quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

da "unidade das esquerdas"

Há um mito sobre a "unidade da esquerda" ou sobre a "unidade das esquerdas" que me faz uma certa confusão e que julgo prejudicar o debate e o surgimento de soluções políticas que se configurem como alternativas. De certa forma, posso simplificar as minhas apreensões:

1. Diz-se muitas vezes que a direita está unida e que a esquerda precisa do mesmo. Ora, então vejamos, PSD e CDS nunca precisaram de fazer coligações pré-eleitorais para governar, e quando as fizeram nem sempre ganharam. Além disso, importa dizer que a convergência da direita abrange o PS, como se viu nos últimos governos de Sócrates que aprovaram mais de 90% de todas as suas propostas com o voto favorável da direita.

2. Enquanto que a "unidade da direita" é uma convergência de classe, traduzida depois na convergência partidária; na esquerda insistem em criar mecanismos artificiais de "unidade da esquerda" que não radicam na unidade de classe, mas na pulverização de cúpulas que ensaiam o discurso da unidade.

3. A suposta "esquerda" que apregoa a "unidade" ilude e contribui para a confusão entre os conceitos políticos fundamentais para ultrapassar o momento político em que nos encontramos. A unidade necessária não é de cúpulas de gente ou partidos ou movimentos que traga estampado um rótulo de esquerda, porque a "esquerda" é um conceito vago e móvel segundo o prisma. A questão central não é unir a esquerda, mas unir a classe, unir as classes. Unidas as massas, a resposta política surgirá pela concretização da democracia que se torna incontornável perante a unidade. Ou seja, unidos que estejam todos os trabalhadores e ganhas que estejam para a unidade as camadas intermédias da população, a resposta partidária surgirá, tal como surge a resposta partidária PS(D)CDS à "unidade" dos capitalistas.

4. O problema coloca-se, pois, na própria compreensão do que é preciso unir e do que não é preciso unir, bem como do que é fundamental que se una e do que não é fundamental que se una. E essa confusão, a falta dessa compreensão, que faz privilegiar fusão ou "unidade" de cúpulas ou organizações em vez da convergência de massas na acção e unidade de classe, contribui objectivamente para a desagregação da classe porque a ilude com "unidades" inúteis, falsas e inconsequentes.

5. A pluralidade de visões ditas de "esquerda" e de movimentos ou forças de esquerda não é um problema: não é um problema que co-existam BE e PCP, mas começa a tornar-se um problema a constante elevação da "unidade" a objectivo sagrado de organizações que, em momentos certos, convergirão na medida da convergência que nas bases se verifique e que, em outros momentos, divergirão expressando também a natural diversidade das abordagens. A própria "unidade" é um processo e, em momento nenhum, esse processo passa pela "união de partidos". Essa "união" pode, no entanto, em momentos muito concretos ser um instrumento e nunca um objectivo.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

de avaliação positiva em avaliação positiva, até à destruição total

O Pacto de Agressão assinado por PS, PSD e CDS e pelo FMi, BCE e UE tem sido um tremendo sucesso. 

Na verdade, os objectivos com que o Partido Socialista enviou o à troika estrangeira as suas disponibilidades e compromissos em Maio de 2011, estão muito claros no texto desse Memorando. Os objectivos eram desde o início os mesmos: assegurar a constituição de novos monopólios e a protecção dos existentes, por um lado; e o aumento da taxa de exploração do Trabalho pelo Capital, por outro.

Ora, as sucessivas avaliações positivas demonstram que o Pacto de Agressão tem cumprido os objectivos apontados. Claro que nenhum dos objectivos reais do Pacto corresponde àqueles propagandeados por PS, PSD e CDS, nomeadamente, o combate ao défice e a diminuição da dívida pública. Esses dois supostos objectivos mais não são senão o pretexto político e o instrumento de política económica e financeira através dos quais se atingem os reais objectivos que já referi.

As nove avaliações positivas não significam que a economia portuguesa está melhor hoje do que estava em 2011, não significam que os portugueses estão a ser beneficiados com a política económica em curso e também não significa que se está a processar um qualquer tipo de "ajustamento orçamenta" ou "consolidação das contas públicas". Antes pelo contrário, a economia está moribunda, o desemprego é galopante e criminoso, a produção cai e o consumo interno prossegue uma tendência de degradação, enquanto que a procura externa também não responde positivamente. Ao mesmo tempo, o país está mais pobre, mais deficitário, mais endividado e sem mecanismos de soberania e económicos com controlo democrático capazes de retirar Portugal do lodaçal em que os "parceiros internacionais" e os títeres da troika doméstica o colocaram.

Ao fim de nove avaliações positivas:

i. a distribuição de rendimentos em Portugal pende cada vez mais para o Capital e os impostos directos recaem cada vez mais sobre os trabalhadores. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Reforça os lucros dos grandes grupos económicos e faz com que sejam os trabalhadores a suportar os custos de um estado que já não os serve, para servir precisamente esse grupos.

ii. o serviço público de educação está cada vez mais orientado para a formação profissional, deixando o ensino abrangente para as elites dos colégios e o governo prepara-se para implantar em Portugal as escolas-charter. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Reforça a capacidade de exploração do Trabalho pelo Capital e entrega milhões ao oligopólio dos privados da Educação, enquanto assegura que apenas acede ao Conhecimento quem pode pagar, ou seja, os filhos das classes dominantes.

iii. o serviço público de arte e cultura está desmantelado. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Censura a liberdade de criação e impede a livre fruição artística e cultural, fragilizando o nível cultural das massas, favorecendo a submissão. Ao mesmo tempo, entrega nas mãos do monopólio da organização de eventos e da distribuição de cinema, um mercado de monocultura, capitalista e entorpecedora. 

iv. a banca está mais robusta, apesar de o ter conseguido por força das brutais injecções de capital vindas do Estado e da supressão da actividade produtiva. Isso e positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Assegura a protecção do oligopólio da banca privada e coloca nas mãos dos bancos privados a capacidade de decidir onde se destinam recursos que eram públicos e passam a ser privados.

v. o país está mais endividado. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Intensifica a exploração sobre os portugueses, retira soberania ao estado e acrescenta juros como ganhos dos que criaram a dívida. 

vi. o país tem um desemprego criminoso. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. O desemprego contribui como nenhum outro instrumento para baixar o valor do Trabalho. É tão simples como a lei da oferta e da procura: muita oferta, pouca procura, salários miseráveis. Com o desemprego atingindo os actuais níveis, os salários dos portugueses caem a pique e os lucros dos grupos económicos sobem vertiginosamente. 

vii. o serviço nacional de saúde é cada vez mais inacessível e cada vez mais incapaz de responder às necessidades da população. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Entrega ao oligopólio privado da Saúde um negócio de milhões: a doença dos portugueses. Um serviço nacional de saúde público poupa milhões com a saúde, um privado lucra milhões com a doença.

viii. as pequenas e médias empresas fecham as portas diariamente e encerram em cada esquina. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Concentra a actividade económica nos monopólios e oligopólios, fechando restaurantes, cafés, pequenos hotéis, mercearias, cabeleireiros, mini-mercados, lojas de informática, lojas de roupa, drogarias para as substituir por esplêndidos templos do consumo financiados pela banca e explorados pelos grupos monopolistas da distribuição.

ix. o governo vende empresas públicas ao preço da chuva. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Entrega alavancas fundamentais da economia nacional, serviços essenciais e infra-estruturas determinantes nas mãos de grupos económicos que as gerem de acordo com o interesse dos seus accionistas. Ao mesmo tempo, concentra milhões de lucros nesses grupos em vez de esses milhões serem lucro do estado para o investimento necessário. Um negócio perfeito para salvaguardar os monopólios existentes e ajudar novos a surgir.

x. o país produz menos e consome menos. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Baixa a produção nacional e submete mais o país ao ciclo vicioso da dívida e da submissão aos "mercados financeiros", retira soberania e subtrai democracia na economia e submete os portugueses à miséria e ao empobrecimento crescente e acelerado. 

Portanto, não é uma teima. É um facto. Se as avaliações da troika ocupante e da troika doméstica são positivas é caso para perguntar: positivas para quem? E é por isto, e só por isto, que os comunistas afirmam: O sucesso do Pacto e do Governo é o falhanço do país. E é por isso e só por isso que os comunistas afirmam: Derrotar este Governo e este Pacto não será o suficiente para o sucesso do país, mas são a mais urgente das tarefas, pois sem esse objectivo cumprido, todos os outros são miragens.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

dos "sacrifícios para todos" à luta de classes

A propaganda de regime sobre os “esforços” e os “sacrifícios” que “todos temos de fazer” é constante e cada vez mais insistente. Não é de estranhar que haja uma reacção a essa propaganda, por parte das camadas com nível cultural mais elevado, que a questione, tal como não é de estranhar que junto das camadas mais castigadas e com menos acesso à cultura e à informação alternativa essa propaganda provoque cada vez mais o efeito desejado.

Os meios dominantes de comunicação social, a educação de massas, o discurso político dominante reproduzem intensamente essa tese. Para quem conceba a “nação” como uma espécie de “família”, onde não colidem interesses, essa tese faz sentido. Daí que a neutralização da percepção do conflito de classe seja um objectivo tão importante para a classe dominante.

Muitas pessoas, muitas camadas populares não compreendem a acusação que os comunistas dirigem aos sucessivos governos e não decifram as posições políticas do PCP. Para essas pessoas, o Estado é como uma família, no seio da qual, todos os interesses são partilhados. Essas pessoas não concebem a economia à escala de classe, não compreendem – porque não conhecem – as teses da luta de classes. O problema não está na incapacidade de compreensão, nem nos “olhos fechados”, muito menos no suposto “sono” que não permite que essas pessoas “acordem”. O problema está no efectivo acesso que essas pessoas têm ou não têm a pontos de vista diferentes e a instrumentos culturais e racionais que lhes permitam decifrar uma mensagem diferente daquela que todos os dias ouvem. Ao mesmo tempo, o problema está essencialmente na capacidade material dessas pessoas, na disponibilidade de tempo, enfim na qualidade de vida.

Temos como dever contribuir para que o conjunto da população possa compreender a mensagem que passamos: para isso é absolutamente essencial desconstruir a base da doutrina fascista que nos envolve – a de que não existe conflito de interesses entre classes numa mesma nação.

A diferença fundamental entre a economia doméstica e a economia nacional e internacional não é sequer a escala, como às vezes parece. A principal diferença reside precisamente no facto de não existirem interesses opostos entre os membros de uma família e existirem interesses profundamente antagónicos entre as classes. Assim, quando falamos de “uma família quando gasta demais tem de fazer esforços” partimos de um axioma comummente aceite para generalizar de forma inaceitável essa tese a um universo distinto. Ou seja, aquilo que surge como regra razoável e simples no universo de uma família é extrapolado para a economia em geral – é uma metodologia básica da manipulação de massas: partir do axioma para a mentira.

