sexta-feira, 4 de março de 2011

12 de março, a justa luta dos jovens, e a latente fascização de camadas populares

É muito importante que não se deixe passar o dia 12 de março sem que manifestemos a nossa intacta solidariedade para com todos aqueles rapazes e raparigas, homens e mulheres que, confrontados com a desvalorização brutal das suas vidas, utilizarão a rua como linguagem.

Porém, mais importante é tornar essa solidariedade em sólidas pontes para uma luta que terá de ser forçosamente mais vasta e mais funda. Os homens e mulheres de hoje são máquinas, ou melhor, peças de uma máquina desumana e desumanizada. Os rapazes e raparigas, independentemente da sua formação e qualificação académica e profissional são utilizados pela máquina como instrumentos para a obtenção de lucro e mais lucro. Essa máquina desumana tem um nome: capitalismo. Os operadores dessa máquina têm rosto: são os grupos económicos, os senhores do dinheiro e os seus lacaios nos governos espalhados pelo mundo.

O carácter difuso, inorgânico, dito apartidário, laico e pacífico da manifestação de dia 12 de março é, por um lado, compreensível, por outro preocupante. Se esse carácter reflecte a capacidade de muitos jovens manifestarem o seu descontentamento, ele também reflecte uma tendência de afastamento da participação democrática, da organização de classe sindical e partidária que nos deve convocar a uma reflexão enquanto comunistas.

Espero que não se confunda o carácter "apartidário" da manifestação com uma tendência "anti-partiária" que vai fazendo escola e que sulca um trilho fascizante. Uma manifestação apartidária é uma manifestação sem organização partidária, mas não exclui necessariamente a participação de membros e dirigentes de partidos. Assim, não conto com hostilidade se participar na marcha de 12 de março.

Os jovens que são triturados, na sua vida económica, social, cultural e emocional, cujas vidas são apenas números neste sistema capitalista, são os legítimos protagonistas desta marcha. Os jovens que não podem constituir família, não por condenação divina, mas por não terem condições materiais para o fazer.

Os jovens que não sabem como será o seu dia de amanhã. Os que se endividam para estudar, os que hipotecam a vida para ter um tecto, os que trabalham hoje aqui, amanhã acoli e os que nem sequer trabalham.

Os jovens que pagaram milhares de euros em propinas para atenderem num balcão de hamburgueria, os que escondem as habilitações para entregar currículos nas empresas de trabalho temporário para não serem considerados "sobre-qualificados".

Os jovens que não decoraram o dicionário de inglês técnico e que se recusam - ou não conseguem - encaixar a doutrina do empreendedorismo.

As jovens que não podem engravidar para não perder o emprego mal-pago. As que não podem engravidar para mostrar que sacrificam a vida ao mero posto de trabalho, sempre para satisfazer o opulento patrão.

Os jovens que abdicam da juventude para sobreviver. Os jovens que, em vez de poderem apoiar os seus velhos pais, vivem dos escassos apoios que estes ainda lhes podem dar.

Estou consciente que são esses muitos dos que ali caminharão em protesto. Mas o mais importante é estarem eles conscientes de que só a luta persistente e organizada, unida em torno de objectivos concretos pode constituir um instrumento de progresso. Porque gritar contra tudo, sem proposta, é o mesmo que não gritar contra nada. E pior, gritar contra tudo, sem organização e sem programa é o primeiro passo do caminho do desespero, do descrédito e da descredibilização da democracia (por mais frágil que seja), e esse é o caminho que se faz terra fértil às sementes fascistas. A xenofobia, o idealismo fascista do Estado puro e do Povo como massa obediente sob o comando de "homens sábios" como Mussolini, Hitler, Franco e Salazar. É o puritanismo falso que reveste as falas dos falsos messias que ganha espaço nestes momentos com a hostilidade aos projectos partidários.

