quarta-feira, 16 de setembro de 2009

alguma confusão na RTPN...

Estava em casa com a tv ligada no canal RTPN, que passava um programa noticioso de hora de jantar. A pivot anuncia que o referido programa vai apresentar uma reportagem sobre abandono e insucesso escolar, assim: "apesar da melhoria dos números, continua a haver em Portugal quem abandone a escola para entrar no mercado de trabalho".

Dediquei um pouco mais de atenção ao programa, tendo em conta a importância do assunto. Surge então a reportagem. Um rapaz de 18 anos havia abandonado a escola antes de terminar o 9º ano de escolaridade. Perguntam-lhe o que correu mal e ele responde que nada correu mal, mas que gostava mais de trabalhar do que ir à escola. Actualmente o rapaz é aprendiz de pasteleiro, profissão que vai aprendendo na dependência de seu pai, pasteleiro de profissão. Começo a ficar sinceramente perplexo. A televisão pública faz uma reportagem sobre abandono escolar em que mostra um rapaz, filho de artesão com negócio próprio, que abandona a escola por decisão própria e se junta ao pai para aprender o ofício... sinceramente, escapa-me o alcance das intenções de tal reportagem tanto como me falha captar a importância nacional de tal acontecimento para que mereça reportagem de 4 minutos no jornal da RTPN. Vejamos: um rapaz de 18 anos abandona a escola, sem quaisquer carências especiais, era aluno mediano, tinha dinheiro, mas preferia trabalhar com o pai para aprender o seu ofício.

Será da minha limitada capacidade craniana ou isto não é nem o típico caso de abandono escolar, nem tampouco se pode qualificar como notícia?

Eis pois que a tv pública dedica parte do seu telejornal a estimular o abandono escolar, mostrando que os miúdos com 18 anos que abandonam a escola não estão nada mal da vida e que até ingressam felizes no mercado de trabalho. Importa questionar: que critérios, que objectivos levaram a que aquela peça passasse na tv pública em pleno telejornal da hora de jantar? a que propósito se presta a tv pública a fazer estes fretes ao governo e à doutrina dominante? Quem mais distraído pudesse estar, poderá até nem se ter questionado sobre a oportunidade e conteúdo da referida peça "jornalística", mas é grave, é mesmo grave, que a televisão pública seja manietada e utilizada como veículo de uma cultura anti-democrática e claramente doutrinária.

Dirão alguns que a tv se limitou a narrar um caso real e particular, assim cumprindo o seu deve. Ao que respondo sem hesitar que se quiserem contar estórias podem fazê-lo nas telenovelas, mas quando apresentam em pleno telejornal uma reportagem sobre abandono escolar, convém ir muito mais além. Porquê aquela estória em particular? Porquê aquele caso específico? Quem o escolheu? Como foi para à RTPN? Porquê só aquele caso e nenhum outro? Que raio tem a estória de vida daquele miúdo a ver com o abandono escolar em Portugal? São algumas questões que importava colocar.

Conclusão: ficámos todos a saber que o abandono escolar em Portugal não tem nada a ver com problemas sociais e económicos. Que os estudantes ão deixam a escola por necessidade de começar a contribuir para o orçamento familiar, nem tampouco por dificuldades em conseguir pagar todos os custos do ensino. Ficámos a saber que os estudantes abandonam a escola, mesmo antes da conclusão da escolaridade obrigatória, porque preferem ir trabalhar e que, quando o fazem, têm um mercado de trabalho dinâmico à sua espera. Ficámos a saber que o abandono escolar em Portugal só acontece por opção.

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