sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Menos Estado / Mais Estado

A reconfiguração, reforma, ou que lhe queiram chamar, que PS, PSD e CDS assumem necessária para assegurar a sustentabilidade do Estado resulta de uma estratégia política de classe intimimante ligada à restauração capitalista e reconstituição monopolista que está em marcha pelas mãos desses partidos desde 1976 até hoje.

A questão nem é tanto "menos ou mais Estado", mas é antes: onde colocar as capacidades do Estado e para onde dirigir a sua intervenção.

A questão não é se há mais ou menos Estado na Cultura: é se o Estado destina os seus esforços, os impostos dos portugueses para a livre criação e fruição artísticas e culturais ou se investe apenas na programação e compra de espectáculos de elite em salas de luxo, deixando o povo afundar-se no lodaçal da cultura dominante do entretenimento e entorpecimento.

A questão não é se há polícias e forças de segurança: é para que servirão, se o Estado dedica as forças policiais ao cumprimento da lei e à garantia do direito à segurança dos cidadãos ou se a utiliza como força política de imposição da ordem e da força da classe dominante. É se o Estado tem polícias para impedir a destruição ilegal de empresas ou uma polícia para espancar e prender trabalhadores em greve.

A questão não é se há Escola Pública: é se a Escola Pública é orientada para a eliminação das assimetrias ou se é destinada a reproduzi-las e aprofundá-las, reservando o conhecimento para as elites económicas, fazendo-lhes corresponder as elites científicas.

A questão não é se há intervenção do Estado nos mercados: é se ao Estado cabe impor regras e limitações na liberdade dos mercados privados para impedir o atropelo dos direitos dos trabalhadores e a criação de monopólios, ou se o Estado intervém nos mercados para facilitar a destruição desses direitos e para contribuir para a criação desses monopólios.

A questão não é se o Estado cobra impostos: é se os aplica na Escola, na Saúde, na protecção social, nos serviços públicos, na defesa nacional ou se os aplica no resgate de banqueiros criminosos e na contratação de mercenários.

Portanto, menos Estado para uns é mais Estado para outros. E eles querem o Estado integralmente ao seu serviço e, de preferência, integralmente pago pelos que do Estado cada vez menos recebem. Eles querem menos Estado para quem trabalha, mais Estado para quem vive do trabalho alheio, pago, sempre, pelos últimos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

PS(D)/CDS

O padrão comportamental do Partido Socialista é cíclico e previsível. No poder comporta-se como o batedor da direita, como aquele que vai à frente a limpar e preparar o terreno.

No poder, faz as leis que privatizam a segurança social, que permitem a privatização das àreas protegidas e recursos naturais, que permitem a privatização das escolas e universidades, o aumento das propinas, a privatização da água. No poder faz leis que flexibilizam ainda mais o horário de trabalho e as relações laborais, que generalizam a precariedade laboral e aumentam as taxas de exploração.

Na oposição esbraceja, ainda que por vezes muito timidamente, contra a privatização da segurança social, contra a privatização das áreas protegidas e recursos naturais, contra a privatização de escolas e universidades, contra o aumento das propinas, a privatização da água. Na oposição queixa-se contra a precariedade laboral e o desregramento dos horários. Enfim, é uma dança constante em que PS ora faz de polícia bom, como de polícia mau com os restantes parceiros da política de direita, o PSD e CDS. A alternância constante vai-lhes permitindo, de há 37 anos para cá, passar por cima do nosso discernimento colectivo uma esponja com a mais vil lixívia, que nos apaga a memória e nos seduz pela imagem sempre limpa de uns ou outros conforme a circunstância o exija.

O PS, desta feita, estava numa alhada: a subscrição pública - e a responsabilidade da autoria - do memorando da troika, um autêntico pacto de submissão e de agressão, juntamente com PSD e CDS. Porém, tempo suficiente passou já para que os roubos e patifarias de Sócrates e PS nos salários, para que os cortes nas pensões, para que a privaztiação da água, da segurança social, o aumento das propinas, a "nacionalização" do BPN sejam longínquas recordações e quase saudosas ante a dimensão do ataque que agora é dirigido contra nós. Ou seja, o PS, que hoje faria exactamente o mesmo que fazem agora PSD e CDS, tem neste momento um capital de tempo a jogar a seu favor: 2 anos sem estar no Governo e 2 anos de Governo traidor, sequestrador, de submissão, colaboracionista. E está já a usá-lo.

Vejam bem: agora que a distância lhes vai permitindo sacudir a água do capote, um deputado do PS afirmou numa manifestação de inquilinos contra a lei dos despejos que tudo fará para que seja aprovada uma moratória bla bla bla e que o que é preciso é unidade e união, para assegurar os direitos dos inquilinos. Ora, presumo que não estivesse a apelar à unidade com PSD e CDS que são os partidos autores da lei em vigor, como tal, estaria a referir-se ao PCP e ao BE - ambos presentes também na manifestação.
Claro está que a Deputada do BE que ali se encontrava não referiu uma única palavra sobre o assunto e preferiu contribuir para a ideia de que o PS agora era também humanista e digno partido de esquerda. Provavelmente terá ido contente com o "piscar do olho" do PS e já se estáa ver num "Governo de Esquerda". Porém, é ou não verdade que foi o PS que redigiu a versão inicial do pacto?
É ou não verdade que na versão inicial do Pacto já vem a referência muito explícita à liberalização do mercado de arrendamento e à liberalização das rendas? É ou não verdade que, já antes disso, no PEC4, o PS colocava essa exigência?