No entanto, numa família, numa economia doméstica normal, não existe exploração. Ou seja, a economia é comum, todos contribuem e todos gastam, em medidas proporcionais às suas capacidades e necessidades. Quando se introduzem relações sociais diferentes dessas na economia, muitas das regras deixam de ser transponíveis. Ora, um patrão ganha mais quanto menos ganharem os trabalhadores da empresa que detém. Um banqueiro ganha mais quanto maior for a taxa de juro cobrada sobre o empréstimo. Um acionista ganha mais quanto menos salários forem pagos. Um senhorio ganha mais quanto maior for a renda cobrada ao inquilino. Já um trabalhador não ganha mais por ser mais valiosa a mercadoria que produz.


A ideia de “esforço comum” e de “temos de fazer sacrifícios” cai por terra no momento exacto em que há quem beneficie com o sacrifício alheio. Ou seja, o interesse não é comum e isso muda toda a percepção sobre o problema em causa.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Uma sarjeta para Daniel Oliveira

Daniel Oliveira, no seu blog e provavelmente em mais uns quantos palcos, constrói uma narrativa sobre Álvaro Cunhal e o PCP das mais sobranceiras e preconceituosas que ultimamente tive oportunidade de ler. É, no entanto, verdade que habitualmente não dedico horas a buscar leituras de tão rasteiro nível e muito menos horas dedico a lê-las.

Daniel Oliveira escreve o seu preconceito, não esconde o seu ódio, e ao mesmo tempo, usa o texto para atacar especialmente o PCP de hoje, não deixando de ofender Álvaro Cunhal apesar de mais disfarçadamente. Daniel Oliveira não escreve este texto para os arruaceiros, para os fascistas e pró-fascistas, nem mesmo para os reaccionários por embrutecimento. Daniel Oliveira escreve este texto para a intelectualidade urbana, para os que respeitam a grandeza de Cunhal, apesar de terem sobre a personagem e o seu partido as mais variadas dúvidas, resultantes, em grande parte, por desconhecimento ou por permeabilidade à cultura dominante da comunicação social que tanto acarinha Daniel Oliveira.

Na verdade, partindo da realização do Congresso comemorativo do Centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, DO avança para a ofensiva dirigindo a sua crítica para a ausência de pensamento no interior do Partido Comunista Português. Segundo DO, o PCP estaria exaurido de pensadores, sem capacidade de criação de novas teses que desenvolvam criativamente o marxismo-leninismo. Não só DO demonstra um extraordinário domínio da vida interna do PCP, dos seus quadros e discussões, como manifesta uma quase chocante sobranceria. DO considera portanto que as fileiras do PCP não têm hoje pensadores, não têm quadros capazes de interpretar o mundo, de sobre ele agir revolucionariamente. Com isso, aproveita para consolidar a ideia de que a criatividade intelectual é dom próprio de uma camada social, por oposição à natureza colectiva da criatividade, independentemente das classes sociais que componham o colectivo. Álvaro Cunhal foi uma expressão de um colectivo, de um colectivo que enriqueceu e no qual se enriqueceu.

Além disso, DO demonstra um enviesamento ideológico, talvez por ter lido mal quem gaba no texto, sobre a hegemonia. Mas mais grave, sobre o marxismo de que se cobre para ter alguma, ainda que fingida, autoridade. A hegemonia ideológica, que DO afirma não existir porque o PCP não consegue construir, é resultado das relações sociais existentes e só a transformação das relações sociais pode gerar a alteração na hegemonia ideológica e cultural. O inverso é igualmente verdade, o que faz com que o processo seja, o que estou certo é incompreensível para o tão aclamado pensador, integralmente dialéctico. Mas certo é que, por mais pensadores de craveira, por mais ideólogos de topo que um partido comunista tenha nas suas fileiras, a hegemonia ideológica só é passível de materialização no decurso da alteração das relações de produção. Não sei se Gramsci compreendeu isso, mas DO não compreendeu com certeza. ~

DO desenvolve o seu miserável texto com o fito no apoucamento da personagem, assim apoucando o colectivo que a celebra, mas fá-lo com manifesta falta de conhecimento e até de coerência. É preciso ser um grande mestre para ser incoerente no universo de um só texto, mas DO consegue-o. Sobre a falta de conhecimento, importa relembrar que Álvaro Cunhal não desrespeitou as regras partidárias no combate político que se travou no seguimento de 1992. No entanto, recordo bem muitos dos que mais tarde viriam a marchar com DO, a flagrantemente desrepeitar regras fundamentais do centralismo democrático.

Mas veja-se bem a incoerência do autor, quando ridiculariza o facto de haver no PCP quem escreva que o percurso (bem como as publicações) de Carlos Brito é manifestação de oportunismo, afirmando que tal consideração é subjectiva. O mesmo autor que adiante no texto diz que Álvaro Cunhal não era humilde e que aliás, criava à sua volta um mistério como forma de se afirmar e não de combater o culto da personalidade. De considerações subjectivas, poderíamos estar conversados, não fosse DO fingir conhecer mais Álvaro Cunhal que conhecem os comunistas Carlos Brito.

Esta tentativa de embrutecimento da imagem do militante comunista, de equiparação entre "operariado" e "iletrado" ou "inculto", esta campanha de associação da imagem de um colectivo inteiro a um grupo de trogloditas, corresponde a uma mais vasta ofensiva política e ideológica que não só não é nova como era já a mais ordinária das armas nos tempos daqueles que hoje DO releva como grandes pensadores do marxismo, e contra muitos deles. Estou certo de que, vivera DO nos tempos de Lenine e estaria do lado daqueles que no partido bolchevique mais não viam que um grupo de embrutecidos operários ou dirigentes funcionalizados e manipulados.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Um orçamento, um assalto.


A economia é o substrato do desenvolvimento social, cultural e político. Só o desenvolvimento económico pode constituir a base para a concretização das conquistas de Abril. A proposta de Orçamento do Estado para 2014, apresentada pelo Governo PSD/CDS, é, além de um descarado e flagrante assalto aos trabalhadores, reformados, e pensionistas, um passo mais na reconstituição de privilégios para grandes grupos económicos e monopólios e no enfraquecimento da já débil democracia portuguesa.

Um orçamento de classe.

A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2014 é uma síntese do programa de retrocesso social que o grande capital e o seu governo pretendem aplicar em Portugal a pretexto da crise, do défice e da dívida. Traduz uma opção política de classe que afronta agressivamente os direitos sociais, culturais e económicos do povo e dos trabalhadores, corroendo igualmente a própria natureza do regime democrático. A execução do pacto de agressão assinado pela troika doméstica (PS, PSD e CDS) e pela estrangeira (FMI, BCE, UE) resulta numa profunda desfiguração do Estado resultante de Abril, num desvio organizado e protagonizado pelos próprios órgãos de soberania que reafecta a despesa pública, diminuindo a que é dirigida para assegurar direitos e protecção social e aumentando a que é dirigida para pagar os juros das dívidas contraídas junto da banca e para os encargos com as chamadas “parcerias público-privadas” (PPP), abdicando de receita através de benefícios fiscais a coberto das políticas de direita nos últimos trinta e oito anos.

É aliás por essa natureza de classe que podemos começar por caracterizar o Orçamento do Estado para 2014: ao mesmo tempo que subtrai 4 mil milhões de euros à economia através de medidas de austeridade, a despesa com juros da dívida cresce 135 milhões e ascende já a 7 239 milhões de euros e a despesa com encargos resultantes das PPP sobe 776 milhões de euros, chegando aos 1 645 milhões de euros. Isso significa que o Governo PSD/CDS renegoceia os direitos, a vida dos portugueses, o texto fundador da República, ao invés de os salvaguardar renegociando os termos, juros, prazos e montantes da dívida.

São 2 211 milhões de euros em cortes salariais e nas pensões da Administração Pública, 300 milhões de corte directo no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, num total de 784 milhões subtraídos ao Ministério da Saúde, são 425 milhões de euros retirados ao Orçamento do Ensino Básico e Secundário e mais de 10 milhões ao orçamento da Cultura. Ilustrativos do pendor de classe do orçamento são também os objectivos de reduzir em 13,5 milhões de euros a despesa com abono de família, em 6,7 milhões de euros os apoios a idosos e em 10 milhões as despesas com o rendimento social de inserção. Ao mesmo tempo, o Governo assegura através deste Orçamento a crescente garantia de emissão de dívida por parte da banca, disponibilizando 24 670 milhões de euros para essas garantias (mais 550 milhões de euros que em 2013), sendo que neste momento o stock da dívida garantida pelo Estado à banca é já de 14 475 milhões de euros.

O pior Orçamento do Estado na história da democracia exige, do total do esforço imposto aos portugueses, uma participação da banca e das grandes empresas do sector energético que não chega a 4%, através da cobrança prevista de taxas adicionais. Enquanto aos trabalhadores será esbulhada uma significativa parte dos seus rendimentos, ao grande capital financeiros e aos monopólio serão exigidas participações insignificantes, ou mesmo inexistentes, na medida em que a banca obtém, por via deste orçamento, mais negócio e mais lucros e que os grandes grupos da energia tudo farão para repercutir no utilizador final o custo das taxas adicionais.

Este é um orçamento de agravamento do roubo, de assalto à democracia e de sequestro de direitos fundamentais.

Um orçamento de mentiras.

O contexto macroeconómico que previsto no Orçamento do Estado é fantasioso e os seus objectivos são anúncios de propaganda.

O Governo pretende alimentar a ilusão de que este Orçamento representa um esforço final, de que estamos perante um momento de inversão da tendência e fantasia sobre o crescimento económico, baseado em indicadores frágeis e instáveis, ou mesmo na manipulação e na mentira. O mesmo Governo que, desde a assinatura do pacto de agressão, é responsável por cortes de mais de 20 mil milhões de euros no financiamento do Estado e das suas funções sociais, anuncia agora que prevê o aumento da procura interna (0,1%) e o crescimento do PIB (0,8%) no mesmo momento em que intensifica a ofensiva anti-democrática, os roubos sobre os salários e pensões, o ataque à Escola Pública de Abril, ao Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais e ao valor do trabalho, também no sector privado, principalmente por via do alastramento do desemprego e dos cortes nos subsídios. A continuada e brutal carga fiscal em impostos indirectos a juntar à persistente desvalorização do trabalho não podem fazer crer, como pretende o Governo, que o investimento aumente e a economia cresça.

Da mesma forma, não podemos aceitar que sejam reduzidos o défice e a dívida pela via dos sucessivos e crescentes cortes, pela sucessiva desvalorização do trabalho, pelo empobrecimento de quem trabalha e de quem trabalhou e pela destruição das funções sociais do Estado. Os números mostram, todavia, que nem o défice nem a dívida estão sob controlo e que tanto um quanto outro ficarão certamente acima das previsões do Governo. Os objectivos anunciados de contenção do défice e da dívida são afinal de contas apenas o pretexto para a gigantesca ofensiva contra as conquistas da Revolução e contra o conteúdo da Constituição da República Portuguesa. Além disso, é justo afirmar que, qualquer diminuição do défice, eventual diminuição da dívida em percentagem do PIB ou mesmo um qualquer crescimento económico que se possa verificar no futuro terão sido conseguidos à custa da supressão de direitos, de degradação das condições de vida dos trabalhadores e das populações, de destruição e privatização de serviços. Esse é o caminho que leva ao afundamento nacional e que, mesmo perante ténues variações positivas dos indicadores económicos, não coloca o país numa rota de crescimento e de recuperação da soberania, antes o torna mais pobre, mais dependente e menos democrático.

