quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Reformas, há. Mas não são verdes.

A pretexto da chamada "Reforma da Fiscalidade Verde", muito importa ser dito, nomeadamente sobre o seu conteúdo e sobre a neutralidade fiscal que comporta, sendo uma neutralidade apenas para quem arrecada, mas sendo muito classista e penalizadora para algumas das camadas que pagam - e todos sabemos quais -, mas aquilo que, para já, me parece mais importante, por ser mais fundo e mais vasto que uma reforma fiscal e por ser um problema mundial e não apenas português, é a privatização do oxigénio que está em curso.

Desde os tempos da Tatcher que as "preocupações ambientais" passaram a integrar o arsenal dos instrumentos de consolidação e aprofundamento da exploração capitalista e os mecanismos e métodos de utilização desse instrumento vêm sendo, ao longo dos séculos, refinados. Longe vão os tempos em que o buraco na camada do ozono era provocado por moléculas sintetizadas pela actividade humana e longe vão os tempos do chamado "aquecimento global". Todavia, a tese central do capitalismo: a de que é preciso elitizar, mercantilizar e privatizar os serviços ambientais e os recursos naturais, mantém-se e, como tal, vai adaptando a doutrina oficial sobre ambiente, quer às exigências impostas pela evidência, quer às suas necessidades.

Vinga hoje a tese, que apesar de teoria está convertida em lei, de que o anidrido carbónico presente na atmosfera determina em grande medida a temperatura da mistura gasosa. Essa tese, todavia, apontava para um aquecimento global constante e, dada a não verificação da hipótese na realidade, rapidamente os "peritos" alteraram as agulhas para "alterações climáticas" que dá um bocado para tudo, quer faça frio, seca, chuva ou sol.

Não me demorarei sobre a dúvidas que tenho sobre a tese em si, nem sobre o facto de os climatólogos e paleo-climatólogos de todo o mundo se encontrarem persistentemente contra a ideia proto-religiosa de que é a concentração de CO2 que determina a temperatura da atmosfera terrestre, nem mesmo sobre o facto de o IPCC já ter sido várias vezes desmentido pela comunidade científica, nem dedicarei ao escândalo Climategate mais do que esta simples referência para que todos possam ler sobre ele. Também tentarei não aprofundar o descrédito total - reconhecido por todos os académicos honestos - do hockey stick, nem o facto de muitos dos "políticos" e "lobbyistas" do "climate change" continuarem a utilizá-lo quase como arma de terrorismo.

Escrevo estas linhas apenas para que nos questionemos sobre o que é, de facto, o mercado de emissões de CO2.
1. O que é o CO2?
2. O que é a mercantilização do CO2?
3. O que é a taxação do CO2, pelos estados ou por empresas?
4. O que é a gestão do mercado de licenças de emissão de CO2?
5. A mistura gasosa atmosférica é igual ao longo das eras?
6. De que forma pode o ser humano influenciá-la na sua composição?
7. De que forma a composição da mistura determina a temperatura?

1. O CO2 é um gás presente na atmosfera terrestre pela simples actividade biológica e geológica. Na prática, é o resultado da reacção de combustão de oxigénio sempre que tal reacção se dá entre o oxigénio e um composto orgânico. Além disso, muito do CO2 aprisionado no interior da crusta e do manto é de origem inorgânica e ai se encontra em fluídos hidrotermais ou em bolsas de gás no magma ou na rocha. O CO2 emitido pela actividade biológica é, na prática o resultado a utilização do oxigénio nos processos de respiração de grande parte dos seres vivos, onde se incluem todos os animais, plantas e muitas algas e bactérias. O CO2 emitido pela Terra resulta do aprisionamento desse gás desde há milhões de anos no interior da rocha ou do manto. O CO2 emitido pela indústria resulta, geralmente, de qualquer processo de combustão realizado.

2. A mercantilização do CO2 é, como tal, a mercantilização do produto dos processos de combustão, entre os quais a respiração dos seres vivos.

3. A taxação do CO2 é a aplicação de taxas ao consumo de oxigénio e libertação de anidrido carbónico, geralmente, através da queima de compostos orgânicos ou derivados.

4. A gestão do mercado de licenças de emissão é a colocação na esfera dos mecanismos de mercado da emissão de CO2, ou seja, da utilização de O2. Com Quioto e protocolos seguintes, a gestão das emissões passa a ser regulada pelo mercado internacional de compra, venda e transacção de licenças de emissão de CO2, ou seja, compra, venda e transacção de licenças para a utilização de oxigénio.

