quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

da "unidade das esquerdas"

Há um mito sobre a "unidade da esquerda" ou sobre a "unidade das esquerdas" que me faz uma certa confusão e que julgo prejudicar o debate e o surgimento de soluções políticas que se configurem como alternativas. De certa forma, posso simplificar as minhas apreensões:

1. Diz-se muitas vezes que a direita está unida e que a esquerda precisa do mesmo. Ora, então vejamos, PSD e CDS nunca precisaram de fazer coligações pré-eleitorais para governar, e quando as fizeram nem sempre ganharam. Além disso, importa dizer que a convergência da direita abrange o PS, como se viu nos últimos governos de Sócrates que aprovaram mais de 90% de todas as suas propostas com o voto favorável da direita.

2. Enquanto que a "unidade da direita" é uma convergência de classe, traduzida depois na convergência partidária; na esquerda insistem em criar mecanismos artificiais de "unidade da esquerda" que não radicam na unidade de classe, mas na pulverização de cúpulas que ensaiam o discurso da unidade.

3. A suposta "esquerda" que apregoa a "unidade" ilude e contribui para a confusão entre os conceitos políticos fundamentais para ultrapassar o momento político em que nos encontramos. A unidade necessária não é de cúpulas de gente ou partidos ou movimentos que traga estampado um rótulo de esquerda, porque a "esquerda" é um conceito vago e móvel segundo o prisma. A questão central não é unir a esquerda, mas unir a classe, unir as classes. Unidas as massas, a resposta política surgirá pela concretização da democracia que se torna incontornável perante a unidade. Ou seja, unidos que estejam todos os trabalhadores e ganhas que estejam para a unidade as camadas intermédias da população, a resposta partidária surgirá, tal como surge a resposta partidária PS(D)CDS à "unidade" dos capitalistas.

4. O problema coloca-se, pois, na própria compreensão do que é preciso unir e do que não é preciso unir, bem como do que é fundamental que se una e do que não é fundamental que se una. E essa confusão, a falta dessa compreensão, que faz privilegiar fusão ou "unidade" de cúpulas ou organizações em vez da convergência de massas na acção e unidade de classe, contribui objectivamente para a desagregação da classe porque a ilude com "unidades" inúteis, falsas e inconsequentes.

5. A pluralidade de visões ditas de "esquerda" e de movimentos ou forças de esquerda não é um problema: não é um problema que co-existam BE e PCP, mas começa a tornar-se um problema a constante elevação da "unidade" a objectivo sagrado de organizações que, em momentos certos, convergirão na medida da convergência que nas bases se verifique e que, em outros momentos, divergirão expressando também a natural diversidade das abordagens. A própria "unidade" é um processo e, em momento nenhum, esse processo passa pela "união de partidos". Essa "união" pode, no entanto, em momentos muito concretos ser um instrumento e nunca um objectivo.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

de avaliação positiva em avaliação positiva, até à destruição total

O Pacto de Agressão assinado por PS, PSD e CDS e pelo FMi, BCE e UE tem sido um tremendo sucesso. 

Na verdade, os objectivos com que o Partido Socialista enviou o à troika estrangeira as suas disponibilidades e compromissos em Maio de 2011, estão muito claros no texto desse Memorando. Os objectivos eram desde o início os mesmos: assegurar a constituição de novos monopólios e a protecção dos existentes, por um lado; e o aumento da taxa de exploração do Trabalho pelo Capital, por outro.

Ora, as sucessivas avaliações positivas demonstram que o Pacto de Agressão tem cumprido os objectivos apontados. Claro que nenhum dos objectivos reais do Pacto corresponde àqueles propagandeados por PS, PSD e CDS, nomeadamente, o combate ao défice e a diminuição da dívida pública. Esses dois supostos objectivos mais não são senão o pretexto político e o instrumento de política económica e financeira através dos quais se atingem os reais objectivos que já referi.

As nove avaliações positivas não significam que a economia portuguesa está melhor hoje do que estava em 2011, não significam que os portugueses estão a ser beneficiados com a política económica em curso e também não significa que se está a processar um qualquer tipo de "ajustamento orçamenta" ou "consolidação das contas públicas". Antes pelo contrário, a economia está moribunda, o desemprego é galopante e criminoso, a produção cai e o consumo interno prossegue uma tendência de degradação, enquanto que a procura externa também não responde positivamente. Ao mesmo tempo, o país está mais pobre, mais deficitário, mais endividado e sem mecanismos de soberania e económicos com controlo democrático capazes de retirar Portugal do lodaçal em que os "parceiros internacionais" e os títeres da troika doméstica o colocaram.

