Uma boa mão cheia de jovens, de todas as cores, e outros não jovens estavam ontem no Rossio. E eu fui lá ver e aprender.
Tenho a certeza de que poderia escrever muitas linhas sobre o que ali vi e ouvi.
Vi muitos esquerdistas, vi anarquistas, vi tipos armados em protagonistas, vi actores, vi réplicas de típicos parlamentares disfarçados pelo tom exaltado da voz teatral. Mas também vi tímidos pensadores, vi jovens a sorrir genuinamente, vi sementes revolucionárias e revoltadas.
Ali no Rossio estava um pouco de tudo, de ingenuidade e de aproveitamento. De protagonismos e de verdadeira entrega. Estavam homens e mulheres, rapazes e raparigas, que se apercebem a cada dia que passa que o capitalismo representa o suicídio lento da espécie humana, a injustiça e a miséria. Mas estavam essencialmente jovens que ali começaram a compreender o valor da reflexão colectiva.
Muitos deles, notava-se pelas intervenções e pelos aplausos contraditórios saídos das mesmas mãos, nunca haviam participado em nada assim. Isso é estimulante. Mas fazer uma casinha-da-árvore também deve ser. E a diferença entre a militância revolucionária e a ocupação política de tempos livres nestes momentos é muito, mesmo muito, ténue.
Chocou-me e alegrou-me. Chocou-me ver que aquela malta ignora por completo a história do movimento operário, do movimento comunista internacional. Chocou-me que se julguem de tal forma únicos que se dão ao luxo de desdenhar todo o imenso património da história da humanidade por um futuro melhor. Ignoram as contradições e as questões que se colocam há mais de um século aos explorados e a forma como eles têm reagido, umas vezes bem e outras vezes mal. Chocou-me o situacionismo latente e a involuntária sobranceria que constantemente saltava para o debate através das intervenções que aludiam àquela assembleia como algo nunca antes visto.
Mas curiosamente, o que me chocou foi exactamente o mesmo que me alegrou. Porque tudo isso que me chocou significa que aqueles jovens, aquela malta toda, estava a dar, isso sim, um passo por eles nunca dado. O facto de ignorarem a história do movimento revolucionário internacional - além de em aspecto algum lhes ser imputável - mostra sobranceria involuntária, mas genuína vontade. O facto de acharem que antes deles não havia luta, prova que eles próprios estão a dar os primeiros passos numa luta imensa que lhes é - e cabe-nos perceber como alterar isso - desconhecida.
Todavia, o momento não é para brincadeiras e quero dizer a toda a gente que as batalhas são e serão muitas. Que as vitórias não virão de aventureirismos ou supostos espontaneismos, não virão de inconsequentes debates, mas sim do compromisso revolucionário e de classe. E a batalha próxima que se trava são efectivamente as legislativas, quer o queiram, quer não.
E se lá se lia "que a revolução não se faz com votos" e eu não posso estar mais de acordo, mas não ficar por aqui. Porque se isso é inteira verdade, igual verdade é que também não se faz com não votos. Ou seja, neste momento concreto e neste contexto, não é não votando que para ela se contribui.
Saudações à Assembleia do Rossio.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
É isso, é isso mesmo. Agora é conseguir perceber como potenciar a vontade para que seja aproveitada pelo colectivo e não pelo oportunismo. É perceber que a auto-didacia é importante e fazer perceber que não chega. Como? Também não sei bem. Mas ir lá ver e aprender ajudou e ajudará seguramente :)
Também estive lá e revejo-me no teu post.
Aliás, diria que vi lá muito menos pessoal politicamente "ingénuo" (descomprometido soa melhor) do que tu aludes. Não pude deixar de apreciar a forma organizada como se apresentavam.