5. A mistura gasosa atmosférica é variável e está intimamente relacionada com o grau de actividade geológica e vulcânica do planeta, bem como com a actividade biológica. A existência de muito anidrido carbónico favorece e estimula o surgimento de grandes massas vegetais e florestais e essas, por sua vez, consomem-no da atmosfera, utilizando o Carbono em compostos orgânicos e libertando o O2. A escassez de massas vegetais, a contrário, diminui a capacidade do globo de "reciclar" o CO2, de produzir novos compostos orgânicos lenhosos e de libertar o O2. Num raciocínio simplista podemos basicamente descrever a equação de um sistema equilibrado como uma relação entre as emissões de CO2 e a necessidade de massas vegetais. Para mais emissões, mais massa vegetal. A questão que se coloca nos dias de hoje, não é só, portanto, a de diminuir emissões (porque isso implica dar por adquirido que se inicia um processo de limitação do desenvolvimento industrial e, pior, em dar por adquirido que não pode existir mais massa vegetal no planeta), mas é antes de mais a de equilibrar a massa vegetal com a massa animal e suas actividades - onde se inclui a actividade humana. O capitalismo não só não permite - pela sua natureza predatória e expansionista - que a massa vegetal aumente, como ainda se aproveita da sua escassez, mercantilizando o direito a consumir oxigénio. Primeiro para um conjunto de actividades, gradualmente estendendo a taxação ou penalização do consumo de oxigénio a outras, sempre recaindo sobre a ponta final do processo produtivo: o trabalhador.

6. O ser humano tem várias formas de influenciar a composição da mistura gasosa terrestre que actualmente se situa nos cerca de 79% Nitrogénio (Azoto); 20% Oxigénio e menos de 1% de outros gases, sendo que o CO2 não ocupa em percentagem massa/massa mais de 0,03 a 0,04 do total da massa atmosférica. A actividade humana, pela sua simples respiração contribui - em pequeníssima parte - para o total do CO2 presente na atmosfera e a actividade económica, principalmente a que implica combustão de compostos orgânicos, contribui igualmente. Ou seja, se o homem limitar o recurso a combustíveis orgânicos, pode diminuir o volume de emissões de CO2. Todavia, o volume de CO2 presente na atmosfera pode ser igualmente diminuído pela ampliação das florestas e pelo cultivo de mais plantas ou outros organismos fotossintéticos. Também algumas reacções químicas podem aprisionar o CO2 em formações cristalinas, nomeadamente através da cristalização de carbonatos. No entanto, a solução que o capitalismo nos impõe é a de pagar para usar oxigénio. Porque será?

7. Toda a teoria das alterações climáticas - que é praticamente lei na comunidade pseudo-científica que disputa no plano global linhas de financiamento de milhões de euros para provar uma tese - se baseia na regra da proporção directa entre a presença de CO2 e a temperatura. A física, todavia, nomeadamente a equação de Van der Waals diz-nos que é verdade que a composição da mistura gasosa determina a temperatura, mas não atribui ao CO2 uma capacidade de influenciar de forma sensível uma atmosfera inteira, numa presença de 0,03% m/m nem lhe atribui mais influência no efeito estufa que o vapor de água ou a água no estado gasoso. No entanto, é evidente que a Humanidade tem capacidade de regular a composição gasosa em proporção necessária para alterar qualquer tendência que, a ser verdade a tese da relação entre CO2 e temperatura, se verifique ser prejudicial à sua presença enquanto espécie no globo. A não consideração dessas possibilidades (ampliar a massa vegetal, aprisionar CO2 em carbonatos) significa que o capitalismo gerou todo um novo mercado com grandes ambições - o das licenças de emissões, que são na prática licenças para consumir oxigénio. Ora, tendo em conta que o consumo de oxigénio é uma necessidade incontornável de todos os seres humanos e de praticamente todos os seres vivos de que depende o equilíbrio do ecossistema, não vos parece perigoso mercantilizar essa necessidade e deixar a sua gestão nas mãos de um sistema especulativo tipo bolsa de valores?

