quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

sobre a condição material do eleito comunista

A tarefa parlamentar e outras tarefas institucionais têm-lhes inerente um conjunto de mordomias, de benefícios, materiais e imateriais. Desde os vencimentos e ajudas de custo ao prestígio e visibilidade pública de que muitos gostam. Ora, eu não partilho da ideia de que os deputados portugueses têm condições inaceitáveis, por demasiado boas. No entanto, tendo em conta o nível médio do vencimento dos trabalhadores portugueses, os seus horários de trabalho, e as pressões laborais, existe uma assimetria injusta e que se torna injustificável.

A questão, todavia, não é tanto que os deputados ou outros responsáveis institucionais aufiram quantias obscenas, mas sim que os trabalhadores ganhem tão pouco e tenham tão poucos direitos. O que está mal não é o deputado ganhar 2500 euros, é o trabalhador ganhar 500.

No entanto, escreve-se este texto para aprofundar a questão do estatuto material dos eleitos comunistas em órgãos institucionais da democracia. Que motivos levam o Partido Comunista Português a inscrever nos seus estatutos que os membros do Partido eleitos em cargos institucionais não podem ser beneficiados nem prejudicados materialmente? Ou seja, por que entregam os eleitos comunistas o rendimento correspondente à tarefa, ao Partido?

Julgo existirem múltiplas razões, talvez mais do que as que escreverei. Mas ficam as que considero fundamentais:

i. A impossibilidade de ser beneficiado materialmente pelo desempenho de tarefa pública quando eleito pelo PCP cria um ambiente de adversidade ao carreirismo e ao oportunismo. Embora a tarefa possa implicar mais visibilidade pública e mais projecção, ela não implicará de qualquer forma, uma vantagem material.

ii. A entrega da diferença entre o vencimento anterior e o vencimento de eleito ao Partido constitui uma forma de compromisso político e militante, expressa em disponibilidade revolucionária para contribuir também para os fundos do Partido, mas também para aceitar responsabilidades militantes, no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, sem remuneração. A convicção e o empenho também se podem medir pela disponibilidade de um comunista para assumir tarefas sem benefício material.

iii. A sujeição do eleito comunista a esta regra implica viver exactamente nas condições materiais em que viveria caso nunca tivesse eleito. Ou seja, elimina o factor referido no primeiro parágrafo sobre a assimetria de rendimentos entre o eleito e o eleitor. Isso dá ao eleito comunista uma legitimidade absolutamente diferente para reflectir, agir e falar, sobre a situação social e política. Um eleito do PSD não pode dizer "nós" quando se refere ao povo porque ele não tem qualquer relação material com o povo que supostamente representa. O eleito comunista tem toda a legitimidade para falar na primeira pessoa do plural, na medida em que se encontra sujeito a um rendimento igual ao da generalidade dos portugueses com formações e profissões similares à sua. Por essa via, não podendo elevar os rendimentos dos portugueses, aproxima-se da generalidade desses rendimentos por abdicar do seu.

Na actual situação política e económica, com as consequências no plano social que dela advêm, o afastamento do eleito e da população é um elemento de desagregação democrática - é-o aliás sempre. Neste contexto, os ataques à democracia, formal e vivencial, são mais ferozes, mais profundos, na medida em que o avanço da restauração capitalista se dá com maior vigor. Por isso mesmo, maior, mais amplo e mais veemente, tem de ser o esforço dos comunistas de se demarcarem das práticas da democracia burguesa, acusando as suas imperfeições, insuficiências e vícios, mas sem correr nunca o risco de engrossar a torrente demagógica do anti-parlamentarismo como expressão da anti-democracia que o capital anseia.

A democracia burguesa, o parlamento como se configura, é insuficiente para o progresso. Mas a sua substiuição por uma câmara de deputados todos iguais, ou a sua simples supressão, representariam retrocessos demasiado íngremes na escalada para a democracia que devemos encetar depois da interrupção - pelas mãos de PS, PSD e CDS - a que foi sujeito o processo revolucionário. Aproximar os eleitos das massas, acusar a prática política de PS, PSD e CDS que faz com que os portugueses tenham 485 euros é a tarefa do eleito comunista neste tabuleiro da luta ideológica sobre a democracia formal. Queremos viver num país em que seja obsceno ganhar 485 euros e não seja mais do que natural ganhar 2500.

2 comentários:

Sérgio Ribeiro disse...

Exactamente. É a... diferença entre democracia e demo cra cia!

Um abraço

Sérgio Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.