quarta-feira, 28 de abril de 2010

Que raio é uma Agência de Rating de Crédito?

Ultimamente são capas de jornais e abrem os noticiários televisivos em Portugal. Nos Estados Unidos são famosas há mais tempo, dada a dinâmica do seu capitalismo interno.

Uma Agência de Rating de Crédito (Rating Credit Agency - CRA) é uma corporação, uma empresa privada que visa, no essencial, estimar a saúde financeira de uma determinada organização. De certa forma, são os médicos de diagnóstico do sistema capitalista. Atentam aos diversos factores ambientais, nomeadamente aos que determinam as relações sociais, políticas e económicas da organização em estudo e, em função disso, estimam os riscos a que essa organização está exposta. A actividade destas corporações pode determinar a confluência de investimento numa determinada empresa/organização/estado/economia, como pode apontar no sentido oposto. O poder que se concentra, numa economia mundial cada vez mais espculativa, nas mãos destas corporações é, portanto, desmedido.

Prova disso é que praticamente todas as prinicipais economias capitalistas do mundo iniciaram desde o início dos anos 2000 uma tentativa de regulação do trabalho dessas agências. A manipulação de resultados, a imprecisão e opacidade dos critérios gerou e gera ainda discrepâncias brutais entre as previsões e cotações dessas CRA's e a realidade.
Vários processos envolveram ex-trabalhadores destas empresas e em vários desses processos foi afirmado e comprovado que os resultados divulgados pelas agências serviam pressões financeiras de determinados grupos. São conhecidos muitos casos, uns mais medíáticos, outros nem tanto, de "erros" nas cotações. Por exemplo, a Enron estava cotada como AAA (menção que remete para baixo risco), 4 dias antes de falir da forma como sabemos ter falido. Estas CRA's que iniciam a sua actividade viradas para o mundo empresarial são hoje ousadas ao ponto de cotarem países, estados inteiros e continentes, servindo a cada momento os mais obscuros interesses capitalistas e monopolistas. Aliás, elas são apenas mais um dos mecanismos do sistema para que a manipulação dos processos de especulação seja mais eficaz e a promiscuidade entre estas empresas e as outras grandes corporações (quer do sector financeiro, quer do produtivo) é evidente em vários casos conhecidos, o que levou alguns estados a fingir disciplinar estas empresas e as próprias a adoptar um código de conduta absolutamente ridículo, redigido pela "Organização Internacional das Comissões de Segurança".

A transparência e o rigor dos critérios utilizados são regulados precisamente da mesma forma que a transparência e o rigor do sector bancário e da actividade especulativa, ou seja, não são regulados, antes regulam. Na verdade, os Estados capitalistas e seus vassalos pelo globo não regulam absolutamente nenhuma dessas actividades, mas permitem que essas actividades os regulem, lhes ditem leis, normas e políticas.

E eis que o "rating" vem impor-se a este cantinho à beira-mar plantado. Logo a nós que nunca tínhamos ouvido falar de tal coisa e~não consta que tenha o "trigo começado a crescer para baixo" na nossa terra.

Ora, numa tarefa desta natureza, de cotar economias e medir risco de investimento, da dívida e do crédito, haverá coisa mais importante que as relações sociais e a correlação das forças de classe? Tal como os marxistas, os teóricos e intelectuais do sistema, sabem que são as relações materiais que determinam as relações económicas. Daí que estas CRA's não ignorem o "ambiente social". É curioso e simultaneamente demonstrativo que, entre os critérios para a determinação dos valores do risco de uma determinada organização / estado, constem a força e dinâmica do movimento sindical de classe, a presença do Estado e dos seus serviços no território. E, embora não tenha nada que o prove, ninguém me tirará da cabeça que esses abutres que cotam o meu país com letras e números da especulação, também contam com a dinâmica e a força dos partidos de classe, no caso, do PCP. O qúe é inaceitável é que se aceite, que se verguem estados, que se sentem à mesa PS e PSD a decidir do nosso futuro como da sua coutada, com base no que julga o grande capital financeiro do nosso país. Que se sentem Passos Coelho e Sócrates, protagonistas da actual desgraça e profetas da mentira à mesa para decidir como melhor estender a passadeira vermelha ao capital que preda o nosso país, o nosso trabalho e os nossos recursos, não podemos aceitar.

Pela forma como estas CRA's avaliam e cotam os países, a destruição do Estado, o desmantelamento das centrais sindicais de classe e a docilização da classe operária, a liberalização e privatização dos serviços são os factores que merecem os tão falados 3A's.

Recomendo a leitura deste "paper" publicado pela Escola de Política Pública da University College London de Dieter Kerwer onde se aprofunda um pouco o trabalho destas CRA's. Leia-se com particular atenção o primeiro parágrafo da página 21. Nele se assumem duma assentada duas ou três questões da maior importância: a correlação de forças de classe conta para o rating; o rating não tem a força que se espera que venha a ter na imposição de medidas aos países; as próprias potências capitalistas não controlam suficientemente estas agências.

Ora, é caso para dizer... metam os 3A's das vossas agências de "rating" ...
pelo menos, longe de nós!

2 comentários:

filipe disse...

Sobre as ditas CRT's, ficou tudo dito. É o velho truque das entidades "reguladoras" serem assalariadas dos "regulados"...

Interessante a tua referência no final à relevância - para eles e também para nós - da correlação de forças. Refiro-me à real, não à ficcional e induzida pelos instrumentos de manipulação ao serviço do capital que, infelizmente, ilude tanta gente de esquerda, até pessoas sérias e informadas.
Numa próxima oportunidade, podias (podemos) voltar a esta importantíssima questão, para nós decisiva. Aqui fica a sugestão.
Abraço.

Sérgio Ribeiro disse...

Meu caro "pedras contra canhões",
este teu texto é excelente, "notação" pessoal (três AA?...) que já provei ao linká-lo no meu anónimosecxxi.
Mas não tinha deixado aqui um abraço, a que junto a referância ao artigo de opinião do Paul Krugma no i de ontem, que me parece de útil leitura e aproveitamento complementar... vindo dali.

Um abraço