governo e pela troika, só renegociando os termos, os
prazos, montantes e juros, da dívida poderá o país assegurar um rumo de
crescimento que assegure a própria sustentabilidade da dívida, mas acima de
tudo, o respeito pelos direitos de Abril. PS, PSD e CDS subordinam o país ao
objectivo sagrado de “regressar aos mercados”, quando na verdade devemos
preparar o país para depender cada vez menos desses “mercados” que é como quem
diz, depender menos do grande capital, da agiotagem e do controlo político
externo.
Só com os valores de
Abril, Portugal terá futuro.
Que não restem dúvidas sobre a urgência de derrotar este
governo e a sua política. Essa luta tem neste momento um elemento central: a
luta pela rejeição dos efeitos e consequências do pacto de agressão e,
nomeadamente, contra o Orçamento do Estado para 2014.
Travar essa luta representa mais um passo no caminho para a
ruptura com a política de direita, não para uma alteração de protagonistas, mas
para a construção de uma real alternativa política, patriótica e de esquerda,
capaz de resgatar a soberania nacional, reconstruir as conquistas de Abril e
aprofundar a democracia. A ampliação da frente social de luta, a participação
popular e dos trabalhadores na definição dos objectivos políticos e na batalha
para os alcançar, a consciencialização das massas e a intensificação da luta, a
par do reforço do PCP são além de necessários, determinantes para inverter o
rumo de destruição nacional e afirmar os valores de Abril no futuro de
Portugal.
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