Um plano estruturado de redistribuição de rendimentos a favor do Grande Capital

Em 1973, o último ano da ditadura fascista em Portugal, 49,2% do rendimento nacional era distribuído sob a forma de remuneração de trabalho. Em 1974, essa componente assume 54,6% do total do rendimento e em 1975 atinge o valor de 64,7%. Em 1976 o valor da parcela de remunerações do trabalho começa a decrescer sensivelmente e a política de direita, protagonizada por PS, PSD e CDS, ao longo das últimas décadas veio recolocar a distribuição de rendimentos ao nível daquela que Portugal conhecia nos tempos da ditadura dos monopólios. Em 2012, apenas 48% do rendimento nacional foi distribuído sob a forma de salários e contribuições para a segurança social. Essa trajectória é programática e conta com o contributo determinante dos partidos que aplicam servilmente a receita da União Europeia e do Grande Capital nacional e transnacional – PS, PSD e CDS.

O Orçamento do Estado para 2014, depois de o de 2013 ter introduzido um aumento de 30% nos impostos sobre o trabalho, prevê um aumento da receita fiscal resultante de impostos directos sobre o trabalho (IRS) de 3,5%. Isto resulta num evidente agravamento das assimetrias, com o Estado a assumir responsabilidades directas: do total da receita fiscal obtida por impostos directos, 75% é conseguido por via de impostos sobre o trabalho e apenas 25% são obtidos por impostos sobre o capital. No entanto, os trabalhadores detém apenas 48% da riqueza nacional e o Capital apropria-se de uma cada vez maior fatia da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, o Governo, aposta na reconstituição de privilégios e de consolidação de novos e velhos monopólios, quer através das PPP, quer das privatizações, quer da liquidação da pequena e média actividade empresarial.

Recusar o pagamento da dívida ilegítima.

Ao longo dos anos, particularmente desde a entrada na CEE e a na União, Portugal recebeu fundos para reduzir o contributo industrial e agrícola para a riqueza nacional. Ou seja, Portugal recebeu dinheiro e orientações políticas para se endividar. Tais orientações foram seguidas pelos partidos do arco da mentira e da bancarrota e submeteram o país à dependência económica, financeira e política que hoje assume a forma do controlo político por via do pacto de agressão.

Na chamada dívida existirão as parcelas correspondentes aos desmandos e aventuras dos banqueiros, aos seus crimes, as parcelas correspondentes ao desmantelamento da indústria, da agricultura, das pescas, da produção nacional – para as que há muito o PCP alerta – as parcelas de autêntico e permanente perdão fiscal aos grandes grupos económicos. Só eliminando as componentes política e socialmente ilegítimas da dívida, que podem representar uma importante parte do total assumido pelo Governo e pela troika, só renegociando os termos, os prazos, montantes e juros, da dívida poderá o país assegurar um rumo de crescimento que assegure a própria sustentabilidade da dívida, mas acima de tudo, o respeito pelos direitos de Abril. PS, PSD e CDS subordinam o país ao objectivo sagrado de “regressar aos mercados”, quando na verdade devemos preparar o país para depender cada vez menos desses “mercados” que é como quem diz, depender menos do grande capital, da agiotagem e do controlo político externo.

Só com os valores de Abril, Portugal terá futuro.

Que não restem dúvidas sobre a urgência de derrotar este governo e a sua política. Essa luta tem neste momento um elemento central: a luta pela rejeição dos efeitos e consequências do pacto de agressão e, nomeadamente, contra o Orçamento do Estado para 2014.

Travar essa luta representa mais um passo no caminho para a ruptura com a política de direita, não para uma alteração de protagonistas, mas para a construção de uma real alternativa política, patriótica e de esquerda, capaz de resgatar a soberania nacional, reconstruir as conquistas de Abril e aprofundar a democracia. A ampliação da frente social de luta, a participação popular e dos trabalhadores na definição dos objectivos políticos e na batalha para os alcançar, a consciencialização das massas e a intensificação da luta, a par do reforço do PCP são além de necessários, determinantes para inverter o rumo de destruição nacional e afirmar os valores de Abril no futuro de Portugal.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A luta faz a ponte, Todos a Alcântara!

Sendo o Sol o jornal que é e estando ao serviço de quem está, pouco posso acrescentar ao que a Lúcia Gomes disse aqui, mas clarifico, não o Jornal mas os que possam ter acreditado no que ali se escreve:

1. A marcha da CGTP, por força da imposição ilegítima e anti-democrática do Governo PSD/CDS, vai  mesmo atravessar a ponte, sem ceder no trajecto ou nos objectivos políticos traçados. Será uma grandiosa jornada de luta a que se junta a travessia da ponte do infante, no porto. Contra a exploração e o empobrecimento, por uma política de esquerda e soberana, a política que se exige contra a ocupação estrangeira e a capitulação dos partidos da troika nacional (PS, PSD e CDS).

2. A frustração que posso ter é com o resultado das imposições do Governo, ao não permitir a travessia da ponte 25 de Abril a pé. Se alguém indicou o meu nome, e estou convencido que o da Lúcia Gomes, como frustrados com a posição - ajustada à conjuntura, diga-se - da CGTP tê-lo-á feito com objectivos que certamente confluem com os do jornal que o divulga. O incómodo será do jornal e das fontes infectadas que usa sem confirmar ao verificar que eu, "desalinhado", propus alinhar todos quantos queiram participar nesta marcha de moto, com a marcha motard integrando a manifestação da CGTP.

3. Reafirmo: compreendendo a desilusão, as dúvidas e as incertezas de alguns, dúvidas a que ninguém deve ser alheio porque são mais saudáveis que certezas absolutas, o mais importante neste momento não é a cristalização em função da forma, mas a preservaçao e valorização a todo o custo do conteúdo político e dos objectivos da luta contra a política de destruição e afundamento nacional que PS, PSD e CDS impõem ao país. Por isso, atravessemos as pontes!

A luta faz a ponte, Todos a Alcântara!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

a lei? quero lá saber.

Com que cobertura legal pode um ministro ou um governo basear as decisões sobre uma manifestação em pareceres? Ora, a lei em vigor apenas preconiza a limitação do direito de manifestação, por motivos de segurança, nos 100m em redor de um órgão de soberania, de acampamento ou instalações militares, de um estabelecimento prisional, das representações diplomáticas, de um edifício consular ou das sedes de partidos.

Independentemente do que possa cada um entender sobre a marcha nas pontes, nomeadamente sobre a ponte 25 de Abril, o certo é que o governo não tem um único argumento legal para proceder a uma espécie de proibição.

Ou seja, o que está em causa não é se gostamos ou não da CGTP, se achamos que é sensato ou não, atravessar a pé uma ponte que parece só ser estável se for atravessada a correr; não está em causa a opinião de cada um sobre a justeza da manifestação. Está em causa a liberdade.

O Decreto-Lei nº 406/74 não prevê, em nenhum artigo, a possibilidade de negar o direito de manifestação, por motivos de segurança, mediante parecer das forças de segurança ou dos concessionários do espaço público. Como tal, o veto em causa, político certamente, é completamente ilegal - mas igualmente seria ilegal se fosse verdadeiramente técnico.

Que quer o Governo? Pedir pareceres às forças de segurança para todas as manifestações e depois usá-los para as impedir?

Ou começar a condicionar o trajecto das manifestações?

Pretenderá o Governo começar a dizer que trajecto percorrem as manifestações?

Porventura até fixar que palavras de ordem se usam nas manifestações? 

Com tudo isto, o Governo orquestra uma verdadeira campanha de desmobilização, recorrendo ao terrorismo, à chantagem, ao alarmismo. Mesmo que os tribunais decidam pela ilegalidade da decisão do Governo, o medo impõe-lhes que façam tudo para desmobilizar aqueles que querem participar.

O Governo teme cair.

Nós não temeremos os setenta metros de altura da ponte. Nem temos medo de cair.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo

se o problema da segurança social, como nos vendem, é a desproporção entre jovens/adultos trabalhadores e reformados e pensionistas, então como é que se permite um desemprego de quase 17% e de quase 50% entre jovens?

náusea



É isto que se vê na minha cidade ao entrar perto da Bela Vista.
Puro preconceito.

Um candidato do partido que deixou Setúbal completamente afundado numa tristeza colectiva, um candidato que usa o delírio anti-comunista como argumento político, faz-se rodear de dois jovens negros para poder fazer um cartaz que diz "Setúbal sem preconceito". Faz lembrar aquela malta que diz "eu não tenho nada contra os pretos, até tenho amigos de cor."

Mas há mais: o PS diz que Setúbal decide ser uma cidade sem preconceito se votar no seu candidato miserável, rasteiro e indisfarçável político de plástico. Isso significa que o PS acusa a actual autarquia de ser preconceituosa contra alguém. Depreendemos do cartaz que acusa a autarquia de ser preconceituosa contra os negros. Além do incomportável disparate que me dispenso comentar, isso revela bem que este senhor não faz a mínima do que é a minha cidade e que a vê como o trampolim para o sucesso da sua cruzada anti-comunista.

Mas há mais, o candidato do PS propõe resolver os problemas da Bela Vista com uma marca "jovens criadores da Bela Vista", um estúdio de Música e com novas profissões nas "indústrias criativas". A demagogia e o preconceito não podiam ir mais longe. Para os putos pretos do bairro alimenta-se-lhes aquele sonho de serem criadores de jogos de computador e gravar discos de hip-hop a troco de uns votos no PS que é moderno e curte essas cenas. Valha-nos que o homem esteja tão longe dos problema da Bela Vista que não colherá com esta estratégia mais do que os votos dos incautos ou dos esquecidos. A Bela Vista foi castigada pelo PS.


"o combate ao PCP é tão ou mais importante que o combate à direita." diz-nos o mesmo candidato do PS nesta descarga de puro preconceito e ódio, sem qualquer tipo de justificação e fazendo uso da mais rasteira manipulação.

(entre estes parêntesis, aproveito para dizer que os tais orçamentos de estado do PS que o PCP votou contra eram os mesmos que faziam recair sobre a região de Setúbal o mais pequeno investimento e os maiores cortes em sucessivos anos - talvez o PS quisesse castigar o PCP, castigando os que votam no PCP para as autarquias)

Este senhor, com este discurso, não traz nada para a nossa cidade. Nada, a não ser o preconceito anti-comunista, o discurso sedutor dos carreiristas políticos, e o terrorismo. Porque é isso que este discurso é: terrorismo.

Para quem tenha dúvidas, aqui está o discurso todo.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

festa da democracia

Dizia Sócrates, e não me parece que o escreva agora no seu "livro", que «as manifestações são a festa da democracia». Mas julgo que se torna cada vez mais claro que a festa da democracia são as eleições. Isso sim é cá uma festa! Uma festa, um circo e uma palhaçada.

E já nem falo do espectáculo das bandeirinhas, dos outdoors, da obra em cima da hora, das promessas e de tudo o mais que inevitavelmente fará parte das eleições em democracia burguesa que é, claramente mais burguesa que democracia.

