quinta-feira, 28 de março de 2013

só exportações = baixos salários

A crise, ou melhor, as crises, sempre foram utilizadas como pretexto para o aprofundamento do ataque aos direitos dos trabalhadores. No essencial, as "crises" traduzem-se numa tremenda aceleração do processo de acumulação capitalista, assim precipitando a formação de monopólios ou o alargamento dos existentes. Nesse processo, ou seja, no seguimento das tão propaladas crises, acelera-se também o processo de fusão entre capital financeiro e capital ou industrial.

Vimos isso suceder em Portugal mais do que uma vez, com o alargamento da influência do capital industrial e a sua expansão para o domínio financeiro, principalmente durante o fascismo - com o determinante contributo do Estado, no plano político e no plano económico e financeiro -, tornámos a ver logo após o 25 de Novembro e com a primeira fase da reconstituição monopolista dirigida pelo PS, depois pelo PS-CDS e depois pela AD. E eis que voltadas as páginas de 38 anos, com sucessivos ímpetos reaccionários, com acelerações e desacelerações, torna o discurso da crise para justificar exactamente os mesmos objectivos e as mesmas manobras políticas. 

Fizeram-no antes e fazem-no agora. 
Por que motivo centrou o Governo de PS todas as respostas nas exportações? Por que motivos centram agora PSD/CDS todas as respostas nas exportações? 

Pode passar despercebido para muitos, mas existe uma tremenda exaltação das exportações. Aliás, as exportações são vistas como a saída para a crise e o crédito é dirigido quase exclusivamente para as empresas exportadoras. Há duas questões que desde já se levantam:

a primeira: as empresas exportadoras, sem lhes retirar importância, não representam uma fatia maioritária do tecido empresarial português nem empregam a maior parte dos trabalhadores, o que significa que, ao circunscrever a estas empresas o acesso ao crédito, se exclui a maioria das empresas portuguesas e as que mais trabalho contratam;

a segunda: as exportações representam cerca de 30% do Produto Interno Bruto, enquanto que o consumo interno representa 68%, o que significa que, ao apoiar apenas o sector das exportações, se potencia a alavanca mais fraca e não a mais forte do desenvolvimento económico.

Mas a centralidade que a classe dominante, quer nacional, quer transnacional, atribui às exportações não é inocente, nem significa exclusivamente que os apoios públicos são concentrados nas maiores empresas. Significa mais do que isso, embora também isso. No essencial, um mercado assente em trocas entre países e não no consumo local é um mercado irracional, mas um mercado gerador de mais lucros porque acentua as taxas de exploração do trabalho pelo capital. Em que medida sucede esse aumento da exploração?

A distribuição internacional do trabalho, num contexto de multipolarização imperialista, pode dar sugestões para compreender a febre pelas exportações que o capitalismo tanto apregoa.

Em primeiro lugar, uma economia orientada para as exportações é uma economia virada para a competitividade internacional, ou seja, em permanente disputa pelo patamar inferior dos custos de produção. Sendo o custo do trabalho uma das componentes dos custos de produção e a única que não representa para nenhum monopólio ou grupo uma apropriação directa, acaba por ser essa a componente mais disputada. Daí que observemos sempre o custo do trabalho a cair, enquanto que os restantes custos de produção se mantêm ou aumentam, nomeadamente o custo dos transportes, da energia, da logística, e o custo do crédito. 

Em segundo lugar, a supressão de custos de produção exclusivamente do lado dos salários, coloca as grandes empresas em cada vez maior vantagem por duas vias: a) pela via da vantagem numérica e b) pela via da compressão do mercado interno de que depende a maior das pequenas e médias empresas. Isso conduz a uma evidente concentração monopolista, à eliminação da actividade económica. 

Na verdade, ambas essas consequências são uma só, pois a concentração capitalista é isso mesmo: a supressão da retribuição salarial e a aglutinação monopolista do capital.

quarta-feira, 27 de março de 2013

A produção cultural e artística e a resistência

Embora não possamos cristalizar em torno do conceito gramsciano de "hegemonia", tal concepção não pode ser totalmente colocada de lado na avaliação da correlação de forças materiais e imateriais de cada momento histórico. A luta de classes não é um episódio, é um processo permanente, uma dialéctica constante e o para o seu estádio de desenvolvimento contam inúmeras variáveis interdependentes. Nesse conjunto vasto de variáveis, o desenvolvimento dos meios de produção e das forças sociais (capital e trabalho) serão certamente as determinantes. Mas a hegemonia, o contexto de cada momento, as relações sociais e as percepções individuais e colectivas que delas se façam são factores que, não determinando o curso da História no sentido largo, determina a sua precipitação, e as tendências mais episódicas.

