Uma reportagem televisiva alertou ontem, num canal da sic, para a situação de decrepitude que se vive na cidade de Setúbal. Setúbal é a nossa cidade e vê-la tratada assim, como se de um filme se tratasse, magoa-nos e revolta-nos.
Claro que a reportagem usou o habitual estilo televisivo, amplificando significativamente a verdadeira dimensão dos problemas. Claro que se tentou passar uma imagen da cidade ainda pior do que aquela que, de facto, por cá se vai verificando. Na televisão, a repórter anunciava com dramatismo que a partir das 19.00h não era seguro passear nas ruas da baixa de Setúbal. E por detrás da repórter, as belas ruas da nossa cidade apareciam como já nos habituámos a vê-las, desertas, sozinhas e desamparadas. Os comerciantes aproveitaram a câmara de televisão para desabafar sobre os perigos que enfrentam, sobre os assaltos que sofreram. E todos em nossas casas nos revoltámos porque aquela que ali estava no televisor era a nossa cidade.
É verdade que a criminalidade em Setúbal tem vindo a sentir-se com mais intensidade. É, infelizmente, verdade que muitos têm já receio ao caminhar pelas ruas escuras da cidade e que o medo espreita, cavalgando o pânico que se espalha. Os comerciantes fecham as lojas mais cedo, não só por causa da crime, claro está, mas porque a cidade de Setúbal há muito que centrou as suas actividades comerciais na periferia e porque hoje em dia demoramos 15 minutos a chegar ao Montijo ou a Almada, onde existem centros comerciais que secam tudo à sua volta. Os comerciantes fecham mais cedo porque a baixa de Setúbal não consegue competir com a oferta avassaladora dos grandes grupos económicos, porque as lojas da baixa da cidade estão desajustadas do tempo em que nos encontramos, porque os cafés pouco inovaram, porque as lojas de confecções estagnaram, mas também porque a cidade é uma das mais socialmente deprimidas do país.
Inserida numa região desde há muito fustigada pelo desinvestimento, abandonada pelo Poder central, castigada pelo poder político e pelo poder económico, a região peninsular de Setúbal foi sempre uma das mais densamente povoadas do país e sempre das menos financiadas. Não existe investimento público na região, e o tratamento político que é dado a todas as vertentes da vida na península de Setúbal e particularmente na cidade é o mesmo que se dá a um balde de lixo. A cultura na região é ignorada ou sub-financiada (basta comparar as verbas de que dispõe ao longo dos anos o Festróia com qualquer outro festival de cinema do país); a natureza é utilizada para satisfazer caprichos dos ricos ou então para servir de substrato para a indústria extractiva (basta olharmos para as construções que vão surgindo em plenas áreas protegidas, sejam elas Reserva Natural do Estuário do Sado ou Parque Natural da Arrábida, bem como para as pedreiras que comem diariamente a Serra do Risco e a da Arrábida - e como se tal não fosse o suficiente, ainda presentearam o povo de setúbal com a co-incineração de resíduos industriais perigosos para agradar a uma cimenteira); a segurança dos cidadãos é desprezada (basta reparar que na cidade de Setúbal há 1 polícia para cada 400 cidadãos, metade da média nacional que, já de si, é má) e as condições de vida, o emprego, os salários e os direitos laborais são nesta região autênticas esmolas dadas aos trabalhadores.
A degradação da qualidade de vida dos setubalenses é fruto de um constante e prolongado desinvestimento por parte do Poder Central, por parte dos sucessivos governos. Agravado pelo facto de termos sido flagelados por 16 anos de poder autárquico à moda de Mata Cáceres (presidente da Câmara pelo PS - que ningúem esqueça a desgraça que nos trouxe), está também este comportamento dos governos que considera que os cidadãos de setúbal são homens e mulheres inferiores, para quem o direito às infra-estruturas do Estado, aos serviços públicos, ao investimento público e ao Trabalho, são menos importantes que os dos cidadãos das restantes áreas urbanas do país. É altura de pôr fim a esta política de segregação que coloca Setúbal no plano de cidade menor, como se de um arredor de Lisboa se tratasse. A proximidade com a capital deve passar a ser uma mais-valia e não um castigo.
Por isso é urgente exigir que os Governos entendam a cidade como um importante pólo, repleto de potencialidades nas mais diversas esferas da vida social e económica, que se coloque Setúbal no mapa do investimento público central e que cesse a política de excomunhão da cidade do território nacional como se tem vindo a fazer ao longo das últimas décadas.
O povo de Setúbal é diariamente discriminado por sempre ter sido uma população de esquerda. Castigado por ter experimentado as cooperativas, por ter grande vida associativa, por ter milhares de jovens trabalhadores conscientes, por ter agarrado o 25 de Abril com as mãos e ter arriscado construí-lo. Mas é hora de denunciar esta estratégia de desinvestimento levada a cabo quer pelo PS, quer pelo PSD e CDS. A estratégia de isolar Setúbal para poder culpar o seu próprio povo está hoje à vista.
Em Setúbal, precisamos de polícia, é certo. E não daquela que aparece armada até aos dentes em carrinhas azuis e que no dia seguinte de manhã desaparece. Precisamos de polícia, é certo. Mas não daquela que nos enfia o holofote do helicóptero pela janela de casa adentro só para acusar presença. Precisamos de polícia permanente, aqui colocada, como mecanismo de vigilância e segurança da cidade e da população. Polícia de proximidade. Em Setúbal precisamos dessa polícia, mas não só. Precisamos de emprego, de serviços públicos, de melhores escolas, de centros de saúde, de acessibilidades e de capacidade efectiva de gestão do território, nomeadamente o da frente ribeirinha, precisamos de investimento e de melhor cobertura dos serviços sociais do Estado, precisamos de apoio ao associativismo juvenil, de estímulos ao turismo regional, de apoio à pequenas e médias empresas. Em Setúbal precisamos de tudo isso, porque não é só a ausência de polícia que abre espaço à violência.
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