- a propósito da centralização da política nacional em indivíduos, a propósito das declarações de António José Seguro ontem na TV sobre o facto de se ter retirado da sala para não votar a nacionalização do BPN;
- a propósito dos votos contrários à tendência esmagadora no PS, por parte de alguns dos seus deputados;
- a propósito das declarações ontem na tv do candidato do PSD à Câmara Municipal de Odivelas, Hernâni Carvalho.
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O debate parlamentar dificilmente poderá ser qualquer outra coisa além do que realmente é. Uma prova competitiva de oratória que funciona como desculpa para uma democracia empobrecida e para o lateral desfile de vaidades que por ali se passeia ostensivamente. Não é um problema da Assembleia da República propriamente dita, é um problema que reside essencialmente na sua composição partidária e no sistema que acaba por sustentar, o neo-liberalismo económico.
Neste quadro, o parlamento português denigre-se a si próprio sem carecer da ajuda empenhada da comunicação social que, prestável, destaca com prontidão toda a barbaridade que nessa casa se passa e expõe com relevo qualquer merda que se passe na vida dos senhores deputados, desde que seja suficientemente negra e digna de embaraço pessoal. Claro que se deixam de fora as atrocidades políticas que por ali se cometem, que essas não interessam a ninguém, claro que se deixam de fora os verdadeiros crimes que se realizam diariamente na assembleia da república contra o povo português, contra os trabalhadores, as mulheres, os homens e os jovens portugueses.
Temos tido a oportunidade de verificar diariamente os efeitos da política de direita que se abate sobre o nosso país e sobre o nosso povo desde há cerca de 30 anos consecutivos. Mas para esses efeitos pouca atenção têm os jornais, porque mais importante do que isso é saber com quem namora o raio do primeiro-ministro; ou saber se o senhor se sente muito ou pouco ofendido quando lhe chamam mentiroso. Mas isto são trocos da vida política.
Na verdade escrevo para desabafar sobre a campanha de destruição da democracia que está em marcha, centrando no indivíduo o desempenho e a posição política. Cada vez mais se intensifica a campanha anti-partidária, dirigida genericamente contra os partidos políticos portugueses de forma a centrar o desenvolvimento das políticas nos indivíduos, desviando-o do interior dos partidos. A culpabilização não do partido e da sua orientação política, mas da sua função formal e da sua estrutura propriamente dita, pelas falhas e atentados políticos tem um objectivo muito claro que certamente se conjuga com outros, mas que é no essencial o de desresponsabilizar as políticas propriamente ditas.
Aparece não raras vezes o "interesse partidário" como um mal em si mesmo, como que um "interesse oculto" e "mafioso", quando na verdade o "interesse partidário" é o único escrutinável, o único a quem é possível assacar responsabilidades. O anátema lançado contra o "partido", contra a base estrutural da democracia portuguesa, como estabelecida na Constituição, é a forma mais fácil de ilibar os responsáveis pelo estado a que chegámos e, principalmente, ilibar as escolhas políticas que esses mesmos responsáveis, nesses mesmos partidos, têm tomado e aplicado. A demonização do partido em si-mesmo, independentemente da política que pratica, da sua forma de organização, da sua proposta política é a forma mais simples de incluir todos os partidos no mesmo saco, mas é, mais grave do que isso ainda, atacar um dos pilares constitucionais da democracia: os partidos, assim colocando no centro da vida política nacional, a gestão como substituinte da política, o génio individual como substituto do trabalho colectivo, a empresa em vez do partido.
O caminho que seguirá o capitalismo é o da busca de todas as soluções que convenham à classe dominante. Partidos servem hoje, podem não servir amanhã.
Para os indivíduos que se afirmam acima da "manipulação partidária", que se dizem não submissos aos "interesses partidários", importa perguntar que raio fazem em partidos cujos interesses são diferentes dos "interesses colectivos do país e do povo"? Aos senhores que orgulhosamente votam de forma diferente da dos seus partidos na Assembleia da República, por exemplo e que com iosso granjeam fortes apoios no mundo da comunicação social, passando a ser o centro de todas as atenções, importa perguntar:
"como podem orgulhar-se de trair o povo? como podem orgulhar-se de desrespeitar tanto o povo português como o vosso próprio partido? como podem assumir a posição cómoda de sair da sala em votações incómodas? como podem assumir posições contrárias às do vosso partido sem que delas retirem consequências? como podem continuar a enganar tudo e todos, destruindo a imagem do sistema político português?"
É que, no actual quadro, a amplificação da ideia de que o Deputado é o eixo da política e não o Grupo Parlamentar e o Partido em que se insere, faz parte da campanha anti-partidos e anti-democracia. Faz parte de uma ofensiva de desmantelamento da democraica que, infelizmente, se conjuga amiúde com vaidades e egos do tamanho do mundo.
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