Refiro-me especialmente aos autênticos números de circo protagonizados por PS, PSD e CDS que corrompem a democracia e visam, no essencial, manter o equilíbrio entre as forças da burguesia, para prosseguir o rumo de esbulho e de assalto à riqueza nacional e à dignidade dos portugueses.

1. Aqueles que, por estarem no Governo e lhes convir, dizem que as eleições autárquicas não têm relação com o poder central, são os mesmos que utilizarão os seus eventuais resultados positivos para afirmar a renovada confiança do povo nos seus partidos.

2. Aqueles que, curiosamente, a poucas semanas das eleições autárquicas fazem "voz grossa" para a troika estrangeira, são os mesmos que até aqui haviam cumprido prontamente as mais degradantes ordens e são exactamente os mesmos que até nos disseram vezes sem conta que não havia outro caminho.

3. PS, PSD e CDS são os partidos do encerramento de extensões e centros de saúde, de hospitais, de cortes no financiamento da saúde, da educação, de privatizações atrás de privatizações, do encerramento de milhares de escolas, de despedimento de milhares de professores, de roubos nos salários e pensões, mas nas autarquias não se vê um dos seus candidatos a defender tal coisa, mesmo quando são exactamente os mesmos que votaram todas essas medidas na Assembleia da República.

A tentativa, promovida por PS, PSD e CDS, com a ajuda dos fazedores de opinião do costume, com aquele tal rato de sarjeta armado em rato de laboratório, de responsabilizar o FMI pela situação do país consiste numa clara forma de deflexão da crítica dos portugueses. PS, PSD e CDS, na festa da democracia, descartam as respectivas responsabilidades, fazendo cara feia ao FMI, enquanto na prática partilham com o FMI os métodos e os objectivos.

Desmontemos a farsa, acabemos com a festa deles, construamos democracia. Sem a burguesia.

Para isso, não chegará, mas é certamente o mais concreto objectivo de curto-prazo: reforça a CDU nas autarquias.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Setúbalivre!

Ao contrário do que posso dizer de Lisboa, como escrevi aqui, Setúbal não é uma cidade de que tenha aprendido a gostar. É antes a cidade de que faço parte e de que gosto desde que existo. Não me liguei a Setúbal, nasci setubalense e sê-lo-ei sem fim, enquanto viva, mesmo que a vida, um dia, me não permita aí viver.

Vivo em Setúbal desde que nasci. Foi em Setúbal que me juntei à Juventude Comunista Portuguesa e devo isso, em boa parte, aos governantes que em 1993/94 destruíam o futuro dos jovens tanto em Setúbal como em Portugal. Foi principalmente o sentimento de revolta perante a injustiça que me fez iniciar a participação política. Mas se isso se deve, em boa parte, ao governo de Cavaco Silva, não é muito menor o contributo que o Partido Socialista entregou para forjar mais este comunista. Lembro bem o sentimento que a juventude setubalense nutria pelo poder de Mata-Cáceres e pelo mandato do PS na autarquia ao longo de 16 longos anos.

A forma tentacular como o PS se apoderou do aparelho social e autárquico, a neutralização da cultura popular e da programação cultural livre e independente, o compadrio, o clientelismo no emprego público, a construção a eito e a delapidação da paisagem urbana e envolvente como instrumentos de financiamento, a vassalagem à cimenteira e aos governos centrais, o desprezo pelas preocupações dos trabalhadores, dos jovens eram apenas algumas das características que marcavam a forma de estar do PS no Concelho de Setúbal. Lembro-me bem da impressão com que fiquei quando participei numa sessão da Assembleia Municipal com outros jovens amigos e quando colocámos a questão da inexistência de política de juventude na cidade, nomeadamente de espaços para as actividades juvenis e associativas. A resposta porca de Mata-Cáceres resume o estilo em poucas palavras e depois de fingir esquecer-se da pergunta e relembrado pelo grupo de jovens, atira: "os jovens querem é copos no fundo da avenida".

Era isto.

Era uma cidade paralisada, prostrada ante os senhores da construção civil e seus experimentalismos, um poder de costas voltadas para os bairros, mas com as garras enfiadas em quase todo o movimento associativo, não para o dinamizar, mas para assegurar a continuidade do marasmo. Um poder de costas voltadas para a maior freguesia da Cidade, São Sebastião. Um poder que ignorava as necessidades das populações, destruía as zonas verdes, impermeabilizava solos, realizava obra pública sem utilidade e inadequada; um poder promíscuo, onde os dirigentes e administradores das grandes empresas que laboram na região tinham assento garantido. Esse polvo, essa sombra, envolveu Setúbal por anos demais. E cobriu 16 anos de história da nossa cidade de vergonha e de passado. E também de infindáveis dívidas, ao Estado e a fornecedores.

Lembro-me de Setúbal ter os mercados todos ao abandono. Lembro-me da Avenida Luísa Todi não ter nada além de palmeiras. Lembro-me não haver casa da cultura, nem café-concerto, nem quartel do onze. Lembro-me de não haver agenda cultural. Lembro-me de uma feira de Santiago quase medieval. Lembro-me de jardins abandonados e mal-cuidados. De uma política desportiva inexistente, que confundia desporto com entretenimento e espectáculo. De um trânsito desordenado e da privatização da água dos setubalenses. Lembro-me da incineradora dedicada com que o PS quis instalar e da co-incineradora que forçou até conseguir impor contra a vontade dos setubalenses e azeitonenses. Lembro um Rossio sem festas do queijo, sem feira de artesanato e velharias. Lembro-me de um parque do Bonfim obscuro onde ninguém queria entrar. Lembro-me de uma Cidade que se lamentava do que era, atada a um processo de desindustrialização dramático, sem orientação, sem planeamento, sem estratégia. Lembro-me de uma Câmara Municipal que estava contra o movimento juvenil, que distribuía como bem lhe convinha o financiamento e o apoio ao movimento associativo popular, em função dos gostos, amigos e jeitos. Lembro-me de uma Câmara Municipal que perseguia trabalhadores pelos compromissos políticos que não lhe fossem convenientes, e os colocava na gaveta da frustração.

E pergunto-me hoje como pode alguém em Setúbal ter a desfaçatez de se apresentar pelo Partido Socialista baseando a sua campanha eleitoral num ataque ao trabalho da gestão da Coligação Democrática Unitária, desde 2001. Pergunto-me e só a total ausência de rectidão, a sabujice, a desmedida fúria anti-comunista me respondem a essa questão.

Só quem não respeita o esforço que milhares e milhares de setubalenses e azeitonenses fizeram nos últimos anos para libertar a Cidade da imagem negra que o PS lhe colara pode atacar estes últimos doze anos de gestão autárquica mais próxima, mais amiga, mais democrática, transparente.

Só quem não conhece a história da nossa cidade pode vir agora dizer que quer "afirmar Setúbal", pois Setúbal hoje afirma-se incontornavelmente no panorama nacional apesar de ter sido quase apagada do mapa do desenvolvimento nos 16 anos de câmara PS.

Só quem não tem qualquer espécie de escrúpulo, pode dizer que quer "Setúbal para todos" quando ao longo de toda a história da sua intervenção criou uma cidade, e mesmo um país, mais desigual, mais injusto, mais pobre, mais elitista. Como pode um candidato do PS dizer que quer "Setúbal para todos" quando todos sabem quanta Cidade nos tiraram para enriquecer os seus amigos? Como podem os responsáveis pela desindustrialização da Cidade vir agora sugerir a industrialização? Como podem os responsáveis pelo desinvestimento na região, na península e na cidade, vir agora dizer que querem criar emprego na várzea? Várzea que só existe ainda porque em boa hora o povo de Setúbal confiou os destinos da Cidade à CDU, pois todos nos lembramos como galopava a construção e a negociata em torno dos terrenos da várzea.

Temos um rio, ali mesmo à nossa mão. Já não é um rio distante.
Temos uma das mais bonitas e organizadas frentes ribeirinhas do país. Temos os jogos do Sado, e desporto para todos, temos festivais de música e canto. Um festival do teatro com apoio municipal. Um ordenamento territorial e de equipamentos que melhora a cada ano que passa. Temos mercados novos e dignos. Arruamentos e ordenamento de trânsito cada vez melhores. Ruas mais bonitas e jardins arrumados e cuidados. Uma cidade limpa, depois de ter sido a mais suja do país. Temos uma dinâmica juvenil e cultural assinalável - apesar de serem necessárias décadas para formar públicos e artistas. Temos serviços autárquicos disponíveis e um conjunto de eleitos, quer nas Câmara, quer na Assembleia e nas Freguesias, que dedica uma parte substantiva do seu mandato a contactar e debater com as populações, com o movimento associativo, com o tecido empresarial. Temos um executivo autárquico que vai à luta, que não capitula perante os interesses privados ou as ordens do Governo, que é a voz de Setúbal junto dos ministros e não a voz dos ministros junto de Setúbal.

Este não é um texto de propaganda, embora reconheça que pode parecer ser. É um texto que me vi obrigado a escrever por revolta, porque não quero - jamais - tornar a ver a sombra e o obscurantismo, as mafias, os interesses, tomarem conta da minha cidade. Porque há coisas que não podemos esquecer. E a minha cidade de hoje merece que não esqueça o que foi ontem.

Apoio a CDU por convicção, porque testemunho o seu bom trabalho. Mas com igual empenho combaterei os que da minha Cidade querem fazer substrato para a sua carreira ou riqueza pessoais.


terça-feira, 16 de julho de 2013

criminoso só se não for poderoso?

O que há de bom na onda inebriada de reacção alérgica ao pensamento, traduzida nas várias fitas trazidas a público por um conjunto de pequeninos filhos da extrema-direita e da direita reaccionária, é a verdade. É que, na fúria disparatada e desorientada com que se manifestaram esses aspirantes a aristocratas dos tempos modernos, acabaram por deixar a verdade ficar nua aos olhos de todos.

Ante a frase que em Abril escrevi no meu facebook, as garras dos meninos - embora com atraso de 3 meses - saltaram cá para fora. 

Escusar-me-ei a justificar a frase, porque me parece evidente o que digo: os direitos são todos resultado de uma convenção - se essa convenção é traída, os direitos claudicam. 

Aproveito apenas para dizer que a frase é um desafio de lógica: "Como esperar de quem não vê respeitados os seus direitos que respeite os dos que o não respeitam ?" Tão somente isso.

Todavia, não posso deixar de dizer que é assim que gosto da direita - sem máscaras e sem falinhas mansas. Vejam como nenhum, mas mesmo nenhum, dos meninos e meninas ultrajados com a "ameaça", dedicou uma só linha a dizer que a "ameaça" era injustificada porque não querem destruir os nossos direitos à saúde, à educação, às reformas, ao trabalho, à habitação. Ou seja, concentram a sua defesa num ataque rasteirinho sem um único argumento que não seja o de se vitimizarem perante o bárbaro deputado comunista ou remetendo ameaças, injúrias e ofensas verbais, sem tentarem sequer dizer, uma vez que seja, que não estão contra esses direitos. Que não os querem destruir.

