sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ensino Particular e Cooperativo

No conjunto das chamadas escolas privadas, ou Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo existe uma diversidade assinalável e qualquer tentativa de abordar este universo ignorando essa diversidade, produzirá resultados distorcidos. Como já ouvi e li, da parte de alguns bloggers, jornalistas e outras pessoas de esquerda, posições de apoio ao governo e ao Ministério da Educação, fazendo suas as palavras odiosas contra o ensino privado. De certa forma, incorrem no esquema, na armadilha, que o próprio governo antes lhes montara. Ou seja, quando a política do governo atacava professores, hostilizando-os contra os pais, denunciavam o falso antagonismo. Mas agora que são os outros atacados, muitos embarcam no discurso que o governo orquestra.

No outro lado deste terreno de batalha (ou do mesmo?) temos a mais reaccionária das direitas, o PSD e o CDS, nomeadamente, utilizando o ataque do governo ao ensino particular e cooperativo para defender a substituição da Escola Pública por uma rede de estabelecimentos privados.

Julgo que nenhuma dessas abordagens pode ser justa, porque tomam o universo do EPC como um todo homogéneo. É um facto, porém, que o Governo tem dirigido ataques brutais à escola pública, ataques sem precedentes mesmo. Entre 2006 e 2010 encerraram mais de 4000 escolas do primeiro ciclo do ensino básico, constituíram-se entretanto os mega-agrupamentos, e prepara-se o despedimento de dezenas de milhar de professores. Na verdade, o Estado está ainda longe - e talvez cada vez mais longe - de cumprir as suas obrigações constitucionais no que toca à cobertura nacional da rede pública de ensino e isso significa que muitas comunidades poderiam ficar objectivamente sem acesso a um ensino de qualidade se não tomassem em suas mãos a construção de uma escola capaz de difundir o saber por entre as suas gentes. E esta á uma realidade que não podemos ignorar: a de algumas dezenas de escolas que foram constituídas por comunidades, sob a forma de cooperativas ou associações, e mesmo algumas que, sendo da igreja ou a ela fortemente ligadas, não deixam de cumprir um papel de substituição do Estado no ensino e educação, ao abrigo de contratos de associação - ou seja, cumprindo os princípios e regras do ensino regular da república.

Ou seja, no universo do EPC existem empresas, grandes empresas, associações, associações cristãs e cooperativas. Umas visam a obtenção de lucro através da venda de um serviço que deveria ser assegurado pública e gratuitamente. Outros são expressões comunitárias criadas, em muitos dos casos, anos antes da aprovação da constituição da república portuguesa. Ou seja, algumas destas instituições levam ensino onde o Estado nunca levou e fazem-no de forma desinteressada, sem accionistas, sem lucros, sem distribuição de dividendos. Outras são grandes empresas, pertencentes a grandes grupos, como o GPS, o Calvette, e acolhem especialmente os filhos das camadas mais ricas da população. Ora, as primeiras constituem parte significativa dos contratos de associação e as segundas constituem parte significativa dos contratos de patrocínio e contratos simples, recebendo ainda assim milhões de euros do Estado português.

A questão que nos devemos colocar é se o corte nos apoios estatais às escolas privadas com contrato de associação beneficia a escola pública ou se, pelo contrário, representa apenas uma outra expressão do ataque à escola pública ainda que indirectamente. Na minha opinião, a retirada de apoio estatal às escolas com contrato de associação que realmente se substituem ao estado (que também admito não ser o caso de todas) é um favor aos grandes colégios empresariais. Ora vejamos, se a escola pública se retrai, encerra edifícios, despede professores, não tem funcionários, e as escolas com contrato de associação começam a ser obrigadas a despedir professores e funcionários e a encerrar instalações, restarão os grandes colégios, as grandes empresas que lucram milhões com os estudantes portugueses e que lucram, acima de tudo, com a diminuição da qualidade da escola pública. Enquanto o Ministério da Educação converte a escola pública em centros de novas oportunidades e num instituto de formação profissional, a escola privada empresarial, os grandes colégios, afirmam-se cada vez mais como a escola para o prosseguimento de estudos, a escola para quem quer ir para o ensino superior, ou seja, a escola de quem pode pagar o seu futuro. O ataque às escolas com contrato de associação é, na prática, uma outra expressão dessa estratégia contra a Escola Pública.

