quinta-feira, 10 de novembro de 2011

De Esopo aos dias de hoje

Não julgarei as intenções de Esopo ao deixar para a Humanidade a fantástica fábula da cigarra e da formiga, fábula que ainda hoje anima ilustrações na vida real.

Não posso é, no entanto, deixar de sentir uma certa revolta quando ouço os governantes aludirem a essa fábula para atacar os direitos de quem trabalha, fazendo crer que quem vive do seu trabalho, no quadro do capitalismo, só não tem provisões suficientes se não trabalhar e, portanto, assobiar como as cigarras.

Há várias questões na fábula que, mantendo a sua graça, não deixam de correponder a grosseiras adulterações da realidade entomológica. Ora vejamos: a formiga trabalha, é certo. Todavia, a cigarra tem igualmente um nicho ecológico, que preenche bem.

Ou seja, não é verdade que a cigarre não realize o trabalho necessário à sua sobrevivência e reprodução, sem que sequer prejudique outros seres vivos.

Diferentes das cigarras e das formigas são, isso sim, os parasitas, insectos ou de outra qualquer classe, família, filo ou reino. E disso devem perceber bem os governantes, os patrões e restantes bandidos que não hesitam em evocar a fábula de Esopo para disfarçar o parasitismo de que vivem.

Mas há uma outra dimensão do conto de Esopo que não pode deixar de escapar a estas linhas: é que, fazendo da cigarra um artista (o que também não corresponde à verdade já que o canto da cigarra não é arte mas busca de acasalamento) Esopo despreza o trabalho do cantautor, do artista, que durante o verão canta e que, nem que fosse só por ter trazido à formiga o encanto da arte e da música, o estímulo poderoso da cultura, mereceria dispor justamente das provisões do formigueiro.

Sem comentários: