A propaganda de regime sobre os “esforços” e os “sacrifícios”
que “todos temos de fazer” é constante e cada vez mais insistente. Não é de
estranhar que haja uma reacção a essa propaganda, por parte das camadas com
nível cultural mais elevado, que a questione, tal como não é de estranhar que
junto das camadas mais castigadas e com menos acesso à cultura e à informação
alternativa essa propaganda provoque cada vez mais o efeito desejado.
Os meios dominantes de comunicação social, a educação de
massas, o discurso político dominante reproduzem intensamente essa tese. Para
quem conceba a “nação” como uma espécie de “família”, onde não colidem
interesses, essa tese faz sentido. Daí que a neutralização da percepção do
conflito de classe seja um objectivo tão importante para a classe dominante.
Muitas pessoas, muitas camadas populares não compreendem a
acusação que os comunistas dirigem aos sucessivos governos e não decifram as
posições políticas do PCP. Para essas pessoas, o Estado é como uma família, no
seio da qual, todos os interesses são partilhados. Essas pessoas não concebem a
economia à escala de classe, não compreendem – porque não conhecem – as teses
da luta de classes. O problema não está na incapacidade de compreensão, nem nos
“olhos fechados”, muito menos no suposto “sono” que não permite que essas
pessoas “acordem”. O problema está no efectivo acesso que essas pessoas têm ou
não têm a pontos de vista diferentes e a instrumentos culturais e racionais que
lhes permitam decifrar uma mensagem diferente daquela que todos os dias ouvem.
Ao mesmo tempo, o problema está essencialmente na capacidade material dessas
pessoas, na disponibilidade de tempo, enfim na qualidade de vida.
Temos como dever contribuir para que o conjunto da população
possa compreender a mensagem que passamos: para isso é absolutamente essencial desconstruir
a base da doutrina fascista que nos envolve – a de que não existe conflito de
interesses entre classes numa mesma nação.
A diferença fundamental entre a economia doméstica e a economia
nacional e internacional não é sequer a escala, como às vezes parece. A
principal diferença reside precisamente no facto de não existirem interesses
opostos entre os membros de uma família e existirem interesses profundamente
antagónicos entre as classes. Assim, quando falamos de “uma família quando
gasta demais tem de fazer esforços” partimos de um axioma comummente aceite
para generalizar de forma inaceitável essa tese a um universo distinto. Ou
seja, aquilo que surge como regra razoável e simples no universo de uma família
é extrapolado para a economia em geral – é uma metodologia básica da
manipulação de massas: partir do axioma para a mentira.
No entanto, numa família, numa economia doméstica normal,
não existe exploração. Ou seja, a economia é comum, todos contribuem e todos
gastam, em medidas proporcionais às suas capacidades e necessidades. Quando se
introduzem relações sociais diferentes dessas na economia, muitas das regras
deixam de ser transponíveis. Ora, um patrão ganha mais quanto menos ganharem os
trabalhadores da empresa que detém. Um banqueiro ganha mais quanto maior for a
taxa de juro cobrada sobre o empréstimo. Um acionista ganha mais quanto menos
salários forem pagos. Um senhorio ganha mais quanto maior for a renda cobrada
ao inquilino. Já um trabalhador não ganha mais por ser mais valiosa a
mercadoria que produz.
A ideia de “esforço comum” e de “temos de fazer sacrifícios”
cai por terra no momento exacto em que há quem beneficie com o sacrifício
alheio. Ou seja, o interesse não é comum e isso muda toda a percepção sobre o
problema em causa.