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Notas rápidas sobre o ensino especializado da Música em Portugal - texto para o simpósio "caminhos do ensino da música"



I. Da quantidade e da qualidade

O Ensino Especializado das Artes em Portugal, e em particular o Ensino Especializado da Música, está sujeito ao mesmo conjunto de constrangimentos que o Ensino dito regular. Isso significa, todavia, que está ainda mais fragilizado que as vias ditas “comuns” na medida em que a experiência de ensino especializado não se generalizou nem consolidou à mesma escala que as restantes componentes da Escola Pública. Ou seja, o Ensino Especializado da Música, pela sua reduzida expressão territorial na Escola Pública, pela subvalorização dos seus trabalhadores e professores, pela insuficiência do investimento para a sua ampliação e fortalecimento e pelos impactos tremendos resultantes do chamado plano de “Refundação do Ensino Artístico”, (apresentado pelo ministério liderado por Maria de Lurdes Rodrigues) encontra-se ameaçado na sua qualidade, democraticidade e mesmo na sua existência enquanto resposta pública.

A existência de um reduzido número de escolas públicas de ensino especializado da música: Instituto Gregoriano, Conservatório Nacional, Conservatório de Coimbra, Conservatório do Porto, Conservatório de Braga e Conservatório de Aveiro que se encontram distribuídas apenas pelo Litoral e do Tejo para cima é um factor que impede a concretização de uma política de formação musical e democratização do ensino, que dificulta a detecção de talentos baseada numa formação precoce massificada e que não permite o encaminhamento e acompanhamento dos jovens que busquem a formação profissional e académica em Música, nem tampouco detectar os jovens que, pela suas características próprias, possam revelar especial talento para a execução e interpretação musical ou composição.

Ao mesmo tempo, um investimento no Ensino Especializado da Música muito aquém das necessidades, não apenas degrada o património de saberes acumulado ao longo de gerações, como dificulta a capacidade de intervenção territorial das escolas de música e limita a qualidade do ensino ministrado nas instalações públicas, quer seja por falta de meios materiais ou mesmo pela desvalorização constante a que estão sujeitos os trabalhadores e professores do ensino artístico – precariedade laboral, desvalorização salarial -. Para compreender o contexto nacional e o posicionamento que o meu Partido assume é necessário também ter em conta o patamar de desenvolvimento do Ensino Especializado, conhecer as suas limitações e eliminar confusão e mistura de conceitos e de práticas que em nada contribuem para o aprofundamento do ensino da música e para a apropriação da técnica e da arte pela população. 

Em primeiro lugar, o reconhecimento de que a resposta pública está aquém do necessário. Em segundo lugar, reconhecer o papel que o ensino supletivo – apesar de não ser a resposta para o desenvolvimento e para o futuro – desempenha num contexto em que a resposta articulada e integrada é limitada. Em terceiro lugar, identificar o que têm sido as práticas e incursões no âmbito da educação musical no primeiro ciclo e distinguir claramente o que é ensino da música do que é o contacto com a música que se tem nas chamadas “actividades de enriquecimento curricular”.

A lei de bases do Sistema Educativo contém as respostas para grande parte dos problemas com que o país se confronta no âmbito do ensino especializado das artes, pois um dos principais é precisamente a base curta da pirâmide formativa que impede uma formação artística de massas, que não eduque apenas “públicos” mas que, essencialmente eduque “criadores” que por isso se tornarão “públicos”.

 A lei de bases assegura uma formação obrigatória e plenamente massificada de todos os que frequentam o ensino básico, nomeadamente no plano da música e das artes. No entanto, até hoje, nenhum Governo cumpriu esse desígnio da lei, nenhum Governo dotou as escolas do ensino básico dos professores em regime de coadjuvação que pudessem elevar o ensino artístico e o ensino da música ao patamar da dignidade. A opção de gerar uma oferta facultativa através de professores ainda mais desvalorizados que os restantes, através das “AEC” tem vindo a revelar-se prejudicial à elevação do conhecimento artístico da população por motivos vários que não podemos detalhar nas linhas estreitas de que dispomos.

A possibilidade de criar estabelecimentos de ensino secundário especializados foi também subaproveitada no plano público e é hoje colmatada pela criação de cursos de índole profissional ou profissionalizante. Se por um lado, o surgimento desses cursos demonstra o interesse que os jovens portugueses têm pelo ensino da música e o fascínio colectivo que o nosso povo tem pela criação e fruição culturais; por outro lado, não dá resposta plena à formação académica dos jovens, já que são cursos orientados para a inserção no mercado de trabalho, não sendo muitos deles sequer artísticos, contemplando prioritariamente os aspectos técnicos da formação. 

