sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Utilizador-Pagador ou Poluidor-Pagador…

agradecendo a autorização do autor Ricardo Oliveira:

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Num velho e bolorento regresso às mais reaccionárias noções de (in)justiça social do liberalismo, a afirmação do princípio do utilizador-pagador sempre repetida pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, bem como, por vários sectores que pretensamente se afirmam alternativos, corresponde a um verdadeiro retrocesso civilizacional, a uma clara opção pelos interesses do capital e à promoção da ineficiência e ao desperdício económico dos recursos.

A discussão sobre a introdução do pagamento de portagens em infraestruturas rodoviárias (as SCUT) que tem decorrido nos últimos tempos merece uma análise mais concreta sobre o princípio do pagamento de um preço pelo utilizador, quer falemos de SCUT ou outras auto-estradas, de pontes, de parques ou reservas naturais, de serviços e cuidados de saúde, de propinas, de componentes das tarifas ou das facturas da água, da energia ou das telecomunicações, etc., quer falemos do pagamento de um preço ou um imposto por poluir.

Esta discussão revela que, efectivamente, quando se trata de análise e de política em ciência económica, estamos a entrar num dos campos em que se tornam mais visíveis as opções políticas e de classe dos partidários-economistas de uma ou outra(s) posições, caindo por terra quaisquer pretensões idealistas de uma ciência económica única e natural.

A teoria económica é confrontada pelas posições dos partidários dos interesses capitalistas mais radicais, que assumem que o valor político, económico e social primeiro é uma liberdade de fazer, adquirir e decidir o que bem entende – o mais libertário liberalismo que esconde a opressão, acumulação e a exploração capitalista por trás de palavras de progresso como liberdade e democracia.

Numa análise abstracta, parcial e superficial, economistas como Milton Friedman defendem que as opções e decisões económicas são mais democráticas que as políticas. Afirmam que a decisão política, numa democracia burguesa resulta de uma maioria de votos. Ou seja, aos eleitores que votam derrotados é-lhes imposta uma política que não consumiriam. Numa decisão do que consumir, os indivíduos adquirem o que pretendem e responsbilizam-se pelos resultados dessa escolha.

Este racciocínio é parcial e desonesto. É parcial porque assume que todos os consumidores estão em pé de igualdade, é desonesto porque, sabendo-o esconde a realidade atrás de uma ideia utópica para defender os interesses minoritários dos capitalistas.

Esta concepção política, na origem do pensamento político e económico de quem hoje detém o poder, serve de base para a defesa de quem quer paga, utiliza-paga, consome-paga ou mesmo polui-paga.

Porém, a mesmo a escola neo-clássica (marginalista), na sua concepção utilitarista, assume no âmbito da Teoria do Bem-Estar que existem falhas do mercado que exigem a provisão pública.

Os bens ou serviços públicos, ou quase públicos, apresentam características que conduzem a um custo marginal muito próximo ou a tender para zero. Isto deve-se ao facto do consumo por parte de um indivíduo não afectar o consumo por outro, não existe rivalidade no consumo. Isto verifica-se nas vias e comunicação que não se encontram congestionadas, na educação, no conhecimento em geral, na promoção de estilos de vida saudáveis, na seguranças e na defesa nacional, na iluminação pública, nas telecomunicações, desde que as linhas não se encontrem saturadas (ou na radiodifusão), na visita/circulação em parques naturais (uma vez mais, desde que não estejam saturados), no consumo de água (desde que não se verifique um cenário de escassez…).

Esta teoria considera que sendo os custos marginais praticamente nulos, a definição de um preço levará a que o consumo/utilização dos mesmos bens ou serviços caia, retirando eficiência aos mesmos, pois encarece o custo (para o utilizador/consumidor) individual de forma exponencial.

A mesma teoria justifica que os cuidados de saúde deverão ser pagos, pois existe rivalidade, embora se analisada numa perspectiva macroeconómica, a prestação de cuidados de saúde poder não apresentar rivalidade no consumo, desde que a oferta dos mesmos sendo universal apresenta uma capacidade de resposta em tempo útil aceitável.

Relativamente ao caso da poluição considera que, a forma de internalizar o custo social com a poluição é fazendo o poluidor pagar pela poluição que provoca, assumindo que a monetarização ou a receita monetária obtida poderá compensar os custos e impactos ambientais e sociais da mesma, sempre tendo presente uma análise custo-benefício (ou trade-off como a literatura económica gosta de referir).