Outra coisa não poderia o PCP ter feito que denunciar a trafulhice.

Cheira certamente a intensificação da luta, a governos a tremer e a eleições. Porque o PS já fala de "Unidade" e já se diz de esquerda. Há até já deputados do PS que dizem que o euro é uma arma de destruição maciça, depois de terem dito há uns tempos atrás que o euro era a mais sagrada das questões europeias e que a culpa da precariedade laboral em Portugal era dos sindicatos.

Saibamos nós denunciar. Afinal de contas, 2 anos não são assim tanto tempo!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

sobre a condição material do eleito comunista

A tarefa parlamentar e outras tarefas institucionais têm-lhes inerente um conjunto de mordomias, de benefícios, materiais e imateriais. Desde os vencimentos e ajudas de custo ao prestígio e visibilidade pública de que muitos gostam. Ora, eu não partilho da ideia de que os deputados portugueses têm condições inaceitáveis, por demasiado boas. No entanto, tendo em conta o nível médio do vencimento dos trabalhadores portugueses, os seus horários de trabalho, e as pressões laborais, existe uma assimetria injusta e que se torna injustificável.

A questão, todavia, não é tanto que os deputados ou outros responsáveis institucionais aufiram quantias obscenas, mas sim que os trabalhadores ganhem tão pouco e tenham tão poucos direitos. O que está mal não é o deputado ganhar 2500 euros, é o trabalhador ganhar 500.

No entanto, escreve-se este texto para aprofundar a questão do estatuto material dos eleitos comunistas em órgãos institucionais da democracia. Que motivos levam o Partido Comunista Português a inscrever nos seus estatutos que os membros do Partido eleitos em cargos institucionais não podem ser beneficiados nem prejudicados materialmente? Ou seja, por que entregam os eleitos comunistas o rendimento correspondente à tarefa, ao Partido?

Julgo existirem múltiplas razões, talvez mais do que as que escreverei. Mas ficam as que considero fundamentais:

i. A impossibilidade de ser beneficiado materialmente pelo desempenho de tarefa pública quando eleito pelo PCP cria um ambiente de adversidade ao carreirismo e ao oportunismo. Embora a tarefa possa implicar mais visibilidade pública e mais projecção, ela não implicará de qualquer forma, uma vantagem material.

ii. A entrega da diferença entre o vencimento anterior e o vencimento de eleito ao Partido constitui uma forma de compromisso político e militante, expressa em disponibilidade revolucionária para contribuir também para os fundos do Partido, mas também para aceitar responsabilidades militantes, no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, sem remuneração. A convicção e o empenho também se podem medir pela disponibilidade de um comunista para assumir tarefas sem benefício material.

iii. A sujeição do eleito comunista a esta regra implica viver exactamente nas condições materiais em que viveria caso nunca tivesse eleito. Ou seja, elimina o factor referido no primeiro parágrafo sobre a assimetria de rendimentos entre o eleito e o eleitor. Isso dá ao eleito comunista uma legitimidade absolutamente diferente para reflectir, agir e falar, sobre a situação social e política. Um eleito do PSD não pode dizer "nós" quando se refere ao povo porque ele não tem qualquer relação material com o povo que supostamente representa. O eleito comunista tem toda a legitimidade para falar na primeira pessoa do plural, na medida em que se encontra sujeito a um rendimento igual ao da generalidade dos portugueses com formações e profissões similares à sua. Por essa via, não podendo elevar os rendimentos dos portugueses, aproxima-se da generalidade desses rendimentos por abdicar do seu.

Na actual situação política e económica, com as consequências no plano social que dela advêm, o afastamento do eleito e da população é um elemento de desagregação democrática - é-o aliás sempre. Neste contexto, os ataques à democracia, formal e vivencial, são mais ferozes, mais profundos, na medida em que o avanço da restauração capitalista se dá com maior vigor. Por isso mesmo, maior, mais amplo e mais veemente, tem de ser o esforço dos comunistas de se demarcarem das práticas da democracia burguesa, acusando as suas imperfeições, insuficiências e vícios, mas sem correr nunca o risco de engrossar a torrente demagógica do anti-parlamentarismo como expressão da anti-democracia que o capital anseia.

A democracia burguesa, o parlamento como se configura, é insuficiente para o progresso. Mas a sua substiuição por uma câmara de deputados todos iguais, ou a sua simples supressão, representariam retrocessos demasiado íngremes na escalada para a democracia que devemos encetar depois da interrupção - pelas mãos de PS, PSD e CDS - a que foi sujeito o processo revolucionário. Aproximar os eleitos das massas, acusar a prática política de PS, PSD e CDS que faz com que os portugueses tenham 485 euros é a tarefa do eleito comunista neste tabuleiro da luta ideológica sobre a democracia formal. Queremos viver num país em que seja obsceno ganhar 485 euros e não seja mais do que natural ganhar 2500.