Se não é certamente possível alterar a hegemonia antes de alterar as relações sociais, também não é possível alterar as relações sociais sem alterações na hegemonia. Esta é a verdadeira dimensão da dialéctica e do materialismo dialéctico. 

Na permanente tensão, mesmo no contexto de diluição da luta de classes na doutrina dominante ou na sua total subversão pelos instrumentos de domínio ideológico, a hegemonia não elimina a existências das correntes resistentes, embora tenda a esmagá-las gradualmente. O grande problema é que a classe dominante, a burguesia, ao consolidar o seu domínio ideológico vem conseguindo um compromisso de colaboração com franjas do proletariado mais afastado do processo de transformação e do operariado e, ao mesmo tempo, a atenuação da ideia central de "luta de classes" entre algumas parcelas do proletariado e dos trabalhadores. Isso não significa que não existam forças que persistem na difusão da perspectiva ideológica oposta e que, boa parte do operariado, organizada em sindicatos e partido de classe, forças não abraçadas pela hegemonia, mas resistindo a esse domínio imposto pela classe dominante, promovendo uma "hegemonia" circunscrita, ideologicamente subversiva e resistente. 

É essa resistência de classe, organizada ou espontânea e gradualmente consolidada, que confirma a existência de brechas na hegemonia e que, mesmo em contexto de domínio da burguesia, pode alcançar conquistas significativas, em função do grau de envolvimento das massas. O abatimento social das camadas intermédias e do proletariado colaboracionista, por força do processo de acumulação capitalista, gera mais um potencial efluente que desagua nesse largo rio da luta, que entra cada vez mais em regime turbulento e quase torrencial.

Mas servem as linhas acima, não tão curtas quanto desejado, apenas para introduzir umas breves notas sobre a resistência cultural e a importância da livre fruição e criação culturais e artísticas, tão ofendidas que são pela classe dominante, em Portugal, ao longo dos anos, pelos sucessivos governos PS, PSD e CDS. Que objectivos prossegue a política de asfixia às artes e à cultura em Portugal? O economicismo e a falta de recursos financeiros são o recorrente pretexto e, por recorrente, a mais difundida mentira. Na verdade, apenas 20 milhões de euros são afectos ao apoio às artes em Portugal, sendo que 4,5 milhões são distribuídos em acordos indirectos, 5,5 milhões distribuídos em apoios directos e 10 milhões distribuídos para a produção cinematográfica. 

Esses recursos são provenientes, não dos impostos dos portugueses mas de taxas específicas aplicadas sobre o consumo de bens culturais e sobre os jogos da Santa Casa da Misericórdia. Na verdade, praticamente não existe qualquer afectação de receita fiscal a esta função do Estado prevista na Constituição da República Portuguesa. As funções culturais do Estado não significam que o Estado deva ser programador cultural, apesar de poder ter esse papel residual no panorama nacional. Antes significam que o estado deve assegurar a liberdade de criação e de fruição culturais e artísticas. 

A classe dominante, através dos governos ao seu serviço, tem vindo a aplicar a política inversa: coloca o Estado na figura de programador oficioso, promovendo uma cultura de regime, neutralizante, kitsch e mercantil; enquanto esmaga a possibilidade do cidadão criador, da participação popular na criação artística e na fruição da produção própria e alheia. Os recursos do Estado são afectos a mercados livreiros, às chamadas indústrias criativas, às produções artísticas do vazio e do inútil, às figuras de proa de uma arte complacente e parasita do regime capitalista.

A arte é um valor humano e social assim que toca o outro e a sociedade. A arte e a cultura são elementos que compõem a hegemonia, contribuem para a sua consolidação ou corroem-na, abrindo o caminho à emancipação. A criatividade artística precede muitas vezes a própria criatividade no processo produtivo e na vida social e, a arte é também por isso um valor social inestimável e desempenha um papel crucial na evolução das relações sociais e no progresso da Humanidade. É a visão livre do mundo, a sua interpretação sem limites, dogmas ou imposições estéticas, formais ou económicas que permite também abrir a janela para o futuro. Em ideia e em sonho, em tintas ou em movimentos, em sons ou esculturas, materializa-se a criatividade que está também na base do avanço social e humano. 

A asfixia imposta às estruturas de criação artística, o silenciamento e a censura financeira aplicada visam com clareza calar as vozes da resistência e da criatividade. Visam calar a liberdade e a alternativa. Visam alargar o mercado e a hegemonia ideológica do capital, visam fechar a janela do futuro.