Atentemos, a uma simples analogia:
"se me deres um estalo, dou-te outro.", nessa oração há uma suposição e uma consequência. Se fosse dito apenas "dou-te um estalo" seria uma manifestação gratuita de violência, sem justificação. No entanto, o "estalo" está condicionado pela existência de um motivo, no caso "primeiro estalo". Ora, quem não quer levar o "estalo" tem apenas que demonstrar que não quer dar o primeiro, ao invés de contestar a legitimidade do segundo.

Ao vociferarem desorientados única e exclusivamente sobre a segunda parte da frase, dão como adquirida e verdadeira a primeira. Na prática, o que estão a dizer: "é verdade que vos queremos tirar todos os direitos, à saúde, à educação, à reforma, à habitação, ao trabalho (e certamente muitos mais) mas jamais aceitaremos que isso justifique qualquer espécie de retaliação." É como um advogado pedir a abolvição de um criminoso, não pela negação dos factos, mas pela indignação perante a sanção.

"O meu cliente roubou, matou, mas não pode ir preso porque é rico."

Mau advogado seria. 

Embora já nada me admire.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

"mais pobre, mais dependente, menos democrático"

O estado a que o país está a chegar é revelador das reais intenções da grande burguesia nacional e internacional. Para os que ainda se deixaram enganar com as declarações de intenções em torno do "memorando de entendimento", para os que acreditaram num "resgate" e num "empréstimo" para salvar o país, a situação actual de quase extinção da democracia e de redução do Estado a instrumento repressor ao serviço do Capital, acompanhada naturalmente pela desagregação das instituições, é ilustração incontornável das mentiras de PS, PSD e CDS.

O descrédito dos partidos, a novela entre PS, PSD, CDS, Cavaco, é um dos resultados da política de saque e de destruição do país enquanto estado soberano. A destruição do aparelho produtivo ao longo dos anos, tal como Álvaro Cunhal referia, conduziria inexoravelmente à degradação do regime democrático e à supressão de direitos sociais e políticos - o momento actual, resultado do pacto de agressão e sua aplicação, é a demonstração clara da tese de Álvaro Cunhal.

Hoje, como em Março de 2011, o país não superará as dificuldades enquanto se mantiver sob o controlo estrangeiro e sob a garra de uma Europa alemã e do FMI. A opção de Cavaco é clara: mudar o que for preciso no governo sem eleições para garantir que o rumo se mantém inalterado.

Dois anos volvidos sobre a ocupação financeira e a captura da democracia, a fantasia e paranóia comunista ganha o respaldo concreto da realidade: o país está mais pobre, mais dependente, menos democrático.

É que a questão fundamental permanece um enigma para muitos. Mas é nosso dever dissipar as dúvida - o "interesse nacional" é uma ilusão na boca dos partidos burgueses. Aqui há dois interesses em claro confronto: o dos trabalhadores e o dos banqueiros e parasitas que vivem à custa do trabalho dos primeiros. Qual desses é o "interesse nacional"?

quinta-feira, 4 de julho de 2013

da dissimulação

Paulo Portas afirmou algo como "bla bla bla irrevogável" e "bla bla bla continuar no Governo seria um acto de dissimulação".

Sobre o "irrevogável", nada a dizer. Sabemos bem o que vale a palavra de um homem como Paulo Portas, não por suspeição, mas por mera observação do seu comportamento ao longo do tempo. A sua palavra vale absolutamente nada e, por isso mesmo, a irrevogabilidade do que afirma hoje com veemência é tão densa quanto éter.

Mas com o "continuar no Governo seria um acto de dissimulação" já confesso ter sido surpreendido. É que não é habitual ouvir Paulo Portas falar verdade. E sabemos agora que Paulo Portas, se ficar no Governo, estará em permanente exercício de dissimulação e engano, mas que só estava disponível para fazer esse exercício com mais responsabilidades no Governo de traição nacional.

Ou seja, como Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não estava disponível para passar pelo calvário da dissimulação em que é já mestre. Mas como vice-primeiro-ministro e com a pasta da economia, garantindo a sua ascensão rumo ao posto de chanceler que o seduz desde tenra idade, já tem recompensa que chegue e que justifique a trituração dos tais evocados princípios.

A birra do menino ou a ascensão da extrema-direita parlamentar?

terça-feira, 30 de abril de 2013

Sedentos Oportunistas

A decisão política por referendo não é sempre uma via justa, embora pareça que nada pode ser mais democrático. Há convenções sociais às quais, porventura se pode recorrer a referendo como o mais justo instrumento, mas há no entanto opções políticas para as quais o referendo se revela um mecanismo desajustado.

As liberdades, direitos e garantias, por exemplo, nunca deveriam ser submetidos a referendo, na medida em que são parte constituinte da democracia. Ou seja, sem a expressão das minorias por via dessas liberdades, direitos e garantias, não se pode dizer que existe uma real democracia, independentemente da dimensão da maioria. A liberdade religiosa é um caso ilustrativo: o facto de a maioria do povo português ser cristão ou até católico não pode estender a todos as práticas, hábitos ou formas de culto desse grupo, apesar de maioritário.
 
Esse confronto ético-social esteve patente no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Os comunistas sempre se opuseram ao referendo como forma de solucionar o problema pois independentemente dos motivos morais da maioria, nem que uma só mulher em Portugal quisesse ou fosse confrontada com a necessidade de proceder a uma interrupção voluntária de gravidez, teria, na opinião dos comunistas, direito a fazê-lo. A imposição da vontade moral não pode interferir com o direito concreto da mulher. Da mesma forma, sujeitar liberdades e direitos fundamentais de minorias a vontades de maiorias, parecendo profundamente democrático, pode afinal de contas não ser nada mais do que uma legitimação popular da vontade da classe dominante.

A utilização do referendo, na minha opinião deve ser circunscrita a opções colectivas que não envolvam directamente direitos, liberdades e garantias.

Surgem estas linhas a propósito de um suposto movimento a favor de um referendo à privatização da água. A água é um elemento natural, independente do Homem e da sociedade e não resulta de nenhum processo de transformação ou produção. A água não é passível de gerar concorrência, nem pode - por motivos sociais - converter-se em mercadoria pelo simples facto de não ser transaccionável por outro bem ou serviço. A água não tem valor porque o seu valor é infinito.

O BE e outros oportunistas da nossa praça vêm defendendo a realização de um referendo sobre a privatização da água. Ora, num contexto em que a direita e a grande burguesia tudo fazem para se apropriar desse precioso recurso natural, determinante para a vida, para os ecossistemas, para todas as actividades industriais, e para a economia, é inaceitável que alguém que se posicione na esquerda política aceite sequer colocar a possibilidade de privatizar a água. A aceitação de um referendo é uma espécie de uma aceitação incondicional do resultado. Ou seja, defender um referendo confiando num determinado resultado, é uma tremenda manifestação de oportunismo. É certo que é muito provável que um eventual referendo sobre a privatização da água tivesse um resultado negativo. Também é certo que as classes dominantes tudo fariam para ludibriar o povo e para lhe fazer crer que a privatização representaria um avanço social e económico num contexto de dificuldades económicas e financeiras.

Todavia, não podemos defender a validade do instrumento apenas quando o eventual resultado é favorável. A questão é de fundo. E de princípio. Ou seja: mesmo que uma maioria vasta pretendesse privatizar a água, mesmo que uma só pessoa pretendesse mantê-la pública, seria justo ou democrático retirar-lhe o direito ao livre acesso à água?

Há matérias cuja abordagem oportunista resulta numa profunda machadada no regime democrático e na compreensão política dos fenómenos. A esquerda portuguesa não deve estar apostada em pedir referendos para decidir sobre a privatização da água, deve estar empenhada com todas as suas forças no combate e na denúncia da privatização e dos seus efeitos. É caso para perguntar: se ganhar a privatização, passa a ser democrático que os pobres morram de sede ou fiquem sem acesso à higiene? Passa a ser justo negar o acesso livre à água a alguém? Passa a ser justo ou democrático, ou moralmente aceitável, que uma empresa lucre com um bem que é natural e substrato fundamental de vida?

quinta-feira, 28 de março de 2013

só exportações = baixos salários

A crise, ou melhor, as crises, sempre foram utilizadas como pretexto para o aprofundamento do ataque aos direitos dos trabalhadores. No essencial, as "crises" traduzem-se numa tremenda aceleração do processo de acumulação capitalista, assim precipitando a formação de monopólios ou o alargamento dos existentes. Nesse processo, ou seja, no seguimento das tão propaladas crises, acelera-se também o processo de fusão entre capital financeiro e capital ou industrial.

Vimos isso suceder em Portugal mais do que uma vez, com o alargamento da influência do capital industrial e a sua expansão para o domínio financeiro, principalmente durante o fascismo - com o determinante contributo do Estado, no plano político e no plano económico e financeiro -, tornámos a ver logo após o 25 de Novembro e com a primeira fase da reconstituição monopolista dirigida pelo PS, depois pelo PS-CDS e depois pela AD. E eis que voltadas as páginas de 38 anos, com sucessivos ímpetos reaccionários, com acelerações e desacelerações, torna o discurso da crise para justificar exactamente os mesmos objectivos e as mesmas manobras políticas. 

Fizeram-no antes e fazem-no agora. 
Por que motivo centrou o Governo de PS todas as respostas nas exportações? Por que motivos centram agora PSD/CDS todas as respostas nas exportações? 

Pode passar despercebido para muitos, mas existe uma tremenda exaltação das exportações. Aliás, as exportações são vistas como a saída para a crise e o crédito é dirigido quase exclusivamente para as empresas exportadoras. Há duas questões que desde já se levantam:

a primeira: as empresas exportadoras, sem lhes retirar importância, não representam uma fatia maioritária do tecido empresarial português nem empregam a maior parte dos trabalhadores, o que significa que, ao circunscrever a estas empresas o acesso ao crédito, se exclui a maioria das empresas portuguesas e as que mais trabalho contratam;

a segunda: as exportações representam cerca de 30% do Produto Interno Bruto, enquanto que o consumo interno representa 68%, o que significa que, ao apoiar apenas o sector das exportações, se potencia a alavanca mais fraca e não a mais forte do desenvolvimento económico.

Mas a centralidade que a classe dominante, quer nacional, quer transnacional, atribui às exportações não é inocente, nem significa exclusivamente que os apoios públicos são concentrados nas maiores empresas. Significa mais do que isso, embora também isso. No essencial, um mercado assente em trocas entre países e não no consumo local é um mercado irracional, mas um mercado gerador de mais lucros porque acentua as taxas de exploração do trabalho pelo capital. Em que medida sucede esse aumento da exploração?

A distribuição internacional do trabalho, num contexto de multipolarização imperialista, pode dar sugestões para compreender a febre pelas exportações que o capitalismo tanto apregoa.

Em primeiro lugar, uma economia orientada para as exportações é uma economia virada para a competitividade internacional, ou seja, em permanente disputa pelo patamar inferior dos custos de produção. Sendo o custo do trabalho uma das componentes dos custos de produção e a única que não representa para nenhum monopólio ou grupo uma apropriação directa, acaba por ser essa a componente mais disputada. Daí que observemos sempre o custo do trabalho a cair, enquanto que os restantes custos de produção se mantêm ou aumentam, nomeadamente o custo dos transportes, da energia, da logística, e o custo do crédito. 

