quarta-feira, 29 de junho de 2011

A burguesia e o futuro

Fernando Rosas tirou tempo dos seus afazeres de professor universitário para escrever um texto sobre o futuro do Bloco de Esquerda. O próprio faz questão de no-lo dizer logo nas primeiras linhas, como quem afirma que se enfadou de ouvir dizer umas coisas se retira assim dos seus deveres temporariamente para dizer a última palavra.

E ficamos desde logo a saber, que é nota determinante do conteúdo do texto, que o próprio autor carece, ou disso sente necessidade, que credenciais porta no intelecto.

Mas adiante, escreve o dirigente esquerdista sobre o futuro do BE, para na verdade proceder a mais um típico ataque ao PCP. Aliás, contam-se mais linhas ofensivas ao PCP do que a qualquer outro partido do espectro parlamentar, incluindo os da direita. Isto é, por si só, um elemento capaz de denunciar ao que vem este senhor. Não podemos afirmar que tenha escrito o texto com esse objectivo estrito, mas podemos certamente afirmar que Rosas sabe, e bem, que para defender o grupelho de que é fundador, é necessário hostilizar o PCP.

Ou seja, o BE, como anti-Partido-de-classe, cria a sua matriz genética a partir da antítese e do ataque ao Partido Comunista Português. A sua definição é essa mesma: anti-comunista, pequeno-burguês, social-democrata. Para a vincar será sempre necessário fazer confluir a crítica, nos termos exactos da burguesia e da hegemonia, contra as organizações de trabalhadores, seu Partido e seus sindicatos.

Fernando Rosas começa por vitimizar o BE, disparando sobre os colunistas que "pela undécima vez" anunciam a morte do BE. Ora, não é preciso muita memória, nem sequer grande atenção à cena política, para reconhecer que tal encenação não coincide em momento algum com a realidade. Era interessante, por isso mesmo, perguntar a Rosas quem e quantas vezes anunciou o fim do BE, assim como ele o refere neste texto que curiosamente merece espaço (e não pouco) nas páginas desses colunistas agora odiados, mas tantas vezes amados, o jornal Público. O texto, publicado pelos meios desse jornal, merece milhentos caracteres e inclusivamente tópicos e sub-tópicos. E não deixa de ser importante referir que o próprio Rosas, depois de nos dizer que deixou de lado as teses dos seus alunos, anuncia que escreve neste jornal porque, pasmem, foi convidado pelo próprio órgão de comunicação social.

Mas o que Rosas não consegue, não porque não tenha capacidade mas porque não pode mesmo, é destacar-se e descolar-se dos diversos rótulos que tenta negar. O ataque mais repudiado pelo próprio autor do texto é o da concepção do BE como grupo político unido em torno de pequenas causas e causas "fracturantes" e é interessante que possamos verificar como se afasta Rosas dessa crítica, porque é nesse ensaio que está o sumo do seu texto e, afinal de contas, o sumo ideológico do BE.

Rosas diz que o BE não se cinge a isso. Diz mesmo que "...Porque o BE procurou e procura responder ao que era um vazio óbvio e essencial na esquerda: recriar o espaço político e ideológico dos muitos que não se reconhecem nem na rendição do PS à "terceira via", ao blairismo e ao neoliberalismo, nem na ortodoxia de um PCP que ainda não matou o pai, que continua a identificar-se com os paradigmas da ex-URSS e a chamar "irmãos" aos partidos e regimes da China ou da Coreia do Norte".

É impressionante como se pode destilar tanto veneno e mentira, através de inexactidões - não de pormenor - num tão curto período frásico. Particularmente quando o autor das linhas tem a plena consciência da mentira em que incorre.

Então o BE, que se gaba de não ter ideologia, de não aprofundar ou construir nenhuma doutrina, vem para preencher um espaço ideológico?

Então o BE, que tanto se revê nas novas tendências da "terceira via" vem disputar o espaço de um PS rendido ao neoliberalismo e ao blarirismo? Esperem, o mesmo BE que acha que é melhor a NATO invadir e bombardear a líbia, porque não suporta outras concepções de sociedade que não as da burguesia ocidental?