Mas abriremos sempre, nem que seja a punho, as janelas necessárias, não para vermos ao longe o futuro, mas para nele caminharmos erguidos, livres e iguais.

sexta-feira, 22 de março de 2013

o resto é conversa

Não há qualquer forma de superar o actual estado dos problemas enquanto os compromissos de classe não forem revelados e claros para todos. Enquanto dominar e persistir o discurso do "fim da luta de classes" e enquanto durar a cultura de cooperação entre o proletariado, o pacto de classe sangrento e velado continuará a fazer vítimas.

Enquanto o proletariado, mesmo o que se deixou embevecer por um capitalismo que lhe assegurou uma existência cómoda, mesmo o que viveu na sombra da burguesia, e enquanto as camadas intermédias e a pequena-burguesia não assumirem a ruptura com a teoria da "cooperação de classe" que, mais ou menos conscientemente assumiram, não há forma de abordar a alternativa política fora do espartilho partidário proto-clubístico.

PS, PSD, CDS, pouco importa. O que importa é o interesse de classe que servem e representam.

A grande burguesia sabe-o bem. Parte do proletariado e da pequena burguesia também o sabe. Mas a comodidade da cooperação é sedutora, mesmo quando apenas ilusória. Estou convencido de que o Capital, na sua senda de incontidas avidez e voracidade, não deixará que a ilusão perdure muito mais. E quando essa ilusão se desfaz, resta ao capitalismo a fusão do Estado com o monopólio, o fascismo e a imposição pela força da exploração. Afinal de contas, a social-democracia é só a cara bonita do fascismo. E o fascismo a cara feia da social-democracia. Ambas, do capitalismo.

Esquerda, direita, nunca fez menos sentido a categorização. Reaccionário e conservador ao serviço do capital, ou revolucionário e progressista ao serviço do povo. O resto é conversa.

quarta-feira, 13 de março de 2013

AbriLisboa

Eu sou um filho de Setúbal que aprendeu a amar Lisboa. Uma espécie de filho adoptivo da Cidade.
Aprendi a amar Lisboa pela sua densidade, pela sua textura humana e pela sua matriz histórica e física que traduz esses séculos de humanidade.
Aprendi a amar as avenidas largas e os becos esconços.

O Alvito, a Ajuda, a Madragoa, Alfama, Mouraria, Beato e Graça, mas também a Alameda, a Liberdade, o Terreiro.

Aprendi a amar o Jardim da Estrela, a Tapada das Necessidades, o Miradouro Sophia de Mello Breyner Adresen, o Jardim Botânico e o Jardim do Torel. Aprendi a contemplar o Tejo em Alcântara, no Terreiro do Paço e no Parque das Nações. Aprendi a gostar das tascas que não conhecia e que por bairrismo setubalense me recusava a visitar. Aprendi a gostar da poesia a cheirar a sardinha e a comprar rifas na "voz do operário". Aprendi a não me chatear com uma multidão torrencial a disputar cervejas nos santos. Aprendi a decifrar que Lisboa não tem sotaque porque tem todos os sotaques do mundo.
Que Lisboa não tem prato típico porque tem todos os pratos típicos. Que em Lisboa há tanto Minho como Alentejo.

Estudei e trabalho em Lisboa há mais de dez anos. Comecei por conhecer apenas as linhas metro sem qualquer relação com o território superficial da cidade. Hoje, consigo percorrer quase todas as ruas sem GPS e ir de moto de Monsanto aos Olivais em dez minutos. Essa vivência em Lisboa, de Lisboa, dá-me e deu-me uma imagem de Lisboa e um sentir de Lisboa.

Uma imagem de Lisboa, de relíquias turísticas, de Praças Bonitas e de arranjos florais. Uma imagem de Lisboa de panfletos escritos em inglês e alemão. De velhinhos estrangeiros em autocarros sem tejadilho. Uma imagem de Lisboa moderna no Parque das Nações, nos centros comerciais do tamanho de vilas. Uma imagem da Lisboa do Terreiro do Paço, dos chalets do Restelo, da Marginal de luxo ali já na fronteira com Oeiras. Uma imagem de Lisboa por onde passam carros novos e por onde os antigos não podem circular. Uma imagem de Lisboa, cultivada pela distância dos órgãos de poder autárquico da Cidade, de desenvolvimento meramente físico, de melhoramento paisagístico das regiões da elite. De ópera no São Carlos. De concertos no Coliseu. De estética desportiva no Holmes Place e outros mercados da aparênccia. Uma imagem do roteiro turístico de Lisboa por onde as estradas e arruamentos estão arranjados, por onde as casas velhas estão tapadas com largos panos com anúncios de obras que nunca vêem ou com anúncios de fundos de investimento bancários. Esta é a imagem de Lisboa para o visitante. Talvez mesmo para quem aqui venha trabalhar e não viver.

