quarta-feira, 11 de março de 2015

Verdade Jornalisticamente Modificada

A primeira vez que a Assembleia da República se pronunciou sobre organismos geneticamente modificados foi no dia 2 de Dezembro de 1999, na sequência de um projecto de resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. Aliás, não existia ainda legislação nacional que regulasse esse tipo de cultivo agrícola e, por isso mesmo, o PCP recomendava que o Governo de então se opusesse à liberalização do cultivo de organismos geneticamente modificados, no âmbito da Conferência Ministerial da OMC, que reuniria em Seattle. O Projecto de Resolução pode ser lido aqui. Foi rejeitado com os votos contra do PS e do PSD e com a abstenção do CDS.

A 10 de Dezembro de 1999, o Partido Ecologista "Os Verdes" entrega um projecto de lei que seria numerado com o nº 43/VIII e a 7 de Janeiro de 2000, o BE apresenta um projecto que seria estranhamente numerado com o nº 30/VIII. Esses foram os primeiros projectos de lei a serem apresentados e votados prevendo a proibição de cultivo e comercialização de organismos geneticamente modificados. O do PEV seria rejeitado com o voto contra do PS e o do BE seria aprovado por unanimidade, apenas com uma abstenção na votação final global, por parte do PEV, dando origem à lei nº 12/2002.

Depois disso, o PEV insistiu e tentou alterar por 3 vezes a legislação que foi sendo produzida, chegando a ter uma iniciativa conjunta com o PCP, a apreciação parlamentar 10/X, seguida de um projecto de resolução do PEV e outro do BE, apresentado em Setembro de 2007, seguidos de um projecto de lei do PCP que proibia o cultivo de OGM em meio não controlado, apresentado em Fevereiro de 2008.

Já nesta legislatura, o PCP foi o primeiro partido, em Setembro de 2012, a apresentar um projecto de lei para a proibição de cultivo de OGM em meio não controlado, o Projecto de Lei nº 308/XII que contou com os votos contra do PS, do PSD e do CDS.

Pelas mãos dos governos PS acabou depois por ser revogada a lei em causa e vieram a ser liberalizados os cultivos e o comércio de organismos geneticamente modificados. Esta é, de forma resumida, a história sobre a legislação anti-OGM em Portugal, liquidada pelo PS com o apoio do PSD, principalmente durante o primeiro Governo de Sócrates, que generalizou e liberalizou o cultivo de OGM em Portugal, contra a agricultura, contra a soberania alimentar, contra a natureza e a saúde, contra diversidade vegetal, pelo grande capital.

O jornal Público de hoje não tinha de falar de toda esta história, evidentemente. Mas escusava eliminar o PCP da sua notícia da página 12. O Público, que raramente faz uma resenha dos projectos de lei relacionados com a notícia, fez questão de anunciar um projecto de lei do BE numa notícia sobre um do PEV e ignorar em absoluto a existência de uma iniciativa do PCP, que, por sinal, foi a primeira a ser apresentada durante a presente legislatura e que agora é recuperada pelo PCP no agendamento do PEV sob a forma de Projecto de Lei nº 805/XII e que entrou mesmo antes do projecto de lei apresentado pelo PEV.

Ora, o jornal teve certamente o cuidado de se informar certamente no sítio da Assembleia da República e verificou que o Partido Ecologista "Os Verdes" tinham agendado o debate, assim confirmando a existência de um projecto também do BE (que o jornal fez questão de descrever e referir várias vezes ao longo da peça), e apagando a existência do Projecto do PCP que, é aliás, o único que não verifica o problema que a peça do Público identifica quando afirma "O que os países podem proibir, no entanto, é apenas o cultivo de plantas transgénicas, mas não a comercialização de produtos geneticamente modificados ou que contenham OGM. As duas propostas que estão no Parlamento agora vão, por isso, além do que ficou decidido em Bruxelas." É, pois, grave que o Jornal Público tenha deliberadamente apagado o projecto de lei do PCP que é inclusivamente o mais antigo, na medida em que o sítio do parlamento apresenta os três projectos, como é natural.

Ou então, o jornal em causa não consultou o sítio do parlamento e fez a peça sem verificar a sua veracidade, tendo no entanto, certamente tido um contacto com alguém que lhe referiu a existência do Projecto do BE. Nesse caso, o jornal privilegiou, sem critério perceptível, o contacto com alguém porque ao PCP ninguém perguntou se tinha Projecto. E tinha.

A peça diz ainda que "Os Verdes já tentaram aprovar uma moratória aos OGM e também quiseram introduzir uma proibição total na lei de bases do ambiente." Apenas para registo, é verdade que "Os Verdes" o tentaram fazer através de uma proposta de nova lei de bases. E é igualmente verdade que também o BE e o PCP o fizeram. Deixo aqui o projecto de lei de bases do ambiente apresentado na altura pelo PCP.



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