Ao fim de nove avaliações positivas:

i. a distribuição de rendimentos em Portugal pende cada vez mais para o Capital e os impostos directos recaem cada vez mais sobre os trabalhadores. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Reforça os lucros dos grandes grupos económicos e faz com que sejam os trabalhadores a suportar os custos de um estado que já não os serve, para servir precisamente esse grupos.

ii. o serviço público de educação está cada vez mais orientado para a formação profissional, deixando o ensino abrangente para as elites dos colégios e o governo prepara-se para implantar em Portugal as escolas-charter. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Reforça a capacidade de exploração do Trabalho pelo Capital e entrega milhões ao oligopólio dos privados da Educação, enquanto assegura que apenas acede ao Conhecimento quem pode pagar, ou seja, os filhos das classes dominantes.

iii. o serviço público de arte e cultura está desmantelado. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Censura a liberdade de criação e impede a livre fruição artística e cultural, fragilizando o nível cultural das massas, favorecendo a submissão. Ao mesmo tempo, entrega nas mãos do monopólio da organização de eventos e da distribuição de cinema, um mercado de monocultura, capitalista e entorpecedora. 

iv. a banca está mais robusta, apesar de o ter conseguido por força das brutais injecções de capital vindas do Estado e da supressão da actividade produtiva. Isso e positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Assegura a protecção do oligopólio da banca privada e coloca nas mãos dos bancos privados a capacidade de decidir onde se destinam recursos que eram públicos e passam a ser privados.

v. o país está mais endividado. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Intensifica a exploração sobre os portugueses, retira soberania ao estado e acrescenta juros como ganhos dos que criaram a dívida. 

vi. o país tem um desemprego criminoso. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. O desemprego contribui como nenhum outro instrumento para baixar o valor do Trabalho. É tão simples como a lei da oferta e da procura: muita oferta, pouca procura, salários miseráveis. Com o desemprego atingindo os actuais níveis, os salários dos portugueses caem a pique e os lucros dos grupos económicos sobem vertiginosamente. 

vii. o serviço nacional de saúde é cada vez mais inacessível e cada vez mais incapaz de responder às necessidades da população. Isso é positivo porque responde aos reais objectivos do programa. Entrega ao oligopólio privado da Saúde um negócio de milhões: a doença dos portugueses. Um serviço nacional de saúde público poupa milhões com a saúde, um privado lucra milhões com a doença.

viii. as pequenas e médias empresas fecham as portas diariamente e encerram em cada esquina. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Concentra a actividade económica nos monopólios e oligopólios, fechando restaurantes, cafés, pequenos hotéis, mercearias, cabeleireiros, mini-mercados, lojas de informática, lojas de roupa, drogarias para as substituir por esplêndidos templos do consumo financiados pela banca e explorados pelos grupos monopolistas da distribuição.

ix. o governo vende empresas públicas ao preço da chuva. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Entrega alavancas fundamentais da economia nacional, serviços essenciais e infra-estruturas determinantes nas mãos de grupos económicos que as gerem de acordo com o interesse dos seus accionistas. Ao mesmo tempo, concentra milhões de lucros nesses grupos em vez de esses milhões serem lucro do estado para o investimento necessário. Um negócio perfeito para salvaguardar os monopólios existentes e ajudar novos a surgir.

x. o país produz menos e consome menos. Isso é positivo porque cumpre os reais objectivos do programa. Baixa a produção nacional e submete mais o país ao ciclo vicioso da dívida e da submissão aos "mercados financeiros", retira soberania e subtrai democracia na economia e submete os portugueses à miséria e ao empobrecimento crescente e acelerado. 

Portanto, não é uma teima. É um facto. Se as avaliações da troika ocupante e da troika doméstica são positivas é caso para perguntar: positivas para quem? E é por isto, e só por isto, que os comunistas afirmam: O sucesso do Pacto e do Governo é o falhanço do país. E é por isso e só por isso que os comunistas afirmam: Derrotar este Governo e este Pacto não será o suficiente para o sucesso do país, mas são a mais urgente das tarefas, pois sem esse objectivo cumprido, todos os outros são miragens.