O alargamento da resposta pública (por via da abertura ou criação de novas instituições ou pela nacionalização das escolas privadas dispostas a tal), nomeadamente do número de estabelecimentos, é uma condição essencial para a elevação da qualidade/quantidade do ensino especializado da música. Tal como nos dizem as leis da dialéctica, existe uma ligação inquebrável entre qualidade e quantidade: o alargamento da base de captação e o alargamento da formação de nível secundário representariam igualmente o surgimento de mais artistas/intérpretes de elevado nível. Tal é válido para o conjunto das artes, da dança à música, passando pelas artes plásticas. Se todos os estudantes pudessem, em determinada altura das suas vidas, conhecer e compreender as expressões artísticas e ser motivados a criar eles próprios, não só os públicos seriam incomparavelmente mais vastos, como profundamente mais sensíveis.

Os regimes articulado e integrado constituirão certamente a forma mais capaz de gerar resultados. No entanto, num contexto em que a oferta pública é tão limitada, a supressão do regime supletivo funciona como um obstáculo para aqueles que não tiveram ou não têm ainda a possibilidade de se dedicar integralmente ao ensino da música, mas que, por gosto ou necessidade, desejam aprender um instrumento. No cenário ideal, o supletivo seria sempre residual. Mas Portugal não atingiu ainda o cenário ideal e tem vindo inclusivamente a perder terreno, na medida em que também a formação com recurso aos conservatórios privados (os regionais) tem vindo a ser fortemente subfinanciada o que diminui o acesso de jovens de todo o país, particularmente das regiões onde não existe ensino especializado da música público, a esse ensino.

II. Do talento e da aptidão

Independentemente, pois, do que possamos julgar, no plano político ou científico, sobre os conceitos de “aptidão” e “talento” artísticos, para os comunistas o factor relevante e determinante é o “direito” à criação e fruição culturais e artísticas e a sua democratização. O alargamento da base de formação gerará, também pelo percurso de cada e pelo trabalho dos professores junto de cada um, uma elevação do número e da qualidade dos jovens que sejam formados no ensino especializado. 

Assim, independentemente da concepção que tenhamos sobre o talento, sobre a sua natureza, inata ou construída, a garantia do direito sobrepõe-se à inexistência de aptidão. A disponibilização e mobilização de meios também pode demonstrar talentos onde antes não se identificavam ou vislumbravam e a capacidade das escolas para a sua detecção e captação, mesmo na educação especial, passa pelo reforço dos meios para o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo logo no que toca ao primeiro ciclo do básico. O PCP defende mesmo a obrigatoriedade de frequência de um ano de pré-escolar, que também pode ter um papel determinante na dimensão criativa do cidadão, bem como contribuir para “nivelar” o patamar de conhecimentos e competências com que a criança ingressa no ensino básico.

III. Da política

Em síntese, a resposta para a necessidade de elevar a qualidade do Ensino Especializado, passa necessariamente por medidas que contemplem também a quantidade. Ou seja, a aposta na qualidade do Ensino Artístico não pode ser entendida como uma resposta de nicho, de elite. Pelo contrário, deve ser uma resposta ampla, que parta da abordagem transversal do sistema educativo e que valorize a formação da cultura integral do indivíduo em todos os ciclos. A obrigatoriedade de frequência de pré-escolar, a introdução de componentes artísticas curriculares obrigatórias no primeiro ciclo do básico com recurso a professores coadjuvantes, o reforço do investimento público na rede do ensino especializado da música e o alargamento dessa rede, a valorização do trabalho e da carreira dos professores, a integração imediata de todos na carreira docente e a capacitação das escolas de ensino especializado para uma articulação efectiva e permanente com os restantes estabelecimentos de ensino e com estabelecimentos do primeiro ciclo, seriam passos para ultrapassar constrangimentos com que nos cruzamos. 

O caminho inverso, o da desvalorização e subfinanciamento, o da supressão do supletivo sem uma real resposta à ausência deste, a diminuição ou desaparecimento do financiamento do regime articulado no ensino ministrado nos “conservatórios regionais”, provocarão uma erosão da qualidade da formação, degradarão a capacidade criativa das massas e limitarão o ensino especializado da música às elites económicas do país.