Diria que sou completamente solidário com o que se está a acontecer no Rossio, muito embora possa não concordar com tudo o que por lá se diz. Gostava também que eles fossem solidários com a nossa luta e não me parece que o sejam quando atacam todos os partidos políticos portugueses por igual - ou criticam o próprio sistema político descartando-o da dinâmica de luta social.
Enfim. Também aproveito para enviar as minhas amistosas saudações ao Rossio.
Excelente reflexão. Ao vivo, no vivo.
A dimensão tempo, histórica.
Mais presente quando ignorada. Sempre tudo a começar de novo e nunca nada a começar de novo.
Vou chamar a atenção para este teu "post".
Com o "copyright" de um grande abraço...
Grande texto! Para assinar por baixo... palavra por palavra.
Abraço.
Muito bom esse comentário camarada. Muito lúcido. Estou já cansado, especialmente aqui no Porto de ver camaradas a olhar para estas acampadas com uma sobranceria taxativa (preguiça mental? ou falta de entendimento do que é o marxismo?), tipo isto das acampadas é um movimento esquerdista ou pequeno-burguês e não há mais nada a dizer.
A questão que levantas de que isto está a trazer novas pessoas para a luta social e a ser uma aprendizagem para pessoas que nunca se envolveram nestas lutas (porque estavam apáticas) é por si só muito significativa.
Há fenómenos novos que merecem análise, há uma juventude que se está mexer social e politicamente. E eu vejo camaradas que se limitam a olhar para sondagens e resultados eleitorais para dizer que está tudo na mesma.
Conflito geracional? Sem dúvida. Há muita sobranceria reciproca entre os mais velhos e os mais novos.
Como jovem não posso deixar de exigir um mínimo de sensatez dos camaradas mais velhos, o 25 de Abril foi muito importante mas os tempos que correm de imensas injustiças e miséria sobretudo para os jovens não é igualmente importante?
Eu não ando aqui a arriscar couro e cabelo para que me venham dizer que a luta faz pouca diferença porque o povo vota sempre nos mesmos (e que os jovens são uma cambada de malandros). Os jovens também merecem respeito e a luta é agora, todos os dias.
Caro Rocha,
obrigado pelo teu comentário. Excepcionalmente, permiti a sua publicação. No entanto, peço-te que discutas a opinião dos "camaradas mais velhos" com eles próprios ou, porventura, com os camaradas dos organismos que integras, se for o caso.
Compreendo o que dizes, mas acho que os blogs não são o espaço para discutir a opinião deste ou daquele camarada.
abraço
"O facto de ignorarem a história do movimento revolucionário internacional - além de em aspecto algum lhes ser imputável - mostra sobranceria involuntária, mas genuína vontade."
... genuína vontade de quê? De se transformar em sujeito na história. Os que importam efectivamente.
Pergunto-me quanto tempo leva a que estes "rebentos", sem pegar num único manual, tomem consciência por exemplo da necessidade de tomar em suas mãos os meios de produção, da importância de que o que isso constitui esteja nas mãos de quem produz e não de quem os explora?
Mas também pergunto, se poderiam em alguma circunstância, tomar essa consciência sem terem experimentado, (primeiro o desemprego, a precariedade, ...) mas especialmente, um qualquer Rossio de inconformismo.
Que conquista de sentido das expressões/palavras "meios de produção", "sujeito da história", se pode efectivar consequentemente senão através da realidade na primeira pessoa? De que serve ler tal e tal num livro? De que serve que alguem nos diga "meios de produção são..." "representam significativa importância para.." "foram objecto de..."?
A realidade bate a porta destes jovens (nos quais me incluo) dos nosso pais, companheiros de trabalho... Agora sim será possível consciencializar com estas palavras, expressões, todo o conhecimento acumulado de históricas lutas tem eco directo na realidade sensível à cada vez mais geral experiência pessoal.
Não existe necessidade de explicações de maior, a realidade impôe-se e auto evidencia-se. E as palavras para a descrever estão à mão de semear.
Saudações camarada
Pedro
Enviar um comentário