E depois há um sentir Lisboa. Não a Lisboa da constante campanha eleitoral de António Costa, não a Lisboa dos carros novos e dos arruamentos cuidados. Há a Lisboa do milhão de casas abandonadas, destruídas. A Lisboa dos 2 mil desalojados. A Lisboa de Alfama escavacada, das ruas esburacadas da Estefânia, do movimento associativo sem instalações e sem apoio. Há a Lisboa das fábricas encerradas, dos milhares de desempregados, dos jovens forçados a sair. A Lisboa da toxicodependência e da falta de ocupação dos tempos de livres dos jovens. A Lisboa dos complexos desportivos encerrados. Das Áreas Urbanas de Génese Ilegal abandonadas. A Lisboa do lixo no chão, dos balneários municipais encerrados ou descuidados. A Lisboa das Torres do Alto da Eira, dos Bairros da Gebalis, dos Olivais ao Alto da Ajuda ou a Benfica. A Lisboa de quem tem as janelas partidas há meses, de quem lhes cai a ombreira da porta aos pés. A Lisboa do trânsito caótico e da falta de transportes públicos. Aquela Lisboa de quem já não consegue ir ao Centro de Saúde porque lhe retiraram a carreira, ou de quem já não vai à Ribeira porque não pode pagar o Bilhete do Elevador da Bica. A Lisboa de quem não consegue dormir no Bairro Alto.

Há a imagem de Lisboa, bem cuidada, bem tratada por especialistas do marketing. E depois há o sentimento. Aquele gerado por um exercício de poder que virou as costas às necessidades da população, que dedicou milhões aos jogos especulativos enquanto lançou um manto de aparente modernidade sobre a cidade. O velho do bairro que não consegue caminhar ao longo dos buracos do escasso passeio, que não tem elevador na casa da Gebalis ou mesmo porta da rua, que não tem autocarro para o trazer ao centro da cidade, esquece tudo isso porque viu na TV um bonito Terreiro do Paço ou uma modernaça Rotunda do Marquês. A mãe que não tem onde estacionar o carro e que deixa o seu filho no infantário privado porque não há público esquece esse problema porque viu nos jornais que António Costa inaugurou uma exposição.
O jovem sem emprego, ali das Galinheiras, que resitiu à toxicodependência, que não tem acesso ao desporto público, nem à cultura que só vive no centro da cidade, nem à colectividade fechada por falta de apoio, esquece tudo isso quando vê que em Lisboa há um Concerto da moda a que nunca poderá ir.

Gosto das duas Lisboas, da imagem e da vivência, da que se vê e da que se sente.

E Lisboa é mais gente do que gente é quem dessa gente se usa.

Há a Lisboa da troca de créditos de construção, da permuta ilegal de terrenos, das grandes negociatas, da desindustrialização, do escasso pré-escolar, a das freguesias agrilhoadas e extintas. A do PS e PSD. E há a Lisboa dos bairros, das pessoas, onde de pouco vale um Terreiro lavado quando as ruas estão imundas e onde de pouco vale uma Câmara Municipal para cortar fitas a interesses privados e hotéis de charme quando há mercados velhos, escolas a cair, saneamento por fazer, limpeza urbana sem se fazer, casas a cair.  Uma Lisboa que junta qualidade de vida e igualdade no acesso a essa qualidade. Uma Lisboa que não é só para quem pode, mas para todos os que aqui ainda conseguem e querem viver. Uma Lisboa assim é uma Lisboa CDU. Uma Lisboa de Abril.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Fala da burguesia

Antes, tudo estava como a ordem supunha, como deus queria, pois nós assim ditávamos.

Antes da rebaldaria, da selvajaria, da ocupação das nossas terras e fábricas, nós podíamos exigir-te que trabalhasses de sol a sol, sem salário mínimo. Antes de Abril, nós podíamos ditar-te horários, salários, férias.

Antes de Abril, com o Estado a nosso lado, nós podíamos distribuir a riqueza como bem nos aprouvesse, à custa da vossa miséria, exploração e iliteracia. Ainda antes de 1940, 4,3% das nossas sociedades anónimas já detinham 53% do capital do país. E nos campos abaixo do Tejo, toda a terra era minha. Nessa altura é que as coisas funcionavam bem: a polícia não servia para te proteger, não tinhas subsídio de desemprego o que te obrigava a estares disponível para trabalhar pelo que eu quisesse pagar-te. Velhos tempos. 