Em segundo lugar, a supressão de custos de produção exclusivamente do lado dos salários, coloca as grandes empresas em cada vez maior vantagem por duas vias: a) pela via da vantagem numérica e b) pela via da compressão do mercado interno de que depende a maior das pequenas e médias empresas. Isso conduz a uma evidente concentração monopolista, à eliminação da actividade económica. 

Na verdade, ambas essas consequências são uma só, pois a concentração capitalista é isso mesmo: a supressão da retribuição salarial e a aglutinação monopolista do capital.

quarta-feira, 27 de março de 2013

A produção cultural e artística e a resistência

Embora não possamos cristalizar em torno do conceito gramsciano de "hegemonia", tal concepção não pode ser totalmente colocada de lado na avaliação da correlação de forças materiais e imateriais de cada momento histórico. A luta de classes não é um episódio, é um processo permanente, uma dialéctica constante e o para o seu estádio de desenvolvimento contam inúmeras variáveis interdependentes. Nesse conjunto vasto de variáveis, o desenvolvimento dos meios de produção e das forças sociais (capital e trabalho) serão certamente as determinantes. Mas a hegemonia, o contexto de cada momento, as relações sociais e as percepções individuais e colectivas que delas se façam são factores que, não determinando o curso da História no sentido largo, determina a sua precipitação, e as tendências mais episódicas.

Se não é certamente possível alterar a hegemonia antes de alterar as relações sociais, também não é possível alterar as relações sociais sem alterações na hegemonia. Esta é a verdadeira dimensão da dialéctica e do materialismo dialéctico. 

Na permanente tensão, mesmo no contexto de diluição da luta de classes na doutrina dominante ou na sua total subversão pelos instrumentos de domínio ideológico, a hegemonia não elimina a existências das correntes resistentes, embora tenda a esmagá-las gradualmente. O grande problema é que a classe dominante, a burguesia, ao consolidar o seu domínio ideológico vem conseguindo um compromisso de colaboração com franjas do proletariado mais afastado do processo de transformação e do operariado e, ao mesmo tempo, a atenuação da ideia central de "luta de classes" entre algumas parcelas do proletariado e dos trabalhadores. Isso não significa que não existam forças que persistem na difusão da perspectiva ideológica oposta e que, boa parte do operariado, organizada em sindicatos e partido de classe, forças não abraçadas pela hegemonia, mas resistindo a esse domínio imposto pela classe dominante, promovendo uma "hegemonia" circunscrita, ideologicamente subversiva e resistente. 

É essa resistência de classe, organizada ou espontânea e gradualmente consolidada, que confirma a existência de brechas na hegemonia e que, mesmo em contexto de domínio da burguesia, pode alcançar conquistas significativas, em função do grau de envolvimento das massas. O abatimento social das camadas intermédias e do proletariado colaboracionista, por força do processo de acumulação capitalista, gera mais um potencial efluente que desagua nesse largo rio da luta, que entra cada vez mais em regime turbulento e quase torrencial.

Mas servem as linhas acima, não tão curtas quanto desejado, apenas para introduzir umas breves notas sobre a resistência cultural e a importância da livre fruição e criação culturais e artísticas, tão ofendidas que são pela classe dominante, em Portugal, ao longo dos anos, pelos sucessivos governos PS, PSD e CDS. Que objectivos prossegue a política de asfixia às artes e à cultura em Portugal? O economicismo e a falta de recursos financeiros são o recorrente pretexto e, por recorrente, a mais difundida mentira. Na verdade, apenas 20 milhões de euros são afectos ao apoio às artes em Portugal, sendo que 4,5 milhões são distribuídos em acordos indirectos, 5,5 milhões distribuídos em apoios directos e 10 milhões distribuídos para a produção cinematográfica. 

Esses recursos são provenientes, não dos impostos dos portugueses mas de taxas específicas aplicadas sobre o consumo de bens culturais e sobre os jogos da Santa Casa da Misericórdia. Na verdade, praticamente não existe qualquer afectação de receita fiscal a esta função do Estado prevista na Constituição da República Portuguesa. As funções culturais do Estado não significam que o Estado deva ser programador cultural, apesar de poder ter esse papel residual no panorama nacional. Antes significam que o estado deve assegurar a liberdade de criação e de fruição culturais e artísticas. 

A classe dominante, através dos governos ao seu serviço, tem vindo a aplicar a política inversa: coloca o Estado na figura de programador oficioso, promovendo uma cultura de regime, neutralizante, kitsch e mercantil; enquanto esmaga a possibilidade do cidadão criador, da participação popular na criação artística e na fruição da produção própria e alheia. Os recursos do Estado são afectos a mercados livreiros, às chamadas indústrias criativas, às produções artísticas do vazio e do inútil, às figuras de proa de uma arte complacente e parasita do regime capitalista.

A arte é um valor humano e social assim que toca o outro e a sociedade. A arte e a cultura são elementos que compõem a hegemonia, contribuem para a sua consolidação ou corroem-na, abrindo o caminho à emancipação. A criatividade artística precede muitas vezes a própria criatividade no processo produtivo e na vida social e, a arte é também por isso um valor social inestimável e desempenha um papel crucial na evolução das relações sociais e no progresso da Humanidade. É a visão livre do mundo, a sua interpretação sem limites, dogmas ou imposições estéticas, formais ou económicas que permite também abrir a janela para o futuro. Em ideia e em sonho, em tintas ou em movimentos, em sons ou esculturas, materializa-se a criatividade que está também na base do avanço social e humano. 

A asfixia imposta às estruturas de criação artística, o silenciamento e a censura financeira aplicada visam com clareza calar as vozes da resistência e da criatividade. Visam calar a liberdade e a alternativa. Visam alargar o mercado e a hegemonia ideológica do capital, visam fechar a janela do futuro.

Mas abriremos sempre, nem que seja a punho, as janelas necessárias, não para vermos ao longe o futuro, mas para nele caminharmos erguidos, livres e iguais.

sexta-feira, 22 de março de 2013

o resto é conversa

Não há qualquer forma de superar o actual estado dos problemas enquanto os compromissos de classe não forem revelados e claros para todos. Enquanto dominar e persistir o discurso do "fim da luta de classes" e enquanto durar a cultura de cooperação entre o proletariado, o pacto de classe sangrento e velado continuará a fazer vítimas.

Enquanto o proletariado, mesmo o que se deixou embevecer por um capitalismo que lhe assegurou uma existência cómoda, mesmo o que viveu na sombra da burguesia, e enquanto as camadas intermédias e a pequena-burguesia não assumirem a ruptura com a teoria da "cooperação de classe" que, mais ou menos conscientemente assumiram, não há forma de abordar a alternativa política fora do espartilho partidário proto-clubístico.

PS, PSD, CDS, pouco importa. O que importa é o interesse de classe que servem e representam.

A grande burguesia sabe-o bem. Parte do proletariado e da pequena burguesia também o sabe. Mas a comodidade da cooperação é sedutora, mesmo quando apenas ilusória. Estou convencido de que o Capital, na sua senda de incontidas avidez e voracidade, não deixará que a ilusão perdure muito mais. E quando essa ilusão se desfaz, resta ao capitalismo a fusão do Estado com o monopólio, o fascismo e a imposição pela força da exploração. Afinal de contas, a social-democracia é só a cara bonita do fascismo. E o fascismo a cara feia da social-democracia. Ambas, do capitalismo.

Esquerda, direita, nunca fez menos sentido a categorização. Reaccionário e conservador ao serviço do capital, ou revolucionário e progressista ao serviço do povo. O resto é conversa.

quarta-feira, 13 de março de 2013

AbriLisboa

Eu sou um filho de Setúbal que aprendeu a amar Lisboa. Uma espécie de filho adoptivo da Cidade.
Aprendi a amar Lisboa pela sua densidade, pela sua textura humana e pela sua matriz histórica e física que traduz esses séculos de humanidade.
Aprendi a amar as avenidas largas e os becos esconços.

O Alvito, a Ajuda, a Madragoa, Alfama, Mouraria, Beato e Graça, mas também a Alameda, a Liberdade, o Terreiro.

Aprendi a amar o Jardim da Estrela, a Tapada das Necessidades, o Miradouro Sophia de Mello Breyner Adresen, o Jardim Botânico e o Jardim do Torel. Aprendi a contemplar o Tejo em Alcântara, no Terreiro do Paço e no Parque das Nações. Aprendi a gostar das tascas que não conhecia e que por bairrismo setubalense me recusava a visitar. Aprendi a gostar da poesia a cheirar a sardinha e a comprar rifas na "voz do operário". Aprendi a não me chatear com uma multidão torrencial a disputar cervejas nos santos. Aprendi a decifrar que Lisboa não tem sotaque porque tem todos os sotaques do mundo.
Que Lisboa não tem prato típico porque tem todos os pratos típicos. Que em Lisboa há tanto Minho como Alentejo.

Estudei e trabalho em Lisboa há mais de dez anos. Comecei por conhecer apenas as linhas metro sem qualquer relação com o território superficial da cidade. Hoje, consigo percorrer quase todas as ruas sem GPS e ir de moto de Monsanto aos Olivais em dez minutos. Essa vivência em Lisboa, de Lisboa, dá-me e deu-me uma imagem de Lisboa e um sentir de Lisboa.

Uma imagem de Lisboa, de relíquias turísticas, de Praças Bonitas e de arranjos florais. Uma imagem de Lisboa de panfletos escritos em inglês e alemão. De velhinhos estrangeiros em autocarros sem tejadilho. Uma imagem de Lisboa moderna no Parque das Nações, nos centros comerciais do tamanho de vilas. Uma imagem da Lisboa do Terreiro do Paço, dos chalets do Restelo, da Marginal de luxo ali já na fronteira com Oeiras. Uma imagem de Lisboa por onde passam carros novos e por onde os antigos não podem circular. Uma imagem de Lisboa, cultivada pela distância dos órgãos de poder autárquico da Cidade, de desenvolvimento meramente físico, de melhoramento paisagístico das regiões da elite. De ópera no São Carlos. De concertos no Coliseu. De estética desportiva no Holmes Place e outros mercados da aparênccia. Uma imagem do roteiro turístico de Lisboa por onde as estradas e arruamentos estão arranjados, por onde as casas velhas estão tapadas com largos panos com anúncios de obras que nunca vêem ou com anúncios de fundos de investimento bancários. Esta é a imagem de Lisboa para o visitante. Talvez mesmo para quem aqui venha trabalhar e não viver.

