segunda-feira, 23 de março de 2009

Os professores e a Escola Pública

Muitas vezes somos confrontados com questões sobre o apoio político que o PCP e a JCP atribuem à luta dos professores e estudantes. É natural que assim seja, particularmente no caso dos professores, sendo que se trata de uma classe profissional relativamente distante dos problemas do operariado e que tem vindo ao longo dos anos a encarar-se a si própria, ainda que involuntariamente, como uma elite intelectual.

Os professores têm, de facto, vindo a distanciar-se das preocupações mundandas e quotidianas dos operários, e mesmo de um vasto conjunto de outros profissionais. Na generalidade, se excluirmos os professores mais novos, são profissionais com relativa estabilidade na carreira e sem inclusão em hierarquia concreta e directa, o que lhes permite um grau de autonomia distinto daquele que é permitido aos restantes trabalhadores. Isso não é, todavia, negativo na medida em que essas são condições inerentes à missão docente. Ou pelo menos deveriam ser...

Fruto de uma política de degradação generalizada das condições de vida dos portugueses e de desatenção às necessidades da Escola Pública, acumulada ao longo dos anos e protagonizada por sucessivos governos, a Escola tem-se distanciado também do seu papel fundamental. A formação da cultura integral do Ser Humano, a preparação para a vivência colectiva e o estímulo à criatividade foram sendo substituídos gradualmente pela preparação e treino para o mercado de trabalho, pela competição entre pares e pela distinção de elites.

A distorsão do papel da Escola Pública, ao longo de tantos anos, obviamente acabou por também desvirtuar o papel do professor, particularmente do jovem professor que é já formado num quadro de hegemonia cultural adversa aos princípios da Constituição da República.

O professor tem, ainda assim e acima de tudo, sido um resistente. Pois embora tenha de facto vindo a adquirir alguma distância das preocupações do povo trabalhador (particularmente do operariado), não o fez ao ritmo que os governos desejavam e tem-no feito sempre com grande resistência, fruto também do trabalho dos seus sindicatos de classe que entendem a Escola Pública não como coutada de interesses, mas como instrumento de valor nacional.

A Escola Pública é uma estrutura fundamental para a existência de uma democracia, por mais elementar que seja essa democracia. Enquanto não estiver assegurado a todos os portugueses, independentemente da sua condição social ou económica, da sua raça, credo ou conduta moral, o acesso ao conhecimento e à análise crítica, não poderá dizer-se que existe uma democracia, pois que assim toda a decisão popular está inquinada à partida por falta de consolidação racional por parte do povo alheio à educação. Há várias formas de estratificar o acesso ao conhecimento e em Portugal temos experimentado um pouco de todas. As limitações no acesso ao conhecimento mudam consoante as necessidades do capitalismo e do sistema, assim garantido a satisfação dos interesses dos grupos económicos que dominam a política portuguesa.

Vejamos: podemos limitar o acesso à escola propriamente dito, ou limitar a progressão escolar dos mais pobres. Assim, asseguramos uma estratificação bem delineada. Os filhos das camadas mais ricas podem aceder ao Conhecimento, os restantes não. Depois do 25 de Abril, porém, esse esquematismo não poderia continuar a realizar-se de forma tão assumida. Em 1986, a Lei de bases do sistema educativo, vem inclusivamente assumir a massificação do ensino como um desígnio nacional, ainda na senda das conquistas de Abril. As necessidades do sistema capitalista vieram, entretanto a ditar a forma como se procede a essa massificação. Se, por um lado, se pode afirmar que se abriram as portas das escolas a todos, não se poderá dizer que se colocaram todos em pé de igualdade perante a Escola.

A estratificação imposta, particularmente depois da revisão curricular e reforma educativa de Manuela Ferreira Leite, por alturas de 1994, veio a colocar as escolas no caminho do regresso ao passado, assim assegurando o acesso às vias de prosseguimento de estudos apenas para os filhos das camadas mais ricas da população, encaminhando os filhos dos trabalhadores para as vias chamadas "de recurso", eminentemente profissionalizantes. O actual Governo intensificou este ataque à Escola Pública e iniciou a sua profissionalização generalizada. A estratégia do capital já não é a da absorção de mão-de-obra analfabeta e incapaz de utilizar os instrumentos e os meios de produção de hoje. Pelo contrário, o capital anseia agora por novas gerações mais formadas, mais capazes de manipular os meios de produção e as novas tecnologias, sempre na perspectiva de retirar o maior lucro possível dessas capacidades da população. Para tal, precisava de um Governo que, não retirando as massas das escolas, alterasse os objectivos centrais da escola pública. Eis que Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues iniciam a sua política de desestruturação e desfiguração da Escola Pública e fazem-no com uma fúria digna de um regime fascista e dos mais emblemáticos ditadores.

Mantendo a perspectiva massiva da Educação, importa pois assegurar que o Sistema de Ensino cumpre as ordens dos interesses económicos, assim separando à partida os futuros dirigentes, a elite do país, e os futuros assalariados, operários e quadros intermédios. Fica assim, assegurado um processo de ensino diferente em função da classe social alvo.

Esta desfiguração da Escola Pública não poderia, no entanto, ser levada a cabo com os professores que, nas escolas têm desempenhado um papel resistente. O professor português, descendente ou ainda protagonista de uma geração que viveu intensamente as conquistas da revolução e que construiu praticamente por suas mãos a Escola Pública, aplicou os seus esforços na construção de um país cujo povo fosse capaz de concretizar a sua própria emancipação. O sistema educativo português, pesem embora os inúmeros ataques políticos e operacionais que lhe têm sido dirigidos, é um sistema orientado para a emancipação nacional e popular, para a estruturação de um país, com base no conhecimento e na consciência individual e colectiva do seu povo. E o professor português é um elemento dessa criação, é aliás um dos pilares dessa construção gigante e audaz que é a Escola Pública. Para alterar as características primordiais e essenciais dó nosso sistema de ensino, é portanto incontornável que se alterem as características dos seus professores.

Daí a importância obsessiva que este Governo coloca no ataque aos direitos dos professores, daí a força com que impõe um regime de carreira hierarquizado, baseado na obediência e no desempenho meramente material do trabalho de professor, esmagando as dimensões humanas do trabalho de ensinar, as dimensões pedagógicas, emocionais, ignorando as disparidades de classe e entre escolas e diferentes realidades, fazendo tábua rasa Constituição da República Portuguesa e, simultaneamente, promovendo o Ensino Privado. Por tudo isto, a luta dos professores é uma peça central da luta mais vasta pela soberania popular, soberania que não será possível enquanto aos trabalhadores estiver reservado o papel de espectador político e escravo laboral. E só com uma Escola Pública Gratuita, Democrática e de Qualidade para todos, poderá o trabalhador português assumir o seu pleno papel na construção do progresso social do país e do mundo.

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