Mais tarde, começaste a chatear-te com a tua taxa de mortalidade, com a tua baixa esperança de vida, com seres parte de uma maioria de 60% da população que não sabia ler nem escrever. E isso foi um problema porque me obrigaste a permitir a entrada de capitais estrangeiros nas estruturas accionistas das minhas empresas porque sozinho não podia combater-te. 

Mas nas minhas terras, quem mandava era eu antes de mas roubares. Felizmente, o Governo de Mário Soares e o Ministério de Barreto foram sensíveis às minhas necessidades e deram-mas de volta com direito a uma pequena indemnização. Mas pronto, Cavaco Silva, depois compensou-me dando-me uns milhões de contos para eu te mandar para o olho da rua e deixar as terras ao abandono, investindo o dinheiro no meu bem-estar que é, afinal de contas, o que interessa.

Claro que tu gostas dos teus privilégios na saúde, mas onde fica o meu direito a vender-te apoio na doença?
Claro que tu gostas dos teus privilégios na Educação, mas onde fica o meu direito a um escravo qualificado e submisso? E o meu direito a vender-te o Ensino que me convém que adquiras?
Claro que gostas do teu privilégio chamado subsídio de desemprego, mas onde fica o meu direito a pagar-te apenas o que me apetecer para que trabalhes para mim?
Claro que tu gostas do teu privilégio de teres transportes públicos, mas onde ficaria o meu direito a organizar como quero a tua vida e ainda fazer dinheiro com os bilhetes?
Claro que tu gostas do teu privilégio de ter reforma, mas onde ficaria o meu direito a ficar com o dinheiro da segurança social em fundos que controlo para investir onde me apeteça? 
Claro que gostas do teu privilégio de te reformar quando chegas a velho, mas onde ficaria o meu direito a penalizar-te na reforma por deixares de trabalhar tão novinho?
Claro que gostas do teu privilégio de beberes água quando te apetece, mas onde ficaria o meu direito a encher a piscina que tenho à beira-mar e de te cobrar por dares de beber aos teus filhos?
Claro que gostarias de ter o privilégio de passear na praia, na serra, na floresta, mas onde ficaria o meu direito a construir lá casas para os meus amigos e a vender bilhetes para os teus filhos irem lá na visita de estudo?
Claro que gostas do privilégio de ter teatro, circo, poesia, literatura, dança, música, mas onde ficaria o meu direito a vender-te lixo para te entreter?
Claro que gostas do privilégio de praticar desporto, mas onde ficaria o meu direito a enfiar-te futebol pela goela enquanto te neutralizo e faço uns milhões em publicidade?
Claro que adoras esse privilégio de ver as mulheres ganhar o mesmo que os homens, mas onde ficaria o meu direito a pagar menos a todos?
Claro que gostas de ter o privilégio de ter polícias para te dar segurança, mas onde ficaria o meu direito a ter polícia que te espanque quando me chateias?
Claro que gostas do teu privilégio de ver o teu filho feliz na creche gratuita, mas onde ficaria o meu direito de cobrar para que tenhas onde o deixar enquanto vais trabalhar?
Enfim...
Claro que tu gostas do teu privilégio de poderes votar em quem queres, mas onde ficaria o meu direito a escolher quem quero para capataz?

Sejamos pragmáticos. Eu fico com 60% do total da riqueza gerada em Portugal. Tu ficas com 40%. 
Porém, como tu és um abusador dos serviços do Estado, pagas tu 73% do seu funcionamento e eu, por enquanto, ainda pago 27%. Mas, estou convencido de que, por este andar, chegará o dia em que o pagarás todo para que ele em sirva a mim exclusivamente. É um bom contrato social: tu pagas, eu sirvo-me.

Continuemos o pragmatismo: para quê gastar 6 mil milhões de euros anuais no funcionamento de escolas, quando temos 7 500 milhões de juros anuais para pagar aos meus amigos lá fora que depois me dão sempre qualquer coisa? É que isto não dá para tudo...

É por isso que é preciso reconfigurar o Estado. Porque há despesas que não tens de fazer para que o estado me sirva. Porque escusas de gastar em educação, saúde, água, saneamento, ambiente, cultura pois tudo isso eu te vendo, embora um pouco mais caro, é certo. E sim, com um bocadinho menos de qualidade. Mas assim libertamos os teus cada vez maiores impostos para o que importa: os meus juros e os meus subsídios e indemnizações só por ter de te aturar.

Assim sim. Um estado para mim, pago por ti.
Mas nunca, nunca me ouvirás ser tão sincero. Que isso da verdade, é coisa de revolucionário.