No entanto não só a Teoria do Bem-Estar, como outras aprofundaram as falhas de mercado, numa perspectiva da concorrência imperfeita, monopólios, concorrência monopolística, oligopólios, etc.

É de salientar o facto da lógica do mercado ser baseada num modelo em que os seus resultados e estimativas tornam-se completamente inconsistentes caso não se verifiquem um conjunto de axiomas (que nunca ou raramente se verificam, uma construção idealista).

Em primeiro lugar, no mercado é pressuposto que o preço seja tomado, que nenhum dos agentes tenha suficiente poder para determinar o preço, isolada ou colectivamente. É pressuposto que todos agentes sejam detentores de informação perfeita e estejam numa situação de igualdade.

A prestação de cuidados de saúde é um dos exemplos mais esclarecedores dos efeitos da inexistência de informação perfeita. O diagnóstico de uma doença e a prescrição de um determinado tratamento pelos profissionais de saúde não são acessíveis a um qualquer indivíduo, pois exigem um nível de formação e especialização impossíveis de generalizar. Logo, numa lógica de privatização dos cuidados de saúde, numa lógica de rendibilização do investimento em lucro, tornam o mercado dos cuidados de saúde completamente enviesado.

A produção de electricidade, a distribuição de água, o caminho-de-ferro, uma rede de vias rodoviárias, entre outras, são exemplos de infraestruturas que exigem um elevado investimento inicial, promovem economias de rede que conduzem à monopolização da sua exploração/infraestruturação. Na ausência de alternativas, na existência de forte poder de mercado por parte das empresas monopolistas ou tendencialmente monopolistas.

Tanto num como no outro caso, o fornecedor do bem ou serviço tem poder suficiente para determinar o preço, afastando-o da hipótese de corresponder ao custo marginal do seu fornecimento/produção, elevando-o com o objectivo de maximizar o lucro.

Por outro lado, existem problemas em torno do comportamento dos agentes económicos, quer se trate de indivíduos quer de sociedades. Por exemplo, o fenómeno da proscrinação, que leva-os a adiar uma decisão que sabem ser justa, mas que o custo ou benefício imediato que sentem é de tal forma forte, que sabendo estar a agir de forma menos benéfica, leva-os a optas pelas decisões menos eficientes ou eficazes.

A literatura económica costuma dar o exemplo do fumador ou do jogador compulsivo. Tendo consciência dos malefícios do vício, o prazer imediato ou a ressaca imediata impedem o indivíduo a optar por não fumar ou não jogar. Estes exemplos, mostram como poderemos enquadrar o problema da poluição.

De acordo com a Teoria do Bem-Estar, o agente racional deverá ser sobrecarregado com um custo suplementar de modo a ampliar o sentimento de rejeição da tal acção negativa. No entanto, a evidência mostra que, ou a multa a pagar é de tal forma elevada, ou a multa passa a ser encarada como um preço a pagar pelo direito de poluir. E no caso de ser tão elevada, pode passar a ser considerada como um constrangimento a determinadas actividades, que sendo poluidoras, são necessárias às economias.

Por fim, vale a pena retomar a análise marxista do conceito do utilizador/poluidor-pagador. Uma das características do neoliberalismo corresponde à compreensão do papel do Estado na promoção dos mercados, na garantia do lucro. Após o capitalismo monopolista de Estado, com o estado a planear e a garantir custos de produção mais baixos através da sua intervenção directa na produção de sectores básicos e estratégicos aos grupos monopolistas; após a opção privatizadora dos monopólios públicos, sendo aos grupos monopolistas insuficiente a intervenção pública mascarada de regulação de mercados, supostamente orientada pela defesa da concorrência; o capital monopolista compreendeu que promovendo a ideia das falhas de governo, encontra campo suficiente para exigir a gestão e o fornecimento privado de bens e serviços públicos, financiados pelo Estado, ou numa versão diferente, financiados pelos privados, mas determinado pelo Estado (o caso das SCUT, em que o condutor não tem alternativa e o poder do Estado determina que o mesmo para circular tem que pagar uma taxa).
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1 comentário:

Sérgio Ribeiro disse...

Excelente tema e tratamento.
A desenvolver... noutros veículos de informação/formação.

Abraços (para os dois!)