E depois há um sentir Lisboa. Não a Lisboa da constante campanha eleitoral de António Costa, não a Lisboa dos carros novos e dos arruamentos cuidados. Há a Lisboa do milhão de casas abandonadas, destruídas. A Lisboa dos 2 mil desalojados. A Lisboa de Alfama escavacada, das ruas esburacadas da Estefânia, do movimento associativo sem instalações e sem apoio. Há a Lisboa das fábricas encerradas, dos milhares de desempregados, dos jovens forçados a sair. A Lisboa da toxicodependência e da falta de ocupação dos tempos de livres dos jovens. A Lisboa dos complexos desportivos encerrados. Das Áreas Urbanas de Génese Ilegal abandonadas. A Lisboa do lixo no chão, dos balneários municipais encerrados ou descuidados. A Lisboa das Torres do Alto da Eira, dos Bairros da Gebalis, dos Olivais ao Alto da Ajuda ou a Benfica. A Lisboa de quem tem as janelas partidas há meses, de quem lhes cai a ombreira da porta aos pés. A Lisboa do trânsito caótico e da falta de transportes públicos. Aquela Lisboa de quem já não consegue ir ao Centro de Saúde porque lhe retiraram a carreira, ou de quem já não vai à Ribeira porque não pode pagar o Bilhete do Elevador da Bica. A Lisboa de quem não consegue dormir no Bairro Alto.

Há a imagem de Lisboa, bem cuidada, bem tratada por especialistas do marketing. E depois há o sentimento. Aquele gerado por um exercício de poder que virou as costas às necessidades da população, que dedicou milhões aos jogos especulativos enquanto lançou um manto de aparente modernidade sobre a cidade. O velho do bairro que não consegue caminhar ao longo dos buracos do escasso passeio, que não tem elevador na casa da Gebalis ou mesmo porta da rua, que não tem autocarro para o trazer ao centro da cidade, esquece tudo isso porque viu na TV um bonito Terreiro do Paço ou uma modernaça Rotunda do Marquês. A mãe que não tem onde estacionar o carro e que deixa o seu filho no infantário privado porque não há público esquece esse problema porque viu nos jornais que António Costa inaugurou uma exposição.
O jovem sem emprego, ali das Galinheiras, que resitiu à toxicodependência, que não tem acesso ao desporto público, nem à cultura que só vive no centro da cidade, nem à colectividade fechada por falta de apoio, esquece tudo isso quando vê que em Lisboa há um Concerto da moda a que nunca poderá ir.

Gosto das duas Lisboas, da imagem e da vivência, da que se vê e da que se sente.

E Lisboa é mais gente do que gente é quem dessa gente se usa.

Há a Lisboa da troca de créditos de construção, da permuta ilegal de terrenos, das grandes negociatas, da desindustrialização, do escasso pré-escolar, a das freguesias agrilhoadas e extintas. A do PS e PSD. E há a Lisboa dos bairros, das pessoas, onde de pouco vale um Terreiro lavado quando as ruas estão imundas e onde de pouco vale uma Câmara Municipal para cortar fitas a interesses privados e hotéis de charme quando há mercados velhos, escolas a cair, saneamento por fazer, limpeza urbana sem se fazer, casas a cair.  Uma Lisboa que junta qualidade de vida e igualdade no acesso a essa qualidade. Uma Lisboa que não é só para quem pode, mas para todos os que aqui ainda conseguem e querem viver. Uma Lisboa assim é uma Lisboa CDU. Uma Lisboa de Abril.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Fala da burguesia

Antes, tudo estava como a ordem supunha, como deus queria, pois nós assim ditávamos.

Antes da rebaldaria, da selvajaria, da ocupação das nossas terras e fábricas, nós podíamos exigir-te que trabalhasses de sol a sol, sem salário mínimo. Antes de Abril, nós podíamos ditar-te horários, salários, férias.

Antes de Abril, com o Estado a nosso lado, nós podíamos distribuir a riqueza como bem nos aprouvesse, à custa da vossa miséria, exploração e iliteracia. Ainda antes de 1940, 4,3% das nossas sociedades anónimas já detinham 53% do capital do país. E nos campos abaixo do Tejo, toda a terra era minha. Nessa altura é que as coisas funcionavam bem: a polícia não servia para te proteger, não tinhas subsídio de desemprego o que te obrigava a estares disponível para trabalhar pelo que eu quisesse pagar-te. Velhos tempos. 

Mais tarde, começaste a chatear-te com a tua taxa de mortalidade, com a tua baixa esperança de vida, com seres parte de uma maioria de 60% da população que não sabia ler nem escrever. E isso foi um problema porque me obrigaste a permitir a entrada de capitais estrangeiros nas estruturas accionistas das minhas empresas porque sozinho não podia combater-te. 

Mas nas minhas terras, quem mandava era eu antes de mas roubares. Felizmente, o Governo de Mário Soares e o Ministério de Barreto foram sensíveis às minhas necessidades e deram-mas de volta com direito a uma pequena indemnização. Mas pronto, Cavaco Silva, depois compensou-me dando-me uns milhões de contos para eu te mandar para o olho da rua e deixar as terras ao abandono, investindo o dinheiro no meu bem-estar que é, afinal de contas, o que interessa.

Claro que tu gostas dos teus privilégios na saúde, mas onde fica o meu direito a vender-te apoio na doença?
Claro que tu gostas dos teus privilégios na Educação, mas onde fica o meu direito a um escravo qualificado e submisso? E o meu direito a vender-te o Ensino que me convém que adquiras?
Claro que gostas do teu privilégio chamado subsídio de desemprego, mas onde fica o meu direito a pagar-te apenas o que me apetecer para que trabalhes para mim?
Claro que tu gostas do teu privilégio de teres transportes públicos, mas onde ficaria o meu direito a organizar como quero a tua vida e ainda fazer dinheiro com os bilhetes?
Claro que tu gostas do teu privilégio de ter reforma, mas onde ficaria o meu direito a ficar com o dinheiro da segurança social em fundos que controlo para investir onde me apeteça? 
Claro que gostas do teu privilégio de te reformar quando chegas a velho, mas onde ficaria o meu direito a penalizar-te na reforma por deixares de trabalhar tão novinho?
Claro que gostas do teu privilégio de beberes água quando te apetece, mas onde ficaria o meu direito a encher a piscina que tenho à beira-mar e de te cobrar por dares de beber aos teus filhos?
Claro que gostarias de ter o privilégio de passear na praia, na serra, na floresta, mas onde ficaria o meu direito a construir lá casas para os meus amigos e a vender bilhetes para os teus filhos irem lá na visita de estudo?
Claro que gostas do privilégio de ter teatro, circo, poesia, literatura, dança, música, mas onde ficaria o meu direito a vender-te lixo para te entreter?
Claro que gostas do privilégio de praticar desporto, mas onde ficaria o meu direito a enfiar-te futebol pela goela enquanto te neutralizo e faço uns milhões em publicidade?
Claro que adoras esse privilégio de ver as mulheres ganhar o mesmo que os homens, mas onde ficaria o meu direito a pagar menos a todos?
Claro que gostas de ter o privilégio de ter polícias para te dar segurança, mas onde ficaria o meu direito a ter polícia que te espanque quando me chateias?
Claro que gostas do teu privilégio de ver o teu filho feliz na creche gratuita, mas onde ficaria o meu direito de cobrar para que tenhas onde o deixar enquanto vais trabalhar?
Enfim...
Claro que tu gostas do teu privilégio de poderes votar em quem queres, mas onde ficaria o meu direito a escolher quem quero para capataz?

Sejamos pragmáticos. Eu fico com 60% do total da riqueza gerada em Portugal. Tu ficas com 40%. 
Porém, como tu és um abusador dos serviços do Estado, pagas tu 73% do seu funcionamento e eu, por enquanto, ainda pago 27%. Mas, estou convencido de que, por este andar, chegará o dia em que o pagarás todo para que ele em sirva a mim exclusivamente. É um bom contrato social: tu pagas, eu sirvo-me.

Continuemos o pragmatismo: para quê gastar 6 mil milhões de euros anuais no funcionamento de escolas, quando temos 7 500 milhões de juros anuais para pagar aos meus amigos lá fora que depois me dão sempre qualquer coisa? É que isto não dá para tudo...

É por isso que é preciso reconfigurar o Estado. Porque há despesas que não tens de fazer para que o estado me sirva. Porque escusas de gastar em educação, saúde, água, saneamento, ambiente, cultura pois tudo isso eu te vendo, embora um pouco mais caro, é certo. E sim, com um bocadinho menos de qualidade. Mas assim libertamos os teus cada vez maiores impostos para o que importa: os meus juros e os meus subsídios e indemnizações só por ter de te aturar.

Assim sim. Um estado para mim, pago por ti.
Mas nunca, nunca me ouvirás ser tão sincero. Que isso da verdade, é coisa de revolucionário.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Menos Estado / Mais Estado

A reconfiguração, reforma, ou que lhe queiram chamar, que PS, PSD e CDS assumem necessária para assegurar a sustentabilidade do Estado resulta de uma estratégia política de classe intimimante ligada à restauração capitalista e reconstituição monopolista que está em marcha pelas mãos desses partidos desde 1976 até hoje.

A questão nem é tanto "menos ou mais Estado", mas é antes: onde colocar as capacidades do Estado e para onde dirigir a sua intervenção.

A questão não é se há mais ou menos Estado na Cultura: é se o Estado destina os seus esforços, os impostos dos portugueses para a livre criação e fruição artísticas e culturais ou se investe apenas na programação e compra de espectáculos de elite em salas de luxo, deixando o povo afundar-se no lodaçal da cultura dominante do entretenimento e entorpecimento.

A questão não é se há polícias e forças de segurança: é para que servirão, se o Estado dedica as forças policiais ao cumprimento da lei e à garantia do direito à segurança dos cidadãos ou se a utiliza como força política de imposição da ordem e da força da classe dominante. É se o Estado tem polícias para impedir a destruição ilegal de empresas ou uma polícia para espancar e prender trabalhadores em greve.

A questão não é se há Escola Pública: é se a Escola Pública é orientada para a eliminação das assimetrias ou se é destinada a reproduzi-las e aprofundá-las, reservando o conhecimento para as elites económicas, fazendo-lhes corresponder as elites científicas.

A questão não é se há intervenção do Estado nos mercados: é se ao Estado cabe impor regras e limitações na liberdade dos mercados privados para impedir o atropelo dos direitos dos trabalhadores e a criação de monopólios, ou se o Estado intervém nos mercados para facilitar a destruição desses direitos e para contribuir para a criação desses monopólios.

A questão não é se o Estado cobra impostos: é se os aplica na Escola, na Saúde, na protecção social, nos serviços públicos, na defesa nacional ou se os aplica no resgate de banqueiros criminosos e na contratação de mercenários.

Portanto, menos Estado para uns é mais Estado para outros. E eles querem o Estado integralmente ao seu serviço e, de preferência, integralmente pago pelos que do Estado cada vez menos recebem. Eles querem menos Estado para quem trabalha, mais Estado para quem vive do trabalho alheio, pago, sempre, pelos últimos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

PS(D)/CDS

O padrão comportamental do Partido Socialista é cíclico e previsível. No poder comporta-se como o batedor da direita, como aquele que vai à frente a limpar e preparar o terreno.

No poder, faz as leis que privatizam a segurança social, que permitem a privatização das àreas protegidas e recursos naturais, que permitem a privatização das escolas e universidades, o aumento das propinas, a privatização da água. No poder faz leis que flexibilizam ainda mais o horário de trabalho e as relações laborais, que generalizam a precariedade laboral e aumentam as taxas de exploração.

