segunda-feira, 13 de julho de 2009

A serra e o mar, para quem?

Acompanho com gosto, quando bem feitas, as intervenções de conservação da natureza. Gosto de participar no movimento de sensibilização social e política para a importância da preservação dos recursos naturais, dos valores biológicos e geológicos e gosto de divulgar a riqueza natural do país que é, surpreendente.

Não tenho aversão à conservação da natureza, pelo contrário, nem reajo negativa ou insensivelmente aos apelos ecologistas. Sou até um activista em algumas causas ambientais. Não suporto, porém, que a coberto da conservação da Natureza se vão delineando e aplicando estratégias políticas do mais baixo grau de transparência e de autêntica apropriação privada de domínio público.

Porque escrevo estas linhas?
Escrevo-as porque, este verão, a revolta e a indignação ainda me cresceram mais no peito e na consciência e, por isso mesmo, peço desde já desculpa pela dimensão porventura exageradamente emotiva do presente texto.

Eu gosto do sítio onde vivo. Gosto das pessoas, gosto da serra, gosto do mar, gosto da cidade e gosto da tróia. Por isso mesmo me revolta ainda mais a atrocidade que tem vindo a abater-se sobre a nossa região por força de uma ofensiva de gabinete, tecnocrática e supostamente ambientalista, deixando cada vez mais a descoberto uma ridícula, mas persistente, campanha política de privatização do espaço público, de alheamento das pessoas da natureza.

Desde miúdo que mergulho no mar de Sesimbra, de Ribeiro de Cavalo, da Arrábida, de Alpertuche e de alguns outros maravilhosos recantos que a costa a Sul da Cadeia Montanhosa da Arrábida nos oferece. Sempre aí apanhei umas navalheiras, por vezes umas santolas, muitos polvos e chocos e, com sorte, de vez em quando, lá punha as mãos nuns robalos, safios e pouco mais. Desde miúdo que vou passear para a areia da tróia, aliás, devo ali ter passado anos da minha vida. Desde miúdo que pesco à linha desde a muralha até ao quebra-mar de Sesimbra, passando por Albarquel. Desde miúdo que vejo outros tantos amigos, homens e jovens de Setúbal, pegarem na cana, ou na espingarda e no fato e irem dar um banho à minhoca ou passear umas horas debaixo de água. A apneia, esse desporto dos pobres que não têm dinheiro para cursos de mergulho, para garrafas de oxigénio, que não têm sequer uma embarcação, sempre foi um belo passatempo da malta aqui em Setúbal. Não consta que os impactos da apneia nas comunidades biológicas e nos fundos do mar tenha sido catastrófico.

Fico furioso, nos dias de hoje, quando passo a ter de conjugar as frases do parágrafo anterior no pretérito imperfeito. Porque agora terei de dizer que "desde miúdo passeava..." passeava porque já não passeio. Mergulhava porque já não mergulho.
E fico particularmente triste, trise e furioso também, quando vejo que não posso vestir um fato e mergulhar para apanhar uma navalheira, mas os tipos das motos de água, das embarcações de luxo, à vela e a motor, que os tipos da indústria química, que os das pedreiras, podem não só continuar como acentuar e acelerar as suas actividades. A última vez que mergulhei em Ribeiro de cavalo, a água estava leitosa. Estava leitosa por causa de uma gigantesca nuvem de pó calcário que saltava das explosões da pedreira que, ilegalmente, se planta a poucos metros da falésia. Estava assim, certamente, acidificada e mais dura, aquela água que antes se mostrava tão límpida quanto ar. Do pouco que sei de santola e navalheira, que não tirei cursos, nem trabalho em gabinetes do ICNB, quase que aposto que aquela nuvem de pó, num só dia, produz mais impacto negativo nesses artrópodes do que um mês de pesca submarina.

Será certamente impressão minha, que pouco percebo de peixe - que não tenho cursos desses de universidade, nem sou tecnocrata científico - mas uma moto de água a percorrer vezes sem conta a velocidades impressionantes a linha dos 100m da praia provoca mais impacto no desarranjo dos fundos, na poluição marinha e atmosférica, na indução de stress junto das comunidades biológicas do que 50 pescadores submarinos que ali vão aos fins de semana e ainda trazem a porcaria que os outros atiram para o fundo.

Esta política de dois pesos e duas medidas é a política da direita, que ilude os ambientalistas e ecologistas, que não vêem que com esta estratégia estão a contribuir para afastar da natureza precisamente aqueles que sempre a preservaram. E assim a vão entregando aos meninos das lanchas a motor, das motos de água e dos casinos, dos hotéis de cinco estrelas e dos campos de golfe de 320 mil buracos. E assim, todos unidos contra esses bandidos que caçam em apneia, vão preservar o lindo fundo do parque marinho luiz saldanha. Para que alguém possa de vez em quando ir visitá-lo no seu barco de luxo, usando a licença de mergulho nova em folha e a garrafa de ar comprimido de marca. E os outros, esses que lá iam buscar um peixito, uma navalheira para comer com os amigos à roda de uma cerveja, esses podem ter, em breve, o privilégio de serem os servos prestáveis dos senhores do barcos de luxo e dos casinos, poderão em breve ser croupiers, empregados de balcão ou de mesa e, bem rectos e educados, portar no braço a bandeja da submissão onde carregarão os copos de pé alto, conduzindo-os à mesa do patrão.

1 comentário:

aicha disse...

claríssimo!desconhecendo a parte do mergulho, ontem tive as mesmas dúvidas sobre a azáfama que corria sobre as águas...

abraço