Com isto não responsabilizemos os jovens, mas sim os que ecoaram esta manifestação como nunca fizeram para nenhuma outra, independentemente da sua dimensão. Por exemplo, a de 19 de março que será certamente mais consequente foi completamente silenciada, tal como a manifestação de professores convocada para 12 de março e ignorada pela comunicação social. A comunicação social sabe bem o que promove e como promove.

O problema é que muitos dos que ali marcharão não decifram ainda o funcionamento do Estado e do sistema que os esmaga. Cabe-nos abraçar a luta deles para que abracem a nossa que, afinal de contas, deles é também. Porque ainda que sem o saberem, aqueles jovens vão marchar genuinamente contra o capitalismo.

7 comentários:

vtp disse...

Nem mais...

Maria disse...

Exactamente.
Vou levar.

Abraço.

Kaleo disse...

Bom post!

João V. Aguiar disse...

«O problema é que muitos dos que ali marcharão não decifram ainda o funcionamento do Estado e do sistema que os esmaga. Cabe-nos abraçar a luta deles para que abracem a nossa que, afinal de contas, deles é também. Porque ainda que sem o saberem, aqueles jovens vão marchar genuinamente contra o capitalismo.»

Disseste tudo neste parágrafo caro camarada. As limitações da manif são grandes mas penso que terem feito um convite ao Partido mostra que poderá haver gente mais "positiva", no sentido de não ser tão anti-partidos. Lembremos que essa manif de dia 12 inicialmente tinha como slogan "1 milhão contra toda a classe política" o que era um slogan reaccionaríssimo. Esse slogan ter deixado de aparecer já é um passo. Esperemos é que os jovens que lá forem comecem a superar limitações óbvias daquela iniciativa. Até porque as lutas de dia 19 de Março, 1 de Abril e a marcha da educação de dia 2 de Abril serão bem mais decisivas para o futuro da luta operária e popular em Portugal do que esse dito 12 de Março que, repito, tem a sua importância mas tem ainda bastantes limitações políticas.

Um abraço e desculpa o comentário demasiado longo

tms disse...

Boa posta, camarada!
tms

Sérgio Ribeiro disse...

É isso mesmo.
Pegaste muito bem numa situação delicada e em que, ao que me parece, estão a querer "meter-nos ao barulho", e não com boas intenções, aproveitando quem tem boas intenções e melhores razões.

Um abraço

Unknown disse...

Não vou à manifestação de 12 de Março, porque desconheço quem a representa, na verdade.
Quem é o táxista doutor que publicou o primeiro comunicado? Será taxista? Será doutor? Desconheço.
Acompanhando as revoltas desencadeadas no Norte de África, apercebi-me que alguns fenómenos estranhos se passavam nos bastidores. Fontes desconhecidas davam a entender que as revoltas não teriam só lugar no Norte de África, mas na Grécia, Itália, Espanha e Portugal.
Estas fontes estariam ligadas à CIA e davam como importante a data de 12 de Março e a manifestação contra a classe política.
Daí que eu sou céptico em relação a tudo o que está por detrás desta manifestação, bem como aqueles que a apregoam, ou seja, aquilo que eu chamo de pequenos «Pachecos Pereirazinhos» que mais tarde se tornarão em Pachecos Pereiras. Hoje são anarquistas, pró-esquerda, anti-sistema, para amanhã se tornarem em conformados e, talvez até, doutores bem pagos.
Sou contra a ideia generalizada e até promovida pela comunicação social que os partidos são responsáveis pela actual situação que estamos a viver.
Também sou contra a estupidez e a confusão que querem criar, em torno do sentimento político vivido e defendido por muitas pessoas esclarecidas neste país.
Por isso, não apoio fenómenos como os "Homens da Luta", nem os aplaudo. Desprezo-os a valer. Acho-os mesmo infâmes, injustos e obscenos.
Quando aqueles idiotas riem-se do desempregados e dizem graças estúpidas como o "camaradas, pá", conseguem a simpatia das classes altas da nossa sociedade, todas elas conotadas com o PSD e o CDS-PP (algumas até no PS).

Sejamos esclarecidos e informados, contra os perigos de estupidificação e americanização deste país.