Na oposição esbraceja, ainda que por vezes muito timidamente, contra a privatização da segurança social, contra a privatização das áreas protegidas e recursos naturais, contra a privatização de escolas e universidades, contra o aumento das propinas, a privatização da água. Na oposição queixa-se contra a precariedade laboral e o desregramento dos horários. Enfim, é uma dança constante em que PS ora faz de polícia bom, como de polícia mau com os restantes parceiros da política de direita, o PSD e CDS. A alternância constante vai-lhes permitindo, de há 37 anos para cá, passar por cima do nosso discernimento colectivo uma esponja com a mais vil lixívia, que nos apaga a memória e nos seduz pela imagem sempre limpa de uns ou outros conforme a circunstância o exija.

O PS, desta feita, estava numa alhada: a subscrição pública - e a responsabilidade da autoria - do memorando da troika, um autêntico pacto de submissão e de agressão, juntamente com PSD e CDS. Porém, tempo suficiente passou já para que os roubos e patifarias de Sócrates e PS nos salários, para que os cortes nas pensões, para que a privaztiação da água, da segurança social, o aumento das propinas, a "nacionalização" do BPN sejam longínquas recordações e quase saudosas ante a dimensão do ataque que agora é dirigido contra nós. Ou seja, o PS, que hoje faria exactamente o mesmo que fazem agora PSD e CDS, tem neste momento um capital de tempo a jogar a seu favor: 2 anos sem estar no Governo e 2 anos de Governo traidor, sequestrador, de submissão, colaboracionista. E está já a usá-lo.

Vejam bem: agora que a distância lhes vai permitindo sacudir a água do capote, um deputado do PS afirmou numa manifestação de inquilinos contra a lei dos despejos que tudo fará para que seja aprovada uma moratória bla bla bla e que o que é preciso é unidade e união, para assegurar os direitos dos inquilinos. Ora, presumo que não estivesse a apelar à unidade com PSD e CDS que são os partidos autores da lei em vigor, como tal, estaria a referir-se ao PCP e ao BE - ambos presentes também na manifestação.
Claro está que a Deputada do BE que ali se encontrava não referiu uma única palavra sobre o assunto e preferiu contribuir para a ideia de que o PS agora era também humanista e digno partido de esquerda. Provavelmente terá ido contente com o "piscar do olho" do PS e já se estáa ver num "Governo de Esquerda". Porém, é ou não verdade que foi o PS que redigiu a versão inicial do pacto?
É ou não verdade que na versão inicial do Pacto já vem a referência muito explícita à liberalização do mercado de arrendamento e à liberalização das rendas? É ou não verdade que, já antes disso, no PEC4, o PS colocava essa exigência?

Outra coisa não poderia o PCP ter feito que denunciar a trafulhice.

Cheira certamente a intensificação da luta, a governos a tremer e a eleições. Porque o PS já fala de "Unidade" e já se diz de esquerda. Há até já deputados do PS que dizem que o euro é uma arma de destruição maciça, depois de terem dito há uns tempos atrás que o euro era a mais sagrada das questões europeias e que a culpa da precariedade laboral em Portugal era dos sindicatos.

Saibamos nós denunciar. Afinal de contas, 2 anos não são assim tanto tempo!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

sobre a condição material do eleito comunista

A tarefa parlamentar e outras tarefas institucionais têm-lhes inerente um conjunto de mordomias, de benefícios, materiais e imateriais. Desde os vencimentos e ajudas de custo ao prestígio e visibilidade pública de que muitos gostam. Ora, eu não partilho da ideia de que os deputados portugueses têm condições inaceitáveis, por demasiado boas. No entanto, tendo em conta o nível médio do vencimento dos trabalhadores portugueses, os seus horários de trabalho, e as pressões laborais, existe uma assimetria injusta e que se torna injustificável.

A questão, todavia, não é tanto que os deputados ou outros responsáveis institucionais aufiram quantias obscenas, mas sim que os trabalhadores ganhem tão pouco e tenham tão poucos direitos. O que está mal não é o deputado ganhar 2500 euros, é o trabalhador ganhar 500.

No entanto, escreve-se este texto para aprofundar a questão do estatuto material dos eleitos comunistas em órgãos institucionais da democracia. Que motivos levam o Partido Comunista Português a inscrever nos seus estatutos que os membros do Partido eleitos em cargos institucionais não podem ser beneficiados nem prejudicados materialmente? Ou seja, por que entregam os eleitos comunistas o rendimento correspondente à tarefa, ao Partido?

Julgo existirem múltiplas razões, talvez mais do que as que escreverei. Mas ficam as que considero fundamentais:

i. A impossibilidade de ser beneficiado materialmente pelo desempenho de tarefa pública quando eleito pelo PCP cria um ambiente de adversidade ao carreirismo e ao oportunismo. Embora a tarefa possa implicar mais visibilidade pública e mais projecção, ela não implicará de qualquer forma, uma vantagem material.

ii. A entrega da diferença entre o vencimento anterior e o vencimento de eleito ao Partido constitui uma forma de compromisso político e militante, expressa em disponibilidade revolucionária para contribuir também para os fundos do Partido, mas também para aceitar responsabilidades militantes, no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, sem remuneração. A convicção e o empenho também se podem medir pela disponibilidade de um comunista para assumir tarefas sem benefício material.

iii. A sujeição do eleito comunista a esta regra implica viver exactamente nas condições materiais em que viveria caso nunca tivesse eleito. Ou seja, elimina o factor referido no primeiro parágrafo sobre a assimetria de rendimentos entre o eleito e o eleitor. Isso dá ao eleito comunista uma legitimidade absolutamente diferente para reflectir, agir e falar, sobre a situação social e política. Um eleito do PSD não pode dizer "nós" quando se refere ao povo porque ele não tem qualquer relação material com o povo que supostamente representa. O eleito comunista tem toda a legitimidade para falar na primeira pessoa do plural, na medida em que se encontra sujeito a um rendimento igual ao da generalidade dos portugueses com formações e profissões similares à sua. Por essa via, não podendo elevar os rendimentos dos portugueses, aproxima-se da generalidade desses rendimentos por abdicar do seu.

Na actual situação política e económica, com as consequências no plano social que dela advêm, o afastamento do eleito e da população é um elemento de desagregação democrática - é-o aliás sempre. Neste contexto, os ataques à democracia, formal e vivencial, são mais ferozes, mais profundos, na medida em que o avanço da restauração capitalista se dá com maior vigor. Por isso mesmo, maior, mais amplo e mais veemente, tem de ser o esforço dos comunistas de se demarcarem das práticas da democracia burguesa, acusando as suas imperfeições, insuficiências e vícios, mas sem correr nunca o risco de engrossar a torrente demagógica do anti-parlamentarismo como expressão da anti-democracia que o capital anseia.

A democracia burguesa, o parlamento como se configura, é insuficiente para o progresso. Mas a sua substiuição por uma câmara de deputados todos iguais, ou a sua simples supressão, representariam retrocessos demasiado íngremes na escalada para a democracia que devemos encetar depois da interrupção - pelas mãos de PS, PSD e CDS - a que foi sujeito o processo revolucionário. Aproximar os eleitos das massas, acusar a prática política de PS, PSD e CDS que faz com que os portugueses tenham 485 euros é a tarefa do eleito comunista neste tabuleiro da luta ideológica sobre a democracia formal. Queremos viver num país em que seja obsceno ganhar 485 euros e não seja mais do que natural ganhar 2500.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Teoria da Conspiração

Logo após o 25 de Abril, o Partido Socialista tornou-se o espaço de convergência dos espoliados do antigo regime fascista e manifestou, principalmente pela prática política e não tanto pelo discurso, um tremendo empenho na reconstituição planificada de privilégios e de monopólios, atacando sem pudor os direitos dos trabalhadores numa estratégia bem delineada a coberto do discurso europeísta e moderno.

O FMI entrou pelas mãos do PS em Portugal para chancelar as políticas de direita, para colocar nos eixos o país e corrigir esse devaneio socialista que seduzia diabolicamente todo o povo.

Passados alguns anos, sempre com governos PS, PSD e CDS, em 2005, o Partido Socialista com Sócrates assume o poder após umas eleições em que o povo português expressou sem equívocos uma rejeição profunda da política de direita de Durão Barroso, Portas e Santana Lopes. Sócrates capitalizou o descontentamento da população, mas também acendeu a sua esperança, conseguindo um forte apoio popular, com grande expectativa na mudança.

Essa mudança não sucedeu e, pelo contrário, Sócrates aprofundou o rumo de Barroso, Portas e Santana a um novo grau de realização. As políticas de direita do anterior Governo não só não foram invertidas como foram agravadas: as privatizações começaram a delinear-se, o código do trabalho foi revisto para pior, encerraram-se 4500 escolas, cortaram-se salários e pensões, encerraram-se postos de correios, serviços públicos por todo o país e dezenas de serviços de saúde.

O mandato de Sócrates era claro: trazer o FMI para Portugal, para justificar o golpe final nas conquistas económicas, sociais e culturais de Abril. A estratégia de Sócrates foi, em todos os momentos, consentânea com tal teoria da conspiração; ora vejamos:

1. Aprovação do PEC, do PEC2 e do PEC3 sempre com o apoio da direita parlamentar.
2. Aprovação do OE2011 com o apoio do PSD.
3. Socialização dos prejuízos do BPN, com o apoio do PSD e CDS - fazendo disparar o défice orçamental para cerca de 8%
4. Apresentação de um PEC4 sem qualquer discussão com os restantes partidos, para gerar propositadamente a crise política.
5. Demissão perante a rejeição de um documento que foi apresentado para não ser aprovado e assinatura de um memorando sobre políticas económicas e financeiras onde apela ao FMI que venha gerir Portugal, apresentando compromissos que vão muito além da primeira versão do memorando da troika e que foi completamente esquecido para branquear o papel do PS.

Os grandes grupos económicos confiaram a Sócrates o papel de colocar o país nesta contingência, de o prostrar de joelhos perante a Alemanha e de o humilhar ante todos os mercados. Sócrates prestou-se solícito a esse papel e soube aceitar quando lhe disseram que estava na hora de ser substituído, pois apesar de muito criticarem a abordagem comunista, sabem os monopólios tão bem como nós que a maioria aritmética não é tudo e que sem uma base social de apoio não há política que se suporte, nem mesmo uma ditadura. Sócrates retira-se com a sensação - e certamente a recompensa - de dever cumprido perante aqueles que lhe pagaram a ascensão ao poder.

Sócrates fez tudo o que tinha de ser feito para que o FMI viesse para Portugal. Depois, ao invés de assumir o seu papel na defesa do interesse nacional (se é que é isso que um dirigente político faz) e assegurar a representação no Parlamento, retira-se para uma vida recatada - em grande estilo certamente - para que os portugueses se esqueçam da desgraça em que nos enfiou. Virá o dia em que os jornais o reabilitarão - quando o capital tornar a precisar dele - e dirão que tudo sucedeu apenas porque Sócrates foi demitido (mentira) e que o FMI só veio para Portugal porque Sócrates não conseguiu aprovar o PEC4 (mentira) e que a política do PS é mais branda socialmente que a do PSD (mentira).

Estejamos nós à altura de pôr fim à conspiração.