A diminuição do apoio ao ensino privado, mesmo que com contrato de associação, será justo e justificável quando o estado puder assegurar a cobertura nacional da rede pública, quando investir em mais e melhores escolas, mais emprego docente, mais funcionários, mais especialistas em ciências da educação. Enquanto a política fora a inversa, o ataque ao EPC com contrato de associação não pode ser entendido como uma valorização da escola pública.

Claro que a prioridade política, no estrito cumprimento da Constituição, deve ser a criação de uma rede pública de ensino gratuito e de qualidade para todos, garantindo a existência de um sector privado no ensino de carácter supletivo. No entanto, usar esta prioridade para justificar a acção política inversa é mera manipulação.

Deixo ainda uma reflexão: a Constituição da República Portuguesa consagra a liberdade de ensinar e aprender, tal como atribui ao EPC um papel supletivo mas legítimo. Mas em passagem alguma a CRP afirma que o EPC pode ser empresarial. Na verdade, a orientação do EPC para a obtenção de lucro nada tem a ver com a liberdade de ensinar e aprender, mas apenas com a mercantilização dessa liberdade, o que são coisas profundamente distintas.

7 comentários:

linhadovouga disse...

"A diminuição do apoio ao ensino privado, mesmo que com contrato de associação, será justo e justificável quando o estado puder assegurar a cobertura nacional da rede pública, quando investir em mais e melhores escolas, mais emprego docente, mais funcionários, mais especialistas em ciências da educação. Enquanto a política fora a inversa, o ataque ao EPC com contrato de associação não pode ser entendido como uma valorização da escola pública. "

Em nenhum sector isso é tão verdadeiro como no ensino artístico especializado: 6 escolas públicas no país, todas no litoral a Norte do Tejo! O resto da cobertura é assegurado por cerca de uma centena de escolas privadas, em geral associativas - iniciativas comunitárias, como referiste. É urgente a criação de uma rede pública de escolas de ensino especializado de música (e outras artes). O que existe não é uma rede. Até lá, faço minhas as tuas palavras, que acima transcrevi.

samuel disse...

Em cheio!

Abraço.

AF Sturt Silva disse...

camarada estou reproduzindo este texto no DL,só queria colocar a autoria do artigo.Como eu coloco seu nome?

miguel disse...

Não sei o que é o dl. O meu nome é miguel tiago mas Basta fazer referência ao blog. Não é preciso o nome.

AF Sturt Silva disse...

Olá meu caro.Como vai?

Esqueci de ser mais claro.

DL = Diário Liberdade é um site Galego,editado em portuquês em defesa de nossa língua:http://www.diarioliberdade.org/index.php

Damos espaço para toda esquerda revolucionária,ou seja somos um site anti-capitalista.

Temos um seção só com artigos e noticas de Portugal,veja aqui: http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=2&Itemid=8

Sobre eu ter pedido o nome ,sempre quando deparamos com artigos pessoais, além de dar fonte a gente prefere dar um nome de quem assinou.Entende?

Mas se vc opor a reprodução, nada feito.

Se quiser ter artigos publicados no Dl,pode nos enviar artigos que bata com nossa linha editorial que a gente republica ou publica.Ainda não temos colaboradores que envia artigos da esquerda portuguesa,apenas alguns colunistas.

Uma abraço

Sturt Silva

Colaborador do Dl direito do Brasil.

Envie um email para vc.

Caso quiser entrar em contato eis meu email: afsturtdasilva@yahoo.com.br

Sérgio Ribeiro disse...

Esta tua tomada de posição é de grande oportunidade. Põe as coisas no são.
Deveria ser divulgada por todos os que, com problemas reais e de boa fé, estão a se evidentemente manipulados.
E é preciso fazê-lo rapidamente, porque há por aí umas "máquinas" em movimento acelerado.

Um abraço

Diogo Paredes Meira disse...

Fiz uma referência a este texto no meu blogue (http://jovemcomotu.blogspot.com).

Parabéns e um abraço!