Então o BE que quer preencher o espaço político e ideológico dos que não se revêem num PCP que considera irmãos regimes - decerto sanguinários para Rosas - e que não tolera de forma alguma aquilo que considera o amor ao "pai dos povos" latente nas fileiras do PCP pediu a esse mesmo PCP que fosse a sua âncora eleitoral e com ele fingiu querer concertar posições para uma nova política em Portugal?

Mas seguimos adiante e todo o texto é um somatório de pequenas considerações vazias de conteúdo. Porque a forma como Rosas responde ao facto de ser um Partido "pela modernização dos costumes" é afirmando ser um partido de mobilização social nas estruturas partidárias e sindicais, mas sem "controleirismos absurdos". E todos sabemos o que isso significa. Admitimos mesmo que o controleirismo do BE seja de novo tipo, ao invés de haver um acompanhamento dos quadros para garantir a funcionalidade e a natureza de classe das organizações, há apenas uma carta verde para debilitar, para se auto-promover, para manipular e partidarizar as estruturas. Para isso nem precisam, é verdade, de grandes controleirismos, basta-lhes minar as organizações, e acusar todos os comunistas que por lá passem disto ou daquilo. É um trabalho fácil que lhes granjeia sempre elogios, até nas páginas desses colunistas que merecem incompreensível ingratidão do autor logo nas suas primeiras linhas. Mas embora incompreensível por nós, certamente será compreendida pelos próprios, dado que as farsas muitas vezes são necessárias para mascarar a realidade.

Rosas não perde igualmente a oportunidade de atirar que a derrota eleitoral não terá sido só do BE, mas da "esquerda em geral". Das duas uma, ou o PS é da esquerda em geral e juntamente com o BE representa essa esquerda em geral que sai derrotada das eleições, ou o PCP e a CDU, para o BE, constituem uma espécie de eternos derrotados, independentemente de sairem reforçados ou debilitados nas eleições. O que Rosas quer efectivamente transmitir é não só a dissimulação dos resultados do BE, mas a difusão da mentira essencial: a de que a esquerda sai fragilizada das eleições, assim contribuindo de forma determinante para branquear os resultados do PCP e o papel do PS na política de direita.

Rosas continua na linha em que fundou o BE. Na linha de coisa nenhuma a não ser o ódio político natural às organizações de classe dos trabalhadores. Prossegue dizendo que a diferença entre esquerda e direita está exclusivamente na forma como as forças políticas reagem à invasão da troika e aos planos de austeridade. Mas algumas linhas antes confessa que o BE não pesou o efeito político da sua rejeição de participação na reunião com o FMI, dizendo assim de forma camuflada: "os erros principais do BE terão sido, precisamente, os de sobrestimar a capacidade de indignação e protesto popular contra o programa do FMI e o de subestimar o estado de espírito de um eleitorado que tendia a acreditar no milagre regenerador do "sacrifício nacional" e não percebeu a razão pela qual o Bloco não ia conversar com a «troika»." E pronto, de uma assentada, Rosas, de forma habilidosa, responsabiliza o povo pelos resultados do BE, porque não percebeu e porque foi sobrestimado pela direcção do BE... Esta concepção - que até acredito ser genuína - é reveladora da mais gritante falta de consciência da dialética na política e na sociedade, da mais pobre sobranceria e do mais enviesado raciocínio político. A responsabilidade do BE não terá sido a de não conseguir mobilizar para o combate, mas a de ter sobrestimado um povo que afinal de contas não vale tanto quanto pensava.

O resto do texto é uma colagem de banalidades sem conteúdo, supostamente negando teses, fazendo consciente ou inconscientemente a sua apologia. Mas há uma nota fundamental que importa reter: Rosas nunca fala na questão central do actual momento político - a luta de classes e as contradições entre Trabalho e Capital. Não fala porque não pode, porque o BE, apesar dos laivos coloridos de esquerda, não deixa de ser um partido da burguesia, seu filho e seu instrumento. E o BE é um Partido que, mesmo que tivesse essa oportunidade, jamais mataria a sua mãe.

E quando Rosas fala do futuro do BE, esquece-se de uma coisa: o futuro dos partidos está nas mãos da classe que os pariu. Por isso, os partidos durarão o tempo que essas classes quiserem que durem e persistam. Durarão enquanto lhes forem necessários. E orgulho-me de pertencer a um partido que durará enquanto o proletariado, os trabalhadores e a classe operária, dele precisarem, em vez de pertencer a um que só terá futuro enquanto a burguesia dele se servir.

5 comentários:

Anónimo disse...

Seria curioso saber aonde é que o Rosas escreveu esse artigo. Por acaso não terá sido da Fundação Mário Soares?

Mário Reis disse...

Tiago, de acordo com quase tudo. Não percebi aquela do “garantir” a “… funcionalidade e a natureza de classe das organizações”

Leio, vezes de mais, gente iluminada (bem falante, bem moderna e de confiança) a sonhar com os levantamentos de massas contra as “crises” e a “homogeneização” de subsistência que as corporações querem impor.
Por muito que custe a entender a esses progressistas, o caminho não é de cedência oportunista (o federalismo da Europa, o Alegre, apoio à “ajuda” grega, apoio à “democracia” na Líbia, etc.) mas de defesa dos valores e direitos sociais inegociáveis. A estrada não deve conduzir-nos a reformas do capitalismo, mas a uma critica intelectual e aberta dos artifícios e da exploração que tem garantido a dominação ao capital.
Para haver resposta de massas são precisos movimentos sociais organizados e pessoas que ultrapassem o atraso na compreensão desta brutal ofensiva. São urgentes alianças e a união das classes trabalhadoras e de amplos sectores da pequena burguesia, para dar combate a esta ofensiva. Só a luta, a consciencialização da posição social e uma união dos trabalhadores organizados, e não arrebanhados ao sabor dos ventos, pode derrotar o que terramoto que temos pela frente. Isso exige ideologia, debate, coragem, tempo e sacrifício pessoal e colectivo. Isso exige o aparecimento de pequenas iniciativas locais, de questionamentos sociais, de construção de organizações verdadeiramente anti-capitalistas.

Na verdade, convivo diariamente com aderentes do BE, que no debate e nas soluções, (sem terem consciência disso) defendo a reforma do capitalismo.
Não acreditam na luta, na persistência, no exemplo “queres o caos da Grécia???” perguntam-me? E verbalizam um ódio primordial ao PCP.

Abraço a todos os que lutam!

JL disse...

Gostei do texto, contudo, penso ser um exagero dizer que o BE serve a burguesia ou algo parecido, pois de momento, quer queiramos quer não, há bastantes afinidades políticas no curto prazo entre o BE e o PCP. Não havendo é a longo prazo, no objectivo final.
Mesmo sendo da esfera do PCP, a verdade é que concordo em muito com as observações que o BE tem feito no plano internacional sobre vários países (regimes) que auto-apelidam de socialistas. É um grave erro o PCP não fazer uma análise mais profundas dizemos regimes.
Em relação às eleições, é verdade que o PCP subiu, foi o único partido da esquerda que conseguiu, no entanto há fortes limites desta subida, isto é, é um facto que a esquerda saiu derrotada das últimas eleições, mesmo com a subida de 1 deputado pela CDU, como é visível pelas propostas que anda actualmente no parlamente.
Abraços,

Anónimo disse...

Está tudo muito bem.
Mas acho que deves apontar as tuas baterias ao PSD que esse sim está provado que será nefasto para o país e não tenho noticias que esteja para morrer.
Ao BE é necessário explicar aos seus militantes que ainda acham que o partido está vivo que Ele apenas está é mal morto.

Sérgio Ribeiro disse...

Partilhamos o mesmo orgulho!
Quanto ao Rosas... ele lá sabe as linhas com que se coze. A dúvida que tenho é se merecerá